Gustavo Maia Gomes
Duas
notícias se destacaram, na semana passada. Aparentemente desconectadas, após análise
mais profunda fica claro que elas não têm mesmo nenhuma relação entre si.
1.
O Facebook encaminhou à agência americana que fiscaliza as bolsas de valores pedido
de lançamento público inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). O Brasil,
onde o serviço tem crescido vertiginosamente, é citado oito vezes na
documentação que instrui o processo.
2.
Elizabeth II completou 60 anos como rainha da Inglaterra e de outros países
subalternos ou acomodados. Até agora, portanto, está sendo parcialmente cumprida
a profecia de Farouk, destronado pela revolução egípcia de 1952: “no futuro, só
haverá cinco reis: o da Inglaterra e os quatro do baralho”.
FACEBOOK
Os
números do Facebook são estratosféricos: a rede já conecta 845 milhões de
usuários cadastrados; anuncia IPO em que espera arrecadar cinco bilhões de
dólares; e pode estar na iminência de valer 100 bilhões de dólares. É um
símbolo da nova economia baseada na informação e comunicação. Paradoxalmente,
tem lucro líquido de apenas um bilhão de dólares.
“Apenas
um bilhão” porque uma empresa de 100 bilhões deveria ter lucro próximo a dez,
não a um bilhão de dólares. É claro que há uma expectativa de maiores lucros no
futuro, mas o salto de um para dez é improvável. A melhor explicação para esta
valorização excessiva parece ser, outra vez, a lógica das bolhas que, uma vez
explodidas, trazem as fantasias de volta à realidade. O mundo já viu isso: de
2001 a 2003, as ações das empresas de tecnologia cotadas na bolsa Nasdaq perderam
80 por cento de seu valor.
Seja
como for, pelos seus méritos verdadeiros e também pelos falsos, o Facebook é um
símbolo do mundo atual. Assim como Elizabeth II, embora por razões
completamente outras.
ELIZABETH
Justiça
seja feita, nessas seis décadas, a rainha passou por muitas situações difíceis,
das quais sempre se saiu bem. As mais notórias foram provocadas por seu primogênito
e presuntivo sucessor. Mas não as mais importantes. O verdadeiro desafio enfrentado
e vencido por Elizabeth foi se adaptar com sucesso a um mundo de contínuas e
profundas mudanças. Um mundo ameaçador para gente, como ela e sua família, cujo
prestígio e riqueza dependem do apego das pessoas comuns a tradições envelhecidas.
Não
se trata, apenas, de que, quando Elizabeth começou seu reinado, o mundo tinha
dois bilhões e meio de habitantes; enquanto, hoje, tem sete bilhões. Mas, principalmente,
de que milhares de coisas inventadas nos últimos 60 anos se tornaram rotineiras,
transformando, radicalmente, nossas vidas e tornando exóticas as figuras de monarcas.
A rainha assimilou tudo isso com notável habilidade, dissimulando, a cada
passo, o anacronismo da monarquia. Afinal, quem precisa de rei quando pode
consultar o Google? Ou ser “amigo” (virtual, mas, que importa?) dos famosos?
De
qualquer modo, a relação parcial dos processos, objetos e tecnologias hoje importantes, que não existiam em 1952, impressiona. Naquele ano, o mundo não conhecia a ultrassonografia
médica (inventada em 1953); o rádio transistor (1954); o disco rígido de
computador (1955); o relógio digital; a fibra ótica e o gravador de videocassete
(1956); o satélite artificial (1957); o circuito integrado e o satélite de
comunicações (1958); o raio laser (1960); o disco de leitura ótica (1961); o mouse
de computador (1963); o e-mail, a tela de cristal líquido, o microprocessador, a
calculadora de bolso, a imagem de ressonância magnética e o disco flexível (1971);
a tomografia computadorizada (1972); os organismos geneticamente modificados e o
computador pessoal (1973); a câmera digital (1975); o telefone celular (1977); a
internet (1983); o fingerprint do DNA
(1985); o processador de luz digital (1987); a World Wide Web (1990); o Sistema
Global de Posicionamento (1993), o DVD e o wi-fi (1997); o Viagra (1998); o coração
artificial (2001).
Sem
contar os I-Pods, I-Phones, I-Pads e outras bugigangas do Steve Jobs. Nem o
Facebook (proibido na China), que ajudou a derrubar mais de um ditador árabe.
E
A MANDIOCA?
O
reconhecimento de tantas inovações não nos deveria fazer esquecer outras
verdades. O mundo se transformou, sim, mas não no mesmo ritmo em todos os
lugares. Para dar um exemplo próximo: há 400 anos, planta-se mandioca do mesmo
jeito, no Semiárido brasileiro. E milho, feijão...
Se,
ao invés da Inglaterra, Elizabeth reinasse em algumas partes do nosso Sertão, ia
reclamar da mesmice, não da mudança.
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