domingo, 23 de junho de 2013

Os manifestantes – que são minoria – já nos encheram o saco


Gustavo Maia Gomes
Sexta feira (21/6) à noite. Fui levar o sobrinho de Lourdes à emergência pediátrica da Unimed, na Av. Agamenon Magalhães, Recife. Tinha de ser ali, tinha de ser naquele momento. A ida foi tranquila; ao sair, tivemos a passagem do carro bloqueada. Impossível seguir em frente, impossível dar marcha à ré. Quanto tempo aquilo iria durar? Ninguém sabia, mas a notícia logo circulou: era mais uma manifestação contra tudo e contra todos, inclusive contra o direito de alguém levar uma criança ao médico.
Ficamos presos na rua por muitos minutos: minha mulher, eu, e um menino de sete anos. Não vi violência policial. O que vi foi um bando de homens descamisados, com os rostos parcialmente tapados por panos, correndo prá lá e pra cá entre os carros, com postura ameaçadora. Não pareciam revolucionários. Não pareciam pessoas insatisfeitas com o preço das passagens de ônibus, nem com os gastos da Copa, ou a qualidade dos serviços públicos. Pareciam, apenas, bandidos.
O que queriam? Depredar algum ônibus? Incendiar alguns carros? Simplesmente, exercer o poder de parar o trânsito? Não sei. O que sei é que, naquele momento, os cidadãos de bem, ameaçados em sua integridade física e em seu direito de ir e vir, queriam saber onde estava a Polícia e o que fazia ela. É justo pagarmos tantos impostos e depois sermos parados na rua porque se tornou engraçadinho um grupo de encapuzados determinar quem pode e quem não pode – e quando – passar por ali?
Chegou a hora de, dentro da Lei, darmos um basta ao que vai se tornando apenas um exercício coletivo de estupidez e irresponsabilidade. Manifestações pacíficas devem ser permitidas, mas com data e local previamente anunciados, de modo que a vida daqueles que não querem se manifestar (a maioria absoluta da população) possa continuar a transcorrer sem graves transtornos. E que não haja, jamais, sob pena de intervenção policial decisiva, atos de depredações ou ameaças físicas às pessoas.
A anarquia é a antessala do golpe. Já vivi sob uma ditadura (1964-85) e isso bastou para mim. Meus pais viveram sob duas e me contaram que a outra (1937-45) não foi muito melhor. Tenho certeza de que a maioria absoluta da população brasileira não quer aquilo de volta. Eu não quero. Minha mulher não quer. Meus filhos e filhas não querem. Minha neta, se já pudesse entender o mundo, não quereria. Dos meus amigos, não conheço um que queira. Mas é para onde estamos todos caminhando.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Gabriela e suas amigas também querem passeata

Gustavo Maia Gomes

Minha filha mais nova tem 16 anos. Cursa a terceira série do ensino médio. Algumas de suas colegas e amigas vêm aqui em casa com certa frequência, de modo que as conheço razoavelmente bem. Não existem muitas diferenças intelectuais entre elas. Mas há algumas. Gabriela, talvez única entre as companheiras, gosta de livros. Os de Harry Potter, que têm, em média, de 300 a 400 páginas, ela os leu há anos. Outras leituras se sucederam e sucedem, embora quase todas sejam romances adocicados. De todo modo, a despeito de minhas tentativas em contrário, seu interesse em temas políticos e sociais nunca foi perceptível. Nem o de suas amigas e colegas. Bem, elas ainda são adolescentes...
Mas, o que isso tem a ver com os protestos nas ruas que parecem não ter fim, neste junho de 2013? Muito. Há três dias, Gabriela puxou uma conversa comigo e Lourdes. Perguntou o que achávamos dessas manifestações; expressou o desejo de participar da que vai haver, hoje, no Recife; quis saber a que horas é transmitido o Jornal Nacional. Fiquei contente em ouvi-la. Afinal (assim pensei, num primeiro instante), aquilo era uma demonstração de crescimento intelectual. Não apenas dela. Segundo me revelou, o assunto todo tornou-se momentoso também entre suas colegas e amigas. Dei vivas à passeata, detonadora de tão grandes transformações na cabeça das meninas.
Será, mesmo? Tomara que sim,  mas não há como fugir a outra interpretação. No mundo de minha filha, assim como no nosso, o assunto “protestos de rua” entrou na pauta por avassaladoras razões midiáticas. Está todo mundo falando nisso, nas redes sociais, no colégio, e fora dele, quase sempre, em tom aprovativo. É um movimento com forte participação dos jovens. Gabriela e suas amigas não podem ficar de fora. O quê, mesmo, querem os manifestantes? Elas não sabem direito, mas consideram o protesto válido, necessário e oportuno.
É possível que Gabriela haja, realmente, começado a ter interesses e preocupações que transcendem os enredos de romances juvenis. Contudo, se minha filha adolescente e suas amigas e colegas forem, hoje, para as ruas, elas não irão porque se sentem moralmente compelidas a protestar contra a corrupção, o preço das passagens, ou a alta carga tributária, pois suas ideias sobre essas coisas ou são muito vagas ou completamente inexistentes. Elas irão para as ruas porque outras Gabrielas, com suas respectivas amigas e colegas, para as ruas irão. Não é muito diferente de se juntar a um carnaval fora de época.
Nada há de depreciativo nisso. Minha filha vive a idade dela. Seu interesse por livros denota curiosidades muito mais amplas que as de tantas outras pessoas. Virá o momento em que ela definirá seus objetivos de adulta e terá sucesso em alcançá-los, no que estará seguindo os passos de seus quatro irmãos. No devido tempo, Gabriela saberá muito sobre corrupção, preço de passagens, carga tributária -- e formará opiniões honestas e esclarecidas sobre cada uma dessas coisas. Isso não acontecerá com todo mundo, mas todo mundo irá para as passeatas, se passeatas houver e se o risco de delas participar for baixo.

Eis o que estou querendo dizer: no atual caso brasileiro, os protestos se multiplicam não devido à imperiosidade de alcançar os objetivos políticos ou morais que os jovens ou adultos resolveram assumir como seus, do dia para a noite. Longe de mim negar que sobrem motivos para indignação: nunca antes na história deste país os houve em tal abundância. Mas não me parece que as pessoas que estão indo às ruas saibam mesmo contra o quê estão protestando -- exceto, talvez, no caso das  passagens de ônibus. Na verdade, pouco importam os objetivos (vagos, difusos, sem foco), muito importa a festa. As manifestações assumiram uma endogenia irracional: a passeata de ontem é a razão de ser das passeatas de hoje e amanhã. 


Se não vier coisa pior por aí (e pode vir, dada a reincidência do vandalismo), tudo continuará a ser, apenas, pitoresco -- embora amedrontador, para os poderes vigentes. Vamos continuar vivendo naquele mundo do náufrago espanhol que, chegando a uma ilha perdida no meio do oceano, trava o seguinte diálogo com o primeiro selvagem que encontra:
-– Hay gobierno?
 -– Hay.
 -– Soy contra.