segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Estrada da Seca

Gustavo Maia Gomes

Em Triunfo: ao fundo, o Cine Teatro
Guarani (Foto Daniel Maia Gomes, 13/1/2013)








Esta é a crônica de um percurso entre Petrolina e o Recife, com pernoite em Triunfo. Breve, apenas dois dias, 13 e 14/1/2013, mas intenso. Guiado pelo objetivo principal de observar o Sertão, os sertanejos e a seca, logo reinterpretado, o objetivo, para atender ao princípio “qualquer coisa interessante justifica uma parada, uma foto, e dois dedos de prosa”. Os viajantes: Daniel, fotógrafo amador talentoso; Gabriela, sonolenta, como (por um critério estatístico) se deveria esperar de seus 16 anos; e eu, Gustavo, motorista oficial, pai dos dois.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Um Santo no Inferno


Gustavo Maia Gomes

Aconteceu que a Congregação concluiu o inquérito sobre Severino Patacho, um beato do Sertão paraibano, morto há 50 anos com fama de devoto, casto, meio afrescalhado. Tudo o que deve ser um candidato à santidade. Não deu outra: em 12 de abril de mil novecentos e alguma coisa, Patacho foi declarado santo.
Em Piancó, houve muitas festividades; no Céu, manifestações de espanto. Todos se perguntavam quem era Severino Patacho. Não morava ali; se morasse, o Google saberia. Nem no Purgatório, há muito tempo em reforma. Finalmente, veio a notícia: o novo santo tinha ido para o Inferno.
São Pedro estremeceu. Se a informação vazasse, os big brothers iriam comentá-la e são Severino terminaria posando nu para a Playboy. A propaganda negativa abalaria as finanças da Igreja, que já andavam ruins. Não se tratava de um probleminha, tipo a reeleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado. Era um problemão.
Fora são Pedro, pouca gente sabia quanto custava manter o Céu em funcionamento, com aqueles homens e mulheres rezando o dia todo no ar condicionado. Ninguém ali trabalhava. Desenvolvimento local, endógeno e sustentável, necas de merrecas. O dinheiro vinha do Banco Vaticano, parando nas Ilhas Jersey, para higienização. Mas o banco, depois do desfalque, ia mal das pernas. Não se sabia quanto tempo ele ainda iria durar.
Seguro de que a gravidade do assunto justificaria uma audiência com Deus, Pedro foi até o gabinete do Todo-Poderoso. Encontrou a porta fechada.
A AUDIÊNCIA
– “O homem deu ordem de não ser interrompido”, disse o porteiro, cearense. (Arranjara o emprego na seca de 1932 e foi ficando.) “Está jogando xadrez com o Putin”.
– “E ele ainda não aprendeu que ninguém ganha dos russos nesse jogo?”, resmungou Pedro, contrariado.
Mas tanto insistiu que terminou sendo recebido.
– “Deus, seus funcionários na Terra criaram a maior encrenca prá nós...”
Não conseguiu terminar a frase.
– Já lhe disse para não me chamar desse nome. Existem mais de cinco mil deuses. Quem quer essa companhia? Eu não; eu sou único, o Bam Bam Bam.
– Mas, Senhor, então como devo chamá-lo?
– Zé Aécio.
– Esse homem é muito rico. Tem um sobrinho que construiu a maior packing house do mundo. Não vai se incomodar?
– Ele não tem de saber. Vai que um dia preciso de internação hospitalar...
– “O problema é o seguinte”, disse Pedro: “fizeram Severino Patacho virar santo”.
– E quem diabos é esse Severino Patacho, Pedro? Acha mesmo que eu sei tudo, é?
– Vou ler o que saiu na Internet, continuou o gerente do Céu: “Severino Patacho é um beato do Sertão paraibano, morto há 50 anos com fama de devoto, casto, meio afrescalhado. Tudo o que deve ser um candidato à santidade.”
– “Sendo assim, não vejo nenhum problema em ele virar santo”, retrucou Zé Aécio.
– “Mas, Senhor”, disse Pedro, “a fama era uma, a realidade, outra. Patacho está no Inferno. De casto, ele não tinha nada. Era um comedorzinho voraz, com forte preferência por cabras. No Sertão, é o que não falta.”
– Não espalhe isso, Pedro, mas uma cabrinha, de vez em quando... Não posso culpar esse frade.
– Frade, não, beato. Pense no estrago que essa informação pode causar. O que vamos fazer?
Durante meio minuto, Zé Aécio permaneceu mudo. Terminou falando:
– Vamos despecadizar a sacanagem. Assim, trazemos o Patacho para o Céu e o problema está resolvido.
A VINGANÇA
Pedro ficou arrasado, mas não disse nada. Como é que Deus, com aquela fama toda, podia ignorar as coisas mais básicas? Se sacanagem deixasse de ser pecado, o Céu iria explodir de tanta gente. E quem iria pagar as despesas, se nem da pequenina população de donzelos o Banco Vaticano estava mais dando conta?
Mas o pior não era isso – e aí Pedro não pôde deixar de pensar em si mesmo. Há dois milênios ele vivia espreitando o Inferno, secretamente desejando aquelas mulheres lindas, sem jamais ter coragem de abordá-las. Toda a vida ouvira que “isso é pecado; naquilo, nem pensar”. Dominado pelo medo do castigo, conteve-se.
– “Dois mil e treze anos no jejum”, sussurrou, “e agora me vem Zé Aécio dizer que comer cabras podia. Essa é muito boa.”
Em ato de pura vingança, Pedro vendeu a história para o Wikileaks.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A farmacopeia brasileira na primeira metade do século XX


Gustavo Maia Gomes
Para quem, como eu, era criança ou adolescente nos anos 1950/60, o que primeiro vem à lembrança, quando pensa em remédios daquela época, são nomes: Melhoral, Gastricol, Enteroviofórmio, Cafiaspirina,  Atroveran, Alka-Seltzer, Mercúrio-Cromo, Bromil, Emulsão de Scott, Óleo de Rícino, Cibalena e, acima de todos, Grindelia de Oliveira Júnior. Como iria alguém esquecer um xarope desses? Talvez ele nem mais existisse, quando nasci. Mas meu pai nunca deixava de mencioná-lo. Podia ser inócuo – provavelmente, era. Isso não lhe abalaria a reputação. Seu segredo estava no nome. (Continua)
O texto completo foi publicado pela revista Inteligência e está no link http://www.insightinteligencia.com.br/59/PDFs/pdf10.pdf