segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O aquecimento global de Miriam Leitão


Gustavo Maia Gomes
Recife, 17-12-2018

Em janeiro de 2018, nevou no Saara, fenômeno raríssimo naquela 
região considerada a mais quente do mundo. Os defensores
do aquecimento global induzido por ações humanas têm dito que os 
fenômenos climáticos se tornarão mais intensos, especialmente, que
haverá mais calor (e durante períodos mais longos) nas regiões quentes. 
Precisam arranjar uma boa explicação para o que a foto mostra.
























No domingo 9/12, Jair Bolsonaro anunciou Ricardo Salles como o próximo ministro do Meio Ambiente. Após ceder na proposta inicial de extinguir o Ministério, o presidente eleito cumpriu a promessa de indicar ele próprio, sem interveniências, o titular da pasta. E assim fez. Salles é advogado e foi (de 7/16 a 8/17) secretário do Meio Ambiente de São Paulo, na gestão do governador Geraldo Alckmin.

Na segunda-feira seguinte, pela manhã, o ministro indicado deu entrevista à Rádio CBN. Achei muito boas não apenas as opiniões dele, mas também a sua serenidade e segurança ao defendê-las. À noite, ele foi entrevistado no Jornal das Dez da Globo News. Da entrevista participaram Heraldo Pereira, Cristiana Lobo, Gerson Camarotti e Miriam Leitão. Os dois primeiros, menos; os dois últimos, mais, estavam visivelmente indignados com as ideias do futuro ministro -– e, nem preciso dizer, com as do presidente eleito também. Miriam Leitão, em particular, desobedeceu as regras mínimas da boa educação, ao interromper repetidamente o entrevistado, impedindo-o de concluir seu pensamento.[1]

Antigamente, chamava-se imprensa marrom (uma espécie de reduto pornográfico do jornalismo) os órgãos de divulgação que tinham mais compromisso com o escândalo do que com a verdade. Hoje, um nome precisa ser inventado para qualificar os jornais, rádios e TVs cujos repórteres e entrevistadores põem a militância política acima da obrigação de informar. A Rede Globo está entre eles.

Já fui do ramo e uma lição aprendi: o jornalista estuda o assunto (para conhecer as questões pertinentes), faz as perguntas que precisam ser feitas e deixa o entrevistado falar. Se trabalha para um jornal, ele escreve as respostas obtidas e publica a matéria, com o mínimo de adjetivos e o máximo de fidelidade ao que ouviu. Contrabandear  para o texto a sua opinião constitui procedimento condenável. Essa deve ser expressa exclusivamente em artigos assinados, ou em programas de rádio e TV que tenham essa finalidade específica e declarada.

De novo, a Globo News

Voltemos ao caso da entrevista. Os assinantes do canal, como eu, queríamos conhecer o pensamento do novo ministro sobre os assuntos de sua área. Não as ideias de uma jornalista qualquer, por maravilhosas que elas sejam. Menos ainda queríamos vê-la atropelar o entrevistado manifestando a todo momento sua indignação em perceber que Ricardo Salles pensa parecido com quem o indicou e não do jeito que agradaria a Miriam Leitão.

O clímax se deu com o “aquecimento global”, ou a “mudança climática”. Com calma, o ministro admitiu ser este um assunto ainda sujeito a visões conflitantes, alguns cientistas acreditando tratar-se de fenômeno natural, outros sustentando que ele resulta da ação humana. Foi além ao dizer que tal tema não poderia ser usado como desculpa para subordinar todos os outros, mais prementes, como a falta de saneamento nas cidades e o que fazer com os resíduos sólidos urbanos.

A jornalista não se conformou. Puxou da bolsa o argumento (para ela) definitivo e, atropelando o entrevistado, disse [literalmente]: “o IPCC chega à conclusão [com?] 99% de convicção que é ação humana. O IPCC tem cientistas do mundo inteiro, inclusive, do Brasil. Alguns dos melhores.”

Parece a última palavra, mas não é. O IPCC, sigla em inglês para Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, é um órgão da ONU. Congrega, sim, cientistas do diversos países. Mas, não reúne todos os cientistas, longe disso. Talvez, nem os melhores, tampouco, apenas os mais bem financiados. Isso por que o alarmismo climático se tornou uma indústria, alimentada por rios de dinheiro. Os que aderem à corrente, facilmente encontram quem pague suas pesquisas. Nessas circunstâncias, a tentação do cientista apresentar apenas os resultados que corroborem as expectativas dos seus patrocinadores se torna muito forte. Portanto, concordar com o IPCC, ou, pior ainda, a ele pertencer, constitui, no máximo, um atestado de "correção" política, não científica.

Leiam o depoimento de Lennart O. Bengtsson, um dos “15 melhores cientistas da mudança climática” que, por duvidar dessa ideia, teve um artigo científico devolvido e foi intimidado por seus pares, a ponto de renegar o trabalho que havia escrito e sair da GWDF (Fundação de Política do Aquecimento Global), entidade crítica às teses do IPCC. Em suas palavras: “eu fui colocado sob tão intensa pressão de grupo (...) vinda do mundo todo, que isso se tornou insuportável para mim. (...) É uma situação que me fez lembrar do tempo [do senador americano, célebre por perseguir intelectuais, na década de 1950, Joseph] Mac Carthy.”[2]

John R. Christy, outro dos “15 melhores cientistas da mudança climática”, é Ph. D. (1987) em ciência atmosférica pela Universidade de Illinois e professor da Universidade do Alabama, em Huntsville. Ele “começou a expressar dúvidas a respeito do crescente consenso sobre mudança climática nos anos 2000. Em uma entrevista à BBC, em 2007, acusou o processo do IPCC de politização grosseira e os cientistas de sucumbirem ao ‘pensamento grupal’ e ao 'instinto de rebanho'”. Em 2009, declarou, em depoimento ao Congresso dos Estados Unidos (onde foi convidado a falar por outras 20 vezes):

“As ações que estão sendo consideradas para ‘deter o aquecimento global’ terão um impacto imperceptível sobre o clima, ao mesmo tempo em que tornam a energia mais cara e, portanto, têm um impacto negativo na economia como um todo. (...) Os modelos climáticos e os conjuntos de dados de temperatura de superfície populares exageram as mudanças na atmosfera da Terra; as mudanças reais não são alarmantes.” [3]

Existem, claro, os que acreditam no enredo e defendem as teses essenciais do IPCC. Mas, eles não são unanimidade, nem existe essa coisa de “99% de convicção” quanto à natureza antropogênica do suposto aquecimento global.

Certezas duvidosas

Embora Miriam Leitão, para defender seu pensamento “politicamente correto”, se ampare no IPCC, como se ele fora um Oráculo de Delfos, na verdade, o órgão não está acima de qualquer suspeita. Ali ocorreram episódios nada científicos. Por exemplo, “em 2009, um hacker ou informante infiltrado disponibilizou na Internet uma coleção de e-mails trocados entre os principais autores e colaboradores dos relatórios do IPCC. O escândalo resultante, denominado Climategate, expôs os esforços dos autores do IPCC em negar dados aos estudiosos independentes e tentar impedir que periódicos com respeitabilidade científica publiquem pesquisas que solapem ou questionem seu próprio trabalho. Em 2011, o hacker ou informante divulgou um segundo lote de e-mails que tornaram ainda mais claro que o processo do IPCC foi quebrado [broken, no original].”

Continuo: “esta história sórdida levou a pedidos para que o IPCC fosse extinto e que a quinta avaliação [de seus relatórios] fosse a última. Isso seria uma boa notícia, apesar de muito atrasada. [Foi por essas e outras que o] Painel Internacional Não Governamental sobre Mudanças Climáticas (NIPCC) foi criado para assumir o lugar do IPCC, oferecendo aos cientistas honestos uma alternativa para seu trabalho e aos cidadãos do mundo uma fonte genuinamente independente de pesquisa sobre esse assunto”.[4]

Além disso tudo, os “99% de certeza” da jornalista não subsistem a uma análise fria, que se estenda para além dos limites do próprio IPCC. Afonso de Vasconcelos Lopes, por exemplo, que se apresenta como geofísico com passagem pela Universidade de São Paulo (USP), relatou, provavelmente, em dezembro de 2014, que “mais de 30 mil cientistas, sendo 9 mil PhDs e 72 ganhadores do Prêmio Nobel contestaram o aquecimento global.” Ele exibe no vídeo uma fotografia do deserto do Saara, uma das mais quentes regiões do mundo, coberto de neve, o que aconteceu em janeiro deste ano (2018). E pergunta: o aquecimento não devia ser “global”?[5]

Tem mais. Ricardo Augusto Felício, meteorologista, professor da mesma USP declarou, em 31/8/2018, depois de estudar as afirmativas e a suposta base científica dos propagandistas do aquecimento global antrópico: “a gente percebeu que eles estavam fraudando. E por que eles estavam fraudando? Porque estavam impondo para a sociedade um modelo de mundo que eles estavam criando. E não era o mundo real. Então, a partir desse momento, eu passei a ser um agente combativo a essa fraude científica.”[6]

E mais. Luiz Carlos Molion possui graduação em Física pela Universidade de São Paulo (1969), é PhD em Meteorologia pela University of Wisconsin, Madison (1975), tem pós-doutorado em Hidrologia de Florestas no Institute of Hydrology, Wallingford, UK (1982), foi fellow do Wissenschftskolleg zu Berlin, Alemanha (1990) e é professor titular da UFAL (Universidade Federal de Alagoas). Ele disse, em palestra dada em São Paulo: “O homem é incapaz de alterar o clima”.

Atenção, a frase "o homem é incapaz de alterar o clima" significa a negação completa, total e insofismável da ideia de aquecimento global causado por atividades humanas. O professor foi além: “não está mais ocorrendo o aquecimento global [que existiu, ele admite, entre 1976 e 1998, mas como um fenômeno natural, não devido a interferências humanas]. Isso agora reverteu e nos próximos vinte anos nós vamos ter um resfriamento global”. A palestra foi proferida em 2012. Nela, Molion fornece dados de temperatura para mostrar que o "esfriamento global" já estava em curso.[7]


Como se não bastasse, James Lovelock (figura central na difusão do alarmismo climático, antes considerado pelos defensores do aquecimento global como o maior cientista especializado no assunto em todo o mundo) admitiu que o movimento ambientalista não presta atenção suficiente aos fatos e que ele, Lovelock, tinha estado excessivamente confiante no passado sobre a questão da elevação das temperaturas: “Falando ao jornal The Guardian [inglês] para uma entrevista antes da divulgação de um importante relatório da ONU sobre o impacto da mudança climática, Lovelock disse sobre as advertências da catástrofe climática em seu livro de 2006, Revenge of Gaia: ‘Eu estava um pouco seguro demais disso. Ninguém [sabe] o que vai acontecer’”.[8]

Uma revista de investidores deu curso, recentemente, numa matéria com o título “A impressionante fraude estatística por trás do susto do aquecimento global”, a uma informação que também desagradaria muito à jornalista da Globo News: “A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica pode ter um nome chato, mas tem um trabalho muito importante: mede a temperatura dos EUA. Infelizmente, parece ser uma prisioneira da religião do aquecimento global. Seus dados são fraudulentos.”[9]

Enfim: na melhor das hipóteses para os alarmistas, há muitas dúvidas científicas sobre se as mudanças climáticas produzidas pela ação humana existem, mesmo. Do aquecimento global de Miriam Leitão, entretanto, ninguém duvida.




NOTAS



[2] Em https://thebestschools.org/features/top-climate-change-scientists/. Sem data, mas não pode ser anterior a 2016, por outras informações contidas na mesma matéria.

[3] Em https://thebestschools.org/features/top-climate-change-scientists/. Sem data, mas não pode ser anterior a 2016, por outras informações contidas na mesma matéria.

[5] “A fraude do aquecimento global”, em https://www.youtube.com/watch?v=sn-GmANXqQQ, 3’48’’.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

BANANA PASSA, LEMBRANÇAS FICAM

Gustavo Maia Gomes
Recife, 13 de dezembro de 2018
Olga Cardoso Pedrosa (de vestido escuro)
e suas quatro filhas: da esquerda para a
direita, Heloisa, Maria, Stella e Valentina.
(Foto pertencente ao acervo da família.)
Comia-se bem na casa da avó Olga Cardoso Pedrosa (1895-1978), em Maceió, no tempo em que mais a frequentei, aí pelos anos mil novecentos e sessenta. Ainda não havia esses cozinheiros que, julgando-se artistas plásticos, nos dão pratos de bela aparência e péssimo sabor. Olga nunca quis ser Anita Malfatti. Sua arte era feita de temperos, não de cores exóticas e formas geométricas.
Preparava sururu de capote, que se leva ao fogo grudado na concha. Assim, o molusco comparece à mesa com a dignidade de um lorde inglês. Tem gosto único, talvez por isso. (Recentemente, Murilo Lins Marinho me trouxe de volta essas lembranças. Poderemos reeditá-las na próxima ida de Lourdes e minha a Maceió?)
Sururu é uma coisa, galinha de Angola, outra. No quintal da casa onde Olga morava, havia sempre uma dezena delas (eu preferia chamá-las “tô fracos”, pois seu canto não passa disso: tô fraco, tô fraco...). Difícil era caçá-las, mas, afinal, alguém conseguia e elas iam para a panela. De carne um pouco mais dura que a da galinha comum, se bem feitas, como eram, são deliciosas.
Tinha mais. Queijo manteiga (mais raramente, coalho) assado. Bananas-passa preparadas pelo método antigo: uma tábua comprida exposta ao sol a cada manhã e recolhida à noite. Até ficarem prontas, vários dias se passavam. Mais do que gastávamos para consumi-las, meus primos, irmãos e eu.
Frutas-pães, abacates, mangas rosas e espadas, manguitos eram colhidos no quintal da casa e levados para a mesa, ou consumidos na hora. Uma goiabeira imensa produzia o fruto das compotas e geleias preparadas por Olga. Azeitonas (ou jamelões; ela as chamava “oliveiras”). Colhê-las era quase tão gostoso quanto olhar as meninas à noite em volta da fonte luminosa um dia instalada na Praça dos Martírios, perto dali.
Nem tudo era comida, claro. No universo da Avenida Moreira e Silva e vizinhança, Olga tinha as companhias das filhas, netos e genro; de um rádio receptor Mullard enorme; de uma escrivaninha com tampa de correr, onde ela redigia incontáveis cartas; de um telégrafo Morse verdadeiro e operante, trazido pelo genro Álvaro, correspondente em Alagoas da Asa Press. E do jornal O Semeador, editado pela Diocese local.
Em Maceió, embora não na casa de Olga, também comíamos os camarões do Bar das Ostras, os pitus do Mundaú, as patas de caranguejo (os alagoanos de então as chamavam “bocas de uçá”) de tantos locais diferentes. Se procurarmos direito, ainda acharemos tudo isso lá. Como diria minha avó, ao retirar do relento a comprida tábua: banana passa, lembranças ficam.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

DOZE ANOS E UMA SENTENÇA

Gustavo Maia Gomes
Recife, 9-12-2018
Nos últimos doze anos (2006-17), as despesas dos Estados com pessoal cresceram 93%, quatro vezes mais do que o produto interno bruto real brasileiro. (O Globo / O Antagonista)
Motorista da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ganha R$ 23 mil por mês, conforme noticiado na imprensa, no contexto do ainda não esclarecido escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro.
O governo do Espírito Santo, o de melhor condição financeira do país, gastou R$ 2 bilhões com aposentados em 2017. Com investimento? R$ 600 milhões. (Globonews)
Cada deputado federal ou senador brasileiro custa 7 milhões de dólares por ano (mais de R$ 2 milhões de reais por mês), seis vezes mais que um seu colega francês ou alemão. (BOL)
Somente o Congresso dos EUA tem despesas por parlamentar maiores que as nossas. No Reino Unido, um parlamentar custa vinte vezes menos que um brasileiro. (BOL)
O problema é antigo, claro, mas se agravou a partir de 2006. Foram doze anos e uma sentença. De morte.

POTIGUAR, MINEIRO E CARIOCA

(Da série "Os Pedrosa Escritores")
Gustavo Maia Gomes
(Recife, 29-11-2018)
Dentre os livros que me foram recentemente emprestados por Zenaide Pedrosa, mulher de Olimpio Bonald, neto, está “Américo – Este mundo e o outro” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1962), de Milton Pedrosa.
– Achei-o na biblioteca deixada por meu sogro [Alcindo Pedrosa, 1900-92], mas não sei se o autor é nosso parente –, advertiu-me.
Descobri que Milton de Albuquerque Pedrosa (1911-96), nascido em Mossoró (RN), filho de Eriberto Napoleão Pedrosa e Bráulia de Albuquerque Pedrosa, formado em Direito em Belo Horizonte (MG), advogado, jornalista, diretor da Ultima Hora (RJ), empresário e autor de livros bem recebidos pelo público e a crítica, não foi meu parente. Nem nosso, referindo-me aos demais Pedrosa com raízes nas cidades da Mata Norte pernambucana São Vicente Ferrer, Macaparana, Nazaré da Mata, Timbaúba.
Essa não foi uma descoberta imediata, entretanto. Antes de fazê-la, reuni sobre Milton Pedrosa muitas informações valiosas, que fui arquivando na esperança, é claro, de em algum momento encontrar prova de que possuíamos ligações familiares. O fato de ele ter nascido em Mossoró não constituía evidência definitiva em contrário. Muitos dos Pedrosa pernambucanos de gerações mais velhas foram viver em outros estados. No Rio Grande do Norte, inclusive.
A nota de Mauritônio Meira (“Última Hora”, RJ, 1-6-1956), entretanto, encerrou a questão: “[Milton] Pedrosa esclarece às pessoas que sempre lhe perguntam: não é parente de Mario Pedrosa (crítico), nem de Israel Pedrosa (pintor-editor), nem de José Pedrosa (escultor), nem de Silvio Pedrosa (ex-governador potiguar), nem de Luna Pedrosa (diretor do DOPS [órgão policial]), nem de Amaury Pedrosa (deputado)”.
Se Milton não era parente de Mario, então, não era meu, tampouco. Lastimo, pois ele teve uma vida produtiva e diversificada. Foi comunista, ou simpatizante, a ponto de ser visitado em casa pela polícia; escreveu contos, romances e reportagens; exerceu funções de direção em empresa jornalística; foi dono de editora. Sobre um dos seus livros (“Noite e Esperança”, 1960), o crítico literário Astrogildo Pereira disse que “se pode sem hesitação classificar de obra-prima”.
Mesmo sem ser meu parente, Milton era Pedrosa e escritor. Merece ter seu nome lembrado aqui.

ODILON PEDROSA, PADRE

(Da série "Os Pedrosa Escritores")
Gustavo Maia Gomes
(Recife, 28-11-2018)
Como seu parente Francisco Raimundo da Cunha Pedrosa (1847-1936), Odilon Alves Pedrosa (1901-c.1982), também seguiu a carreira sacerdotal, vindo a ser padre e monsenhor, além de jornalista atuante e autor de livros.
Ordenou-se presbítero em 1925, após estudos na Universidade Gregoriana, em Roma. De volta ao Brasil, por meio de jornais, assumiu posições ultramontanas [o ultramontanismo foi uma tardia reação de Roma, iniciada no século XIX, contra a Reforma protestante e o Estado laico] defendendo, em particular, o monopólio educacional católico.
Em “50 Anos Depois” (1975), Odilon escreveu: “No fim da segunda década deste século [vinte] dominava na vida da imprensa o gosto pelas polêmicas, discussões estéreis muitas vezes e quase sempre pouco caridosas. É que não faltava, de parte a parte, entre os contendores, o desrespeito, o achincalhe. Aproveito a ocasião para de tudo penitenciar-me. Quer parecer-me que, certas vezes, a ironia foi além da medida” (seção “Apresento-me”).
No seu livro “Tempo de Memória”, Alcindo Pedrosa (1900-1992), sobrinho-neto de Pedro da Cunha Pedrosa e de Francisco Raimundo da Cunha Pedrosa, inclui o padre Odilon entre seus familiares (e, portanto, também entre os meus), mas não especifica que tipo de parentesco existiu entre eles. Zenaide, nora de Alcindo, não me pôde ajudar, tampouco, a esse respeito. Nem, por enquanto, o Google.
O fato de ter nascido em São Vicente (hoje, São Vicente Ferrer, PE), não bastasse o depoimento de Alcindo, coloca Odilon entre os mesmos Pedrosa que incluíam, além dos já citados, também Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa (1853-1906), meu bisavô.

PEDRO E OS FILHOS

(Da série "Os Pedrosa Escritores")
Gustavo Maia Gomes
(Recife, 28-11-2018)
Irmão de Francisco Raimundo (1847-1936), o "Vigário da Escada", e de Olympio Bonald (1866-1931, o pai de Alcindo Pedrosa, sobre quem escrevi ontem), além de primo de meu bisavô Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa (1853-1906), Pedro da Cunha Pedrosa (1863-1947) foi advogado, promotor, juiz de Direito, agricultor, jornalista, político e escritor, tendo chegado a senador da República (1912-1922) pela Paraíba.
Minha mãe, Maria Stella e sua irmã Heloisa o visitaram em, pelo menos, duas ocasiões (1935 e 1942) no Rio de Janeiro onde morava com a família. Nas suas "Próprias Memórias", Pedro faz várias referências a Manoel Sebastião, o avô de Heloisa e de Stella, fundador (1880) e dono (até 1897) do famoso colégio Onze de Agosto, no Recife.
Pedro escreveu os dois livros cujos frontispícios são mostrados nesta matéria para serem lidos apenas por seus filhos e parentes próximos, mas os mesmos terminaram sendo publicados. Paradoxalmente, o “segundo” volume (Vida Privada), em 1937, antes do “primeiro” (Vida Pública), que apenas ganhou uma edição póstuma em 1963, por ocasião do centenário de nascimento de seu autor.
O casal Pedro-Antonia Xavier de Andrade Pedrosa teve dez filhos: Maria Stella (1889), Maria Beatriz (1890), Manoel Xavier (1892), Pedro (1894, faleceu com 17 anos), Maria do Carmo (1897, faleceu com seis meses de idade), Mario (1900), Clovis (1902), Maria Carmelita (1905), Maria Elisabeth (1907) e Homero (1912).
Dos filhos, três foram autores de livros: Manoel Xavier, Mario e Homero. Pedro terá capítulo a ele dedicado no meu próximo livro, Uma Noite em Anhumas.

ALCINDO CORRÊA PEDROSA (1900-92)

(Da série "Os Pedrosa Escritores")
Gustavo Maia Gomes
(Recife, 26-11-2018)
O advogado e poeta Alcindo Pedrosa escreveu em seu livro “Tempo de Memória”: “Sou o quarto rebento de uma prole de doze irmãos, nascido do casal Olympio Bonald da Cunha Pedrosa [1866-1931] e Maria Corrêa de Andrade Lyra que, após o casamento, passou a se assinar Maria Corrêa Pedrosa”.
E prosseguiu: “Nasci no dia 19 de agosto de 1900, na cidade de Bom Conselho, situada no sopé da Serra do Papa-Caça, no extremo sul do Estado de Pernambuco, onde meu pai, em sua longa peregrinação de Juiz de Direito (...) distribuiu a Justiça durante quatro anos” (pág. 13).
Olympio Bonald da Cunha Pedrosa, pai de Alcindo, que chegou a desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, era primo de meu bisavô Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa (1853-1906).
Alcindo Pedrosa, por sua vez, é pai de Olímpio Bonald da Cunha Pedrosa, neto, também escritor, a quem tive o prazer de conhecer no primeiro semestre deste ano. A ele e a sua esposa Zenaide Pedrosa, um amor de pessoa.

OS PEDROSA ESCRITORES

Gustavo Maia Gomes
(Recife, 26-11-2018)
Desde quando há três anos decidi dedicar parte do meu tempo à busca de informações relacionadas aos antepassados, tenho feito agradáveis descobertas. Sobre os Pedrosa, por exemplo, ancestrais maternos, aprendi que “havia muitos padres na família”, como depõe a tia Heloisa Pedrosa Resende (1916-2007) em suas memórias. E mais.
“Eles gostam de escrever”, disse-me Zenaide, mulher de Olímpio Bonald da Cunha Pedrosa, neto, ao me emprestar livros redigidos por familiares nossos. Ela, além de o ser por casamento, é parenta por direito próprio, embora haja controvérsia sobre se o seu Pedrosa de solteira seja o mesmo que o do marido. (E meu.) Provavelmente é, dadas as origens geográficas na Mata Norte pernambucana comuns a ambos.
Aos livros emprestados por Zenaide vieram se somar os que eu próprio já havia conseguido em sebos virtuais. Assim, juntamos nossos acervos, temporariamente, pelo menos. Eu já conhecia os Pedrosa autores Francisco Raimundo (1847-1936), Pedro (1863-1947), Mario (1900-81), Manoel Xavier (1892-1988) e Olímpio Bonald Neto. Fiquei conhecendo por meio dela Odilon, Alcindo, Bolivar e Guilherme.
Indiretamente, ou seja, depois de pesquisas guiadas por informações de Zenaide, encontrei Homero (1912-?) e reencontrei Ivo Vasconcelos Pedrosa (nascido em 1947), que foi aluno da Universidade Federal de Pernambuco, a mesma em que lecionei de 1976 a 2009. Se a memória não me trai, fui um dos examinadores de sua dissertação de mestrado, em ano próximo a 1986.

QUEM SE LEMBRA DOS SOLDADOS CUBANOS?

Gustavo Maia Gomes
(Recife, 23-11-2018)
Os três parágrafos seguintes são citações. A fonte é declarada mais adiante.
“Quando Fidel Castro enviou em segredo o primeiro contingente de soldados a Angola, em 1975, Cuba se meteu de cabeça na ‘Operação Carlota’, a maior campanha militar latino-americana em outro continente, que se estendeu por 16 anos e envolveu mais de 400.000 cubanos.”
“A presença militar e civil cubana se estendeu à Etiópia e a outros países africanos. O saldo final foi de 2.289 mortos entre civis e militares, deles 863 em ações de combate, 597 por doenças e 829 em acidentes.”
“Além de Angola, os cubanos cumpriram missões de guerra no Congo, na Argélia, na Síria e em Cabo Verde, na Guiné Bissau, entre outros.”
(“Operação Carlota, a maior campanha militar de Fidel Castro”, Istoé, 26/11/2016.)
Que eu saiba, ninguém jamais traçou um paralelo entre os “soldados cubanos” de 1975-91 e os “médicos cubanos” do século XXI, mas agora me vem à cabeça a suspeita óbvia.
Do mesmo jeito que aluga médicos cobrando 75% do salário deles, Cuba devia também ganhar dinheiro com os seus soldados. Porém, exigindo mais de 75% pelo aluguel.
Nada mais justo: era o adicional de periculosidade.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Direita, volver !


Gustavo Maia Gomes
Recife, 5-12-2018

Depois de sobreviver, muito ferido, embora, à ladroagem petista e (diria Paulo Roberto de Almeida) à Grande Destruição da economia, da política, das instituições, dos cofres públicos, dos fundos de pensão, das empresas estatais, da honestidade, da inteligência... depois de sobreviver a tudo isso, o nosso país merecia algo diverso. O novo governo ainda não se instalou, mas já temos um esboço do que ele tentará ser. O Brasil está mudando, ou em vias de mudar. Para a direita. Para melhor.

BONS VENTOS

Está mudando para melhor na economia, sob a liderança de Paulo Guedes, com a reabilitação da responsabilidade fiscal; com o anúncio de privatizações em maior escala; com o apoio à e provável aprofundamento da reforma trabalhista; com a extinção do Ministério do Trabalho; com a consciência proclamada de que todos vivemos da produção, a qual, portanto, precisa ser estimulada, não punida, como tem sido pela doutrina e a prática esquerdistas, segundo as quais produzir é crime e os empresários são gente pecaminosa, intrinsecamente exploradora.

Está mudando para melhor na política, com o preenchimento de cargos (que antes eram vendidos em troca de votos) segundo critérios técnicos, de ficha limpa e afinidade programática; com a busca de um novo relacionamento com o Congresso que não passe por mensalões ou mensalinhos, nem pela entrega das empresas estatais a ladrões; com o prestígio dado às bancadas temáticas. (Se vai funcionar, não sei, mas, pelo menos, essas bancadas se formaram em torno de alguma bandeira explicitamente declarada, enquanto nossos partidos são meras aglomerações temporárias de interesses escusos.)

Está mudando para melhor no combate à corrupção, do que o símbolo maior é a escolha de Sérgio Moro para compor com autonomia sua equipe e chefiar sem interferências espúrias um Ministério da Justiça grandemente fortalecido. (Vem guerra feia por aí, antecipo, e seus resultados são imprevisíveis. Ela será travada, na última trincheira, entre os interesses genuínos da sociedade e a vergonhosa encarnação atual do STF. Eita, posso ser preso por dizer isso.)

Está mudando para melhor nas relações exteriores, com o fim do apoio ideológico, logístico e financeiro às ditaduras cubana, venezuelana, bolivarianas, terceiro-mundistas, etc, substituído pelo alinhamento (mas, não incondicional) com os Estados Unidos e o Ocidente capitalista. Só isso já sinaliza uma mudança extraordinária e na direção correta. (Li alguns artigos do futuro chanceler Ernesto Araújo. Às vezes, sinto dificuldade em entendê-lo. Mesmo assim, suas ideias, na pior das interpretações, são muito melhores que as de Leonardo Boff, Frei Betto, Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim e tantas outras calamidades que tivemos de aturar, nos últimos tempos, juntamente com os prejuízos incalculáveis que elas causaram.)

Está mudando para melhor na educação. De novo, conheço pouco o pensamento do futuro ministro Ricardo Vélez Rodriguez. (Para mim, sua vinculação ideológica ao autointitulado grande filósofo Olavo de Carvalho não conta irrestritamente a seu favor.) Mas, de uma coisa, podemos estar certos. Vai haver uma tentativa de substituir Paulo Freire e sua "pedagogia do oprimido" (e descansado, e pouco estudioso...) pelas quatro operações aritméticas. Se o conseguirmos, nossas escolas deixarão de produzir ignorantes revoltados e passarão a formar gente qualificada, com ânimo para trabalhar e preparo para vencer na vida. Será como trocar a Caninha 51 pela dieta equilibrada.

Está mudando para melhor na questão indígena. As leis que regulam o tratamento dado aos índios, em muitos casos, “supostos índios”, têm de ser revistas e o propósito nesse sentido já foi enunciado pelo presidente eleito. Do jeito que estão, essas leis justificam absurdos, como a concessão de glebas imensas de terras à soberania dos índios, com ameaças à integridade territorial do país. (Uma consequência da legislação que dá tratamento privilegiado aos nativos -– tidos como incapazes para assumir deveres, mas amplamente habilitados a exigir direitos -– é que ser índio, no Brasil, virou profissão. Há algo muito errado num país onde ser índio é profissão.)

Está mudando para melhor no tratamento de questões tabu, como a ideologia de gêneros e, mais restritamente, o homossexualismo, que deve deixar de ser promovido e subsidiado, para ser visto como uma preferência tão natural e aceitável como outras, porém, nada mais do que isto. É como torcer pelo Sport, não o Náutico; o Corinthians, não o Palmeiras. Um direito de cada um. Mas (como parece ter sido antecipado por Paulo Guedes, embora eu não tenha podido confirmar a notícia), não haverá dinheiro do governo financiando o carnaval, nem verba pública pagando paradas gay.

Está mudando para melhor na questão do meio ambiente, embora os detalhes da mudança estejam longe de ser claros. O fato é que a alegada defesa do meio ambiente, em muitos casos, virou uma religião. O alarmismo climático, por seu turno, hoje uma poderosa indústria, desperta suspeitas: há gente demais ganhando muito dinheiro com propaganda enganosa. Multas ambientais vultosas sustentam ONGs que só vivem do dinheiro público. Além disso, o ativismo em prol da natureza oculta, em muitos casos, o preconceito contra quem produz a subsistência e o bem estar de todos nós. Isso precisa ser repensado e, aparentemente, o será, no novo governo.

PROBLEMAS?

Nem tudo são flores, entretanto. A influência política dos evangélicos (e religiosos, em geral), que promete ser grande, preocupa. Há inúmeros exemplos históricos de ocasiões nas quais essa associação gerou lamentáveis resultados. Embora compreensível, o excesso de generais em postos de comando também acende um sinal de alerta. É inadmissível que um governo eleito democraticamente tenha nostalgia de tempos sombrios, como foram, em sua maior parte, os anos militares. (Não que devamos dar ouvidos às viúvas do PT, quando batem nesse ponto: durante seus quatorze anos de governo, ou melhor, de roubalheira, elas nunca protestaram contra a nomeação de ladrões e corruptos para comandar ministérios.)

Na mesma linha de possíveis futuros problemas, Olavo de Carvalho, o guru da nova ordem, é um caso a se observar. Seus modos deselegantes no escrever, cheios de palavras chulas, grosserias gratuitas, não indicam grande sabedoria. Cheguei a comprar um de seus livros, anos atrás, mas interrompi a leitura (irei retomá-la, agora, por razões óbvias) quando vi que ele punha no mesmo balaio pessoas de estaturas mental e moral tão diferentes quanto Voltaire e Bertrand Russell, de um lado, e Stálin, Sartre e Althusser, de outro. Os dois primeiros foram baluartes do Iluminismo (ou do Racionalismo, pois Russell viveu a maior parte do tempo no Século XX) que muitos de nós, eu inclusive, consideramos o fundamento da sociedade ocidental moderna no que ela tem de melhor. (Olavo de Carvalho não obstante.)

Os filhos do presidente, especialmente aquele que fala demais, também podem vir a ser obstáculos a um bom governo. Tomara que não. Já aguentamos Dilma Rousseff e sua tagarelice de débil mental. Não precisamos mais disso. Até porque, depois da mulher sapiens e da ode à mandioca, qualquer nova tentativa de estocar ventos soará ainda mais patética.

Nada disso é razão suficiente para neutralizar nosso otimismo. O Brasil está mudando para melhor. Direita, volver!

terça-feira, 20 de novembro de 2018

GLOSSÁRIO


Gustavo Maia Gomes
Brasília, 19 nov 2018

Os escravos de ganho eram escravos que (...) realizavam tarefas remuneradas a terceiros e repassavam parte da quantia recebida para o seu senhor. (Dicionário Informal)
Escravos de ganho saíam às ruas para ganhar dinheiro para seu senhor como vendedores (de doce, refresco, linguiça etc.), pedintes, barbeiros, artesãos, prostitutas, etc (Wikicionário)
Os escravos de ganho (...) iam para as ruas em busca de trabalho. (...) Ao final do dia ou da semana, deviam entregar uma determinada soma ao seu senhor ou senhora. (Albuquerque e Fraga Filho. Uma história do negro no Brasil, 2006.)
Eram comuns, principalmente nas cidades maiores, os escravos de ganho. Estes tinham a liberdade de executar serviços ou vender mercadorias (...) nas ruas. Porém, a maior parte dos lucros destas atividades deveria ser entregue aos seus proprietários. (Escravos no Brasil. SuaPesquisa.com)
Qualquer semelhança com os médicos cubanos não é mera coincidência.
(Publicado no Facebook)

NÃO PODIA DAR CERTO


Gustavo Maia Gomes
Brasília, 14 nov 2018
Raras vezes tive, em Brasília, o desejo, a janela e o tempo para observar a cidade panoramicamente, num dia normal de trabalho. Hoje, instalado na varanda do hotel em que me hospedo, olho, vejo, conto – e me espanto.
Olho o Congresso Nacional, os ministérios, a Biblioteca, o Ipea, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Banco Central. Vejo milhares de carros estacionados em dez pontos diferentes, e outros milhares circulando.
Conto o que custou construir os palácios e edifícios; quanto custa remunerar os que neles trabalham, manter e iluminar os prédios, fazer rodar a frota de carros. Uma fábula.
Conto – e me espanto. Brasília nasceu, cresceu e se mantém viva exclusivamente devido ao dinheiro público. É bela, agradável, moderna, inovadora, mas morreria em dois meses, se o governo saísse daqui e fosse malbaratar nossos impostos em outra freguesia.
Voltemos aos anos 1950. Era importante transferir a capital para o Centro-Oeste? Admitamos que sim. Seria preciso construir uma nova cidade? Claro que não. Somente quem podia torrar o nosso dinheiro impunemente teria a coragem de cometer tamanha insanidade. Goiânia estava ali. Por que não elevá-la a capital da República?
Uma pinturazinha em edifícios já existentes daria para abrigar neles os primeiros órgãos federais transferidos para a nova capital. A construção de outros prédios – quando se fizesse necessária – seria financiada com a venda dos edifícios correspondentes na capital antiga. O Ministério da Fazenda precisa se mudar? Ótimo. Ponha à venda a sede que tem no Rio. Quando alguém pagar por ela, use o dinheiro para construir a nova sede, em Goiânia.
Ah, mas quem pensava assim não compreendia o destino manifesto do Brasil, que Stefan Zweig havia chamado “o país do futuro”. (Suicidou-se logo em seguida.) Era fácil e heroico os governantes dissiparem o dinheiro alheio, em nome da hipotética grandeza. Eu queria ver quem se habilitaria a construir uma cidade no deserto pagando do próprio bolso.
Os anos entre 1950 e 1980 foram o tempo em que meu pai estava em plena atividade produtiva. Sua geração pagou Brasília com a inflação, como a minha está pagando com o desemprego, a de meus filhos continuará a pagar com o crescimento econômico medíocre, e a dos meus netos, bisnetos...
Esse foi, seguramente, o brinquedo mais caro que já se construiu e se mantém em funcionamento no mundo inteiro. Com exceção de Dubai, talvez. Mas, Dubai não é problema nosso. Brasília, sim. Enquanto o Brasil for regido por essa mentalidade, não pode dar certo.
(Publicado no Facebook)

DESPACHE AS MALAS, EINSTEIN


Gustavo Maia Gomes
(Brasília, 14 nov 2018)
Desde algum tempo, as empresas aéreas passaram a cobrar pela bagagem despachada. Em reação, os passageiros agora levam tudo para a cabine. Como ali não existe espaço suficiente, inventou-se o despacho das malas feito na fila de embarque. Por isso, voos atrasam.
Ignorar princípios econômicos básicos não costuma dar bons resultados. Em "O Trem para Branquinha", escrevi, sobre a desastrada passagem de Rui Barbosa pelo Ministério da Fazenda, no governo Deodoro: “meio economista é pior que nenhum”. Nosso país está repleto de meio economistas.
Por que Einstein, quando Hitler tomou o poder na Alemanha, não veio para o Brasil? Ele se achava nos Estados Unidos e decidiu permanecer ali. Cheguei a imaginar que o gênio da Física tinha vindo procurar emprego numa universidade brasileira. Teria havido o seguinte diálogo.
– Senhor Aristeu...
– Einstein.
– Eisenstein?
– Não, Einstein. Albert Einstein, o criador da Relatividade.
– Minha mãe já dizia que tudo é relativo...
– Ela era física?
– Não, espiritual. Aliás, espiritualíssima.
– Entendo.
– Quer emprego de professor?
– Sim.
– Qual seu maior título?
– Doutor.
– Temos uma vaga.
– E o salário?
– Tá vendo aquele senhor deitado na rede?
– Sim.
– Rescaldo Sangrento. Nunca fez nada, mas é doutor.
– E daí?
– Pergunte o salário dele. Será o seu.
O suíço-alemão preferiu ser professor em Princeton, uma das melhores universidades americanas. Lá, foi Einstein até morrer. Aqui, em respeito à isonomia, ele teria sido apenas mais um Rescaldo Sangrento.
Meio economista é pior do que nenhum.
(Publicado no Facebook)

HORA DE HELDIO “VILLAR” À ESQUERDA?


Gustavo Maia Gomes
(Recife, 2-11-2018)
Meu amigo Heldio Villar escreveu, ontem, neste mesmo espaço onde alguns trocam ideias, outros, ofensas, um belo texto sobre as transformações da esquerda. Não pude compartilhá-lo, por razões técnicas, mas recomendo a leitura e cito uma de suas passagens:
“Essa ‘esquerda’ [contemporânea] – que, pelo visto, nada tem a ver com a clássica – foi ironicamente batizada de ‘esquerda 2.0’ e, também ironicamente, se intitula democrática, defende apaixonadamente as ‘minorias’ (preferencialmente o grupo LGBTIJMOPRW...), prega mais e mais direitos para o trabalhador, aplaude a rebelião dos alunos em sala de aula etc.” (Heldio Villar).
A “esquerda clássica”, segundo Villar, tinha como objetivo último a implantação do comunismo. No processo que conduziria inexoravelmente a este ideal (felizmente, houve problemas sérios no caminho), as regras de remuneração do esforço produtivo seriam alteradas, na linha antevista por Karl Marx (1818-83): “de cada um, de acordo com sua capacidade; para cada um, de acordo com sua necessidade”.
Em outras palavras, esclarece Heldio: quando, finalmente, o paraíso da esquerda fosse implantado, “se um solteiro produzisse 100 peças por dia, ganharia menos do que um pai de 6 filhos que produzisse 10 [peças]”. Ao que eu (GMG) acrescentaria: o inferno foi, inquestionavelmente, inventado por um economista burro.
**** De volta a 1992 ****
As reflexões de Heldio Villar me fizeram recordar que, na ICID I (Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas. Fortaleza, 1992) – realização memorável, sobretudo, de Antonio Rocha Magalhães –, eu havia tratado de tema semelhante.
No meu ensaio “Desenvolvimento sustentável no Nordeste: Uma interpretação impopular” (incluído no livro Gustavo Maia Gomes, Hermino Ramos de Souza e Antonio Rocha Magalhães, orgs., “Desenvolvimento Sustentável no Nordeste”, Brasília, Ipea, 1995, Cap. 1) escrito em 1992, está dito:
Constitui um dos paradoxos da vida que as bandeiras estritamente conservacionistas (ou conservadoras, até reacionárias) do movimento ambientalista tenham sido predominantemente apropriadas por grupos políticos que se identificam a si próprios como “de esquerda”, “reformistas” ou mesmo “revolucionários”. Por que se produziu esse fenômeno?
Uma interpretação poderia ser formulada em termos da teoria dos jogos. Existem dois grupos adversários no debate intelectual (e na ação política): o grupo n. 1 ocupa o lado direito da arena; o n. 2, o lado esquerdo.
A batalha se trava em torno de objetivos que têm a ver com o reconhecimento público dos discursos de cada grupo, reconhecimento este traduzido tanto na conquista de títulos acadêmicos quanto de cargos e favores governamentais.
Os dois grupos se beneficiam da existência da luta, pois esta lhes confere, a ambos, uma importância que não teriam se não houvesse a disputa.
Num determinado momento, duas coisas aconteceram: por um lado [anos 1970], a direita [Atenção: a DIREITA] começou a introduzir uma nova arma em seu arsenal, o discurso conservacionista, ambientalista, contra o “progresso”, contra o “desenvolvimento das forças produtivas”.
Por outro lado, pouco depois [últimos anos 1980], a esquerda sofreu um cataclismo, com a desmoralização gradual, porém rápida, de algumas de suas teses mais caras: a revolução, o socialismo, o planejamento econômico. Tudo isso virou pó, tragado pela história.
Prenunciou-se, portanto, uma vitória arrasadora de um dos oponentes, no debate intelectual e na disputa política. Seria, realmente, o “fim da história”. E isso não interessava a ninguém. Nem aos intelectuais da direita, que, ficando sem adversários, teriam seu valor de mercado consideravelmente depreciado, nem, muito menos, aos intelectuais da esquerda, ameaçados com o desemprego puro e simples.
Essa situação praticamente impôs aos jogadores um acordo implícito, pelo qual a direita entregou [à esquerda] seu discurso recém-adquirido (a temática conservador-ambientalista), ganhando, em troca, a continuação da disputa.
Reproduziram-se, assim, muito oportunamente, as condições de equilíbrio ideológico: o grupo n. 1 continua a ir à luta com suas armas mais tradicionais; o grupo n. 2, que perdeu o socialismo, empunha, agora, a proteção à natureza. Todos ficaram felizes. (Gustavo Maia Gomes, cit., págs. 10-11)
**** E hoje? ****
Como Heldio Villar nos lembrou, nos anos subsequentes a 1992, a esquerda, no mundo e no Brasil, em sua tentativa de evitar a desmoralização completa, continuou a incorporar outras bandeiras (além da ambientalista, conservadora) que não faziam parte do discurso original.
Karl Marx morreria de desgosto, se pudesse ver o que fizeram de suas ideias. Os pragmáticos pensadores esquerdistas, entretanto, veem as coisas de outra forma. Não abrem mão, por exemplo, de posar como defensores dos LGBTIJMOPRW – na nomenclatura de Heldio Villar.
Seu novo lema é: enquanto houver letras, haverá esperança.
(Publicado no Facebook)