quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Einstein no Brasil

Gustavo Maia Gomes

Pouca gente sabe, mas Albert Einstein, quando fugiu do nazismo, em 1933, tentou ser professor de uma universidade brasileira. Foi recebido pelo Proto-Vice Reitor para Assuntos Estratégicos, Dialéticos e Poucoéticos da Universidade Federal Municipal Estadual De Cá e de Lá.
A autoridade explicou que ele somente poderia ser admitido se passasse no concurso. Havia as cotas, sim, mas como ele não era negro, nem puxava da perna, seria difícil conseguir vaga numa dessas categorias. "O senhor podia se declarar débil mental", lembrou o Proto-Vice. "As cotas para imbecis foram implantadas na nossa administração. Por serem recentes, a concorrência é pouca".
Einstein objetou que, sendo ele um Prêmio Nobel de Física, ficaria esquisito entrar na universidade como retardado, mas o Quase Magnífico considerou o argumento irrelevante. "Não seja burro, Fred Astaire, você quer o emprego ou não quer?"
— Fred Astaire, não. Einstein.
Conversa vai, conversa vem, o suíço-alemão quis saber quanto a universidade lhe pagaria. O Proto-Vice devolveu a pergunta: "É mestre? Doutor? Os salários são tabelados. Aqui nós prezamos muito a isonomia."
— Mas eu sou Einstein.
Não convenceu. "Temos de ser impessoais", retrucou o dirigente sindical eleito para cuidar dos assuntos estéticos e diabéticos da universidade. "Tá vendo aquele senhor deitado na rede? É Rescaldo Sangrento. Ele tem doutorado. Se seu diploma for reconhecido, você ganhará igual a ele. Inclusive, a rede."
Depois de ouvir isso, Albert desistiu. Pegou o avião e foi trabalhar na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Lá ninguém sabe o que é isonomia. Rescaldos Sangrentos não passam nem em frente à porta.
(Escrevi isso após ler a notícia anexa. Das dez melhores universidades do mundo, oito estão nos Estados Unidos. Nenhuma brasileira alcança sequer uma das primeiras 100 posições. Nós adoramos as coisas americanas. Os prêmios Nobel que eles conseguem às pencas? — Não. As universidades Classe A? — Menos ainda. Adoramos apertar a mão de Mickey Mouse na Disney World; não podemos viver sem um Big Mac. — Volta, Einstein!)

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Notícia velha, mas significativa

Gustavo Maia Gomes

A notícia é de 2009; sua atualidade, inquestionável.

“Num ato político, movimentos sem-terra liderados pelo MST ocuparam ontem uma fazenda [Monte Verde, em Branquinha, Alagoas] do Grupo João Lyra. As terras são produtivas e não consta qualquer irregularidade em sua administração. Mesmo assim, MST, CPT [Comissão Pastoral da Terra] e MSLT [Movimento de Libertação dos Sem Terra], com apoio da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e sindicatos, pressionam o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] por uma vistoria e posterior desapropriação.” (Gazeta de Alagoas, Maceió, 10/3/2009, pág. 1)
Monte Verde é a fazenda que pertenceu a meus pais, onde Ivan, Ivanilda e eu passávamos as férias, indo “de trem para Branquinha”. Foi vendida há muitos anos, primeiro para uma usina também pertencente aos Maia Gomes, depois, para o Grupo João Lyra. Não tenho simpatia especial por usineiros. Como estudioso da economia regional, acho que o Nordeste foi infeliz ao eleger a cana-de-açúcar como produto básico no início da sua história. Em todo o mundo, a cana e o açúcar estiveram associados à escravidão e a sociedades com atraso tecnológico e grave concentração de renda.
Mesmo assim, se a cana era um problema, a sua falta tem sido uma tragédia.

SIMPATIA? – POUCA.
Não, não tenho simpatias especiais por usineiros. Mas também sei que esses ditos “movimentos sociais” não passam de organizações espúrias que se utilizam de métodos criminosos para atingir não a reforma agrária, mas a manutenção de seus esquemas de generoso financiamento pelos governos (nos últimos anos) petistas. Estou para ver um desses assentamentos que seja capaz de pagar suas próprias contas, sem auxílio oficial. Os padres católicos (via CPT), por sua vez, assumem bandeiras estranhas não por amor a Cristo, mas como uma estratégia de sobrevivência diante da avassaladora onda evangélica que ameaça seus empregos.
No tempo de meus pais e avós, Monte Verde não foi um modelo de produtividade. Eu estaria muito satisfeito se, nos anos posteriores àqueles em que frequentei a fazenda, ela, já não pertencente à minha família, se tivesse tornado um lugar de onde uma porção de gente tirasse o seu sustento, produzindo muito e enriquecendo a todos. Não foi isso que aconteceu, nem antes do MST, nem, muito menos, depois.
Estive com meu irmão Ivan em Branquinha, município onde está Monte Verde, em fevereiro de 2014. (Isso foi registrado em meu blog, veja em http://gustavomaiagomes.blogspot.com.br/2014/02/a-cidade-que-o-trem-trouxe-e-o-rio-levou.html). Copio uma parte do que escrevi, logo depois daquela visita:

DIÁLOGOS BRANQUINHENSES
No antigo coração de Branquinha, naquela manhã de sábado, sete jovens estavam reunidos fazendo nada.
– “Vocês trabalham na cana?”, perguntei-lhes.
– “Não há mais cana aqui”, respondeu um deles.
– Então, o que fazem?
– Nada. Quando aparece algum serviço, a gente faz, mas é raro.
O que nos pareceu um escândalo, a Ivan e a mim, não preocupava os jovens. Por quê?
– “Tem Bolsa Família?”, indaguei ao mais velho.
– Não.
– Mas, alguém em sua casa tem?
– Tem, sim.
Fiz a mesma pergunta a cada um dos outros seis. Só um deles não tinha a bolsa. Estava um pouco mais bem vestido. Talvez fosse filho do prefeito ou de um vereador. Conclui que, para os branquinhenses, o Bolsa Família tornou-se um projeto de vida.


(PS. Enquanto isso, o MST invade fazendas produtivas, destruindo a pouca produção que ainda se fazia em Branquinha. Não, não há mais cana. Não há mais nada.)

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O censo das putas (Belém, 1921)

Gustavo Maia Gomes
Recorte de jornal não identificado datado de 15/julho/1921 pertencente à Hemeroteca Theodoro Braga — Arquivo Público de São Paulo. (Material colhido no site http://fauufpa.org/2013/08/27/1921-onde-colocar-as-putas/ e, segundo é dito ali, enviado pelo professor José Maria de Castro Abreu Júnior.)



Antônio Emiliano de Sousa Castro (1875-1951) foi deputado estadual e federal, governador do Pará (1921-25) e senador da República. Não deve ser confundido com seu pai, o Barão de Anajás (1847-1929), embora os dois tivessem o mesmo nome e ambos fossem médicos e professores. O mais velho foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará (1919) e seu primeiro diretor.
O filho tinha preocupação especial com a saúde pública. Já no seu primeiro ano de governo, armou um plano para controlar as doenças mais disseminadas no Estado. Dentre elas, as sexualmente transmissíveis -– ou “venéreas”, como se dizia então. Nesse mesmo sentido, em 1923, criou o leprosário de Igarapé-Açu, um hospital para tratar as vítimas de hanseníase apresentado como o mais antigo do Brasil.

DOENÇAS VENÉREAS
Na Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Estado, em 1921, Sousa Castro informa que “começou a funcionar o Instituto de Profilaxia das Doenças Venéreas, que instalei no prédio do antigo Instituto Pasteur, nesta capital. O prédio possui uma grande sala de espera e portaria, um consultório para homens, outro para senhoras, um terceiro para crianças e dois para meretrizes” (pág. 58).
“O Instituto funciona diariamente”, continua a Mensagem: “Todas as manhãs são atendidos homens, senhoras e crianças. As tardes são reservadas para as meretrizes” (pág. 58). O governador estava copiando experiências exitosas de Montevidéu e do Paraná. Mas, para que tudo funcionasse a contento, alguém precisava contar as putas. Tarefa para quem entende -- e não era o IBGE da época.
“Incumbiu-se o Sr. Dr. Chefe de Polícia de mandar fazer o recenseamento e identificação de todas as meretrizes desta capital, as quais seriam localizadas em um único bairro da cidade”, prossegue Sousa Castro, revelando outra parte do plano. “Possuiriam cadernetas de identidade e com estas se apresentariam ao Instituto de Profilaxia, para serem examinadas, uma vez por semana” (pág. 58).
O Instituto de Profilaxia cuidaria apenas da parte médica, “a Polícia se encarregaria do resto: localização, identificação, intimações e fiscalização das interditadas por doença, para não continuarem a exercer o meretrício. Estamos, portanto -– vangloria-se o governador -– com as funções bem definidas. Este [Instituto] só aceita como meretrizes as mulheres que se apresentarem com caderneta especial” (págs. 58-59).
Na Belém de 1921, não bastava ser puta, tinha de ter caderneta.

O CENSO
-- Mas, quem eram elas? Foi o censo, realmente, feito?
-- Sim, e os números estão na Mensagem de Sousa Castro ao Congresso Legislativo.
“O serviço médico-legal do Estado enviou ao Instituto de Profilaxia 525 cadernetas de meretrizes identificadas na Polícia, a fim de serem submetidas ao exame médico semanal, visando a profilaxia de doenças venéreas. Destas 525 mulheres, apenas 302 foram examinadas em julho, porque as cadernetas chegaram nos últimos dias do mês”. 

Eis o resumo dos dados obtidos, mantendo a forma em que foram apresentados:

Total de meretrizes examinadas
302
Das quais, são brasileiras
282
E estrangeiras (todas brancas)
20
Das brasileiras, eram brancas
70
Mestiças
178
Pretas
34
(Fonte: Relatório do Governador do Pará ao Congresso Legislativo do Estado, 1921, pág. 60)

As prostitutas nacionais eram dos seguintes estados

Pará
91
Amazonas
15
Maranhão
27
Piauí
14
Ceará
64
Rio Grande do Norte
15
Paraíba
25
Pernambuco
20
Alagoas
4
Sergipe
1
Bahia
5
Rio de Janeiro
1
São Paulo
1
(Fonte: Relatório do Governador do Pará ao Congresso Legislativo do Estado, 1921, pág. 60)

A estatística das meretrizes estrangeiras também consta do mesmo Relatório: “Russas, 6; austríacas, 2; rumaicas (sic), 1; portuguesas, 2; espanholas, 2; italianas, 2; americanas do Norte, 1; sérvias, 1; peruanas, 1.” Das meretrizes brasileiras, 53 eram casadas; 214, solteiras e 15, viúvas; 96 sabiam ler, 186 eram analfabetas. Das estrangeiras, 10 eram casadas; 6, solteiras e 4, viúvas. 15 sabiam ler, 5 eram analfabetas” (pág. 61).

PUTÓPOLIS
Um pouco de sociologia, para encerrar: 

(1) A maioria das prostitutas brasileiras tinha vindo de outros estados. Do próprio Norte ou, sobretudo, do Nordeste. Neste último caso, por herança das secas e da imigração de flagelados em busca de água e trabalho. Por sua vez, as estrangeiras, provavelmente, haviam chegado na fase áurea da borracha, quando o movimento em Belém de navios vindos da Europa e dos Estados Unidos era intenso.

(2) Dois terços (67%) das “meretrizes” estrangeiras sabiam ler; a mesma proporção, entre as brasileiras, era muito menor (34%). No caso dessas, o elevado analfabetismo não devia ser uma característica que as diferenciasse muito dos seus clientes. As estrangeiras,  por seu turno, mesmo sendo originárias, provavelmente, de camadas pobres, se haviam beneficiado da melhor oferta de educação em seus próprios países.

(3) Dentre as brasileiras, havia quatro solteiras para uma casada. Das estrangeiras, o número de casadas era maior que o de solteiras, atingindo metade do contingente examinado pelo Instituto de Profilaxia das Doenças Venéreas. Havia viúvas nos dois grupos de nacionalidade. Para essas, possivelmente, a prostituição havia sido o caminho encontrado para dar conta da vida, após a morte do marido.

(4) A maioria das prostitutas brasileiras era "mestiça" (63%). As "brancas" vinham em segundo lugar (25%) e as "negras" ficavam com os 12% restantes. A baixa proporção de meretrizes "negras" poderia estar refletindo a composição "racial" da população de Belém, ou ser um resultado da preferência dos clientes, sempre mais propensos a fazer amor com mulheres "brancas" ou "mestiças". É uma especulação, apenas.

Para não esquecer: fazia parte do plano concentrar todas as prostitutas de Belém em um único bairro, que bem poderia ter sido chamado Putópolis.