Leonardo Kuhn foi meu trisavô, pelo lado
Araújo Pedrosa. Ignoro quando ele nasceu, mas sei que, em 1855, ele, suíço de
fala alemã, já era adulto e devia residir no Recife desde algum tempo. Não fora
assim, seria difícil explicar o anúncio publicado no Diário de Pernambuco, em 17 de fevereiro daquele ano: "Tendo o
sócio gerente da Schapeitlin & Cia de fazer uma viagem, deixa durante sua
ausência como procuradores da mesma casa os Srs. Leonardo Kuhn e Carlos
Scholle”. Faço a hipótese de que Leonardo Kuhn nasceu em 1835, mais ou menos, porque
ele deveria ter, pelo menos, 20 anos de idade, quando foi nomeado procurador daquela
empresa.
O ano de sua morte também me é
desconhecido, mas posso estabelecer um intervalo de possibilidades. Heloísa Pedrosa
Resende (1916-2017), minha Tia Isa, em sua “Memória Histórica das Famílias
Cardoso e Pedrosa” (inédita), diz: “Creio que o Leonardo morreu no Engenho
Velho [Santa Rita, PB], em casa da filha, minha avó [Maria Margarida Kuhn
Pedrosa], pois a mamãe [Olga Cardoso Pedrosa] o conheceu lá”. Considerando que
o Engenho Velho tornou-se propriedade da família Pedrosa-Kuhn em 1900 e deixou de sê-lo em 1925, Leonardo deve ter falecido entre esses dois anos
extremos.
OLHOS
AZUIS, POÇOS DA ABISSÍNIA
Relembrando as informações de sua mãe, Tia Isa descreve Leonardo como um homem “bonito, claro, olhos azuis,
cabelos louros”. Casou-se com Maria Margarida Gertner Kuhn, filha de alemães,
(falecida em 1893). Tiveram dois filhos: Maria Margarida Kuhn (1864-1947) e Cornélio
Otto Kuhn (1872-1947). A primeira (nome de casada Maria Margarida Kuhn Pedrosa)
viria a ser minha bisavó, como esposa de Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa (1853-1906,
o primeiro dos três com esse mesmo nome).
Mas o que fazia Leonardo Kuhn no Recife?
O que o trouxera de tão longe? Provavelmente, o movimento internacional de
capitais. Na primeira metade do século XIX, com o Brasil independente de Portugal,
a imigração de estrangeiros se tornara mais fácil. Eles vinham, entre outras
coisas, para implantar, administrar, ou ocupar cargos técnicos operacionais nas
empresas pertencentes a seus compatriotas (principalmente, ingleses). Também se
arriscavam no comércio e, em casos mais raros, na indústria e agricultura.
É verdade que, em Pernambuco, essa entrada de capitais e gente vindos de outros países foi
dificultada pela sucessão de revoltas e distúrbios políticos (Revolução, 1817;
Confederação do Equador, 1824, Novembrada, 1831; Abrilada, 1832; Cabanada, 1832-35;
Revolução Praieira, 1848). Mas não impedida. Basta lembrar
que o Cemitério dos Ingleses, no Recife, (que também servia a outros
estrangeiros e brasileiros não-católicos) é de 1814. E continuou em plena
atividade ao longo do século XIX.
Mas, e no caso específico de Leonardo
Kuhn? Segundo Heloisa Pedrosa Resende, seu bisavô “tinha a profissão de guarda-livros,
hoje denominada técnico em contabilidade. Trabalhava com o conde Pereira
Carneiro, na Companhia de Comércio e Navegação, que pertencia ao conde.” Provavelmente,
o fato de falar alemão tinha a ver com esse emprego. Leonardo, entretanto, não
vivia somente disso, ou, então, não permaneceu todo o tempo ligado àquela empresa.
Meteu-se no comércio, na agricultura, na indústria e na prestação de serviços.
Assim é que eu o descubro informando
no Diário de Pernambuco (10/1/1872) ser “o primeiro introdutor dos poços tubulares da Abissínia em Pernambuco”.
Comerciante, portanto. Mas, não só. Um “Aviso” no mesmo jornal (9/1/1874)
diz: “Tendo falecido os proprietários da farmácia estabelecida na rua Barão da
Vitória, n. 25, (...) o Sr. Leonardo Kuhn fica encarregado das cobranças. Roga-se
aos devedores da dita farmácia queiram quanto antes saldar seus débitos”. Prestação
de serviços.
CHOCOLATES,
VINHOS, CAFÉ E CACAU
Foi também industrial. Em 1880, registrou
uma marca de chocolates na Junta Comercial; em 1881, sua fábrica de chocolates é
referida no Almanak de Pernambuco (a
indústria ficava na Estrada do Arraial, atual bairro de Casa Amarela, próximo de
onde residiram meus pais, por quase 50 anos, e de onde eu próprio moro, hoje);
em 1882, o chocolate Kuhn ganhou uma medalha de prata na Exposição
Brasileira-Alemã. Além disso, ele fazia vinhos e, de modo
surpreendente, para mim, seus vinhos pernambucanos foram premiados com uma medalha
de bronze na Exposição Universal de Paris, em 1889. Tudo isso está documentado em
sucessivas edições do Diário de
Pernambuco.
Em seu relato, Heloisa Pedrosa Resende
informa que quem sabia fazer os chocolates era a mulher de Leonardo, Maria Margarida. O marido apenas transformou a atividade em empreendimento
comercial. Deu seu nome ao produto, certamente, por acreditar ser essa a melhor
maneira de vendê-lo. Tia Isa também se refere ao fato de que sua mãe, Olga, viu
esses prêmios (mais de um?) ganhos pelos chocolates Kuhn na casa do Engenho
Velho. Os vinhos, entretanto, não foram registrados pelas memórias de Tia Isa.
Finalmente, em seu sítio da Estrada do
Arraial, Leonardo Kuhn também exercia atividades agrícolas. Em 1882, ele
anunciou no Diário de Pernambuco: “vendem-se
pés de cacaueiro de quatro a cinco pés de altura” ("Há um Século", 15/3/1982);
em 3/5/1892, apareceu o informe “Cavalo furtado: furtaram da propriedade do
Sr. Leonardo Kuhn, no Arraial, um cavalo de tamanho regular, carnudo, foveiro
(sic), inteiro, com três pés calçados de branco...”; em 6/5/1896, ele tem “50.000
pés de café, bons para transplantação, [para vender] no seu sítio do Arraial,
próximo à estação da linha do Limoeiro”.
Pelas aparências, meu trisavô não era
pobre. Além de possuir uma casa, no Poço da Panela (como logo veremos) e um sítio
na Estrada do Arraial, ainda podia se dar ao luxo de fazer viagens
internacionais. Documentei, apenas, uma viagem dele à Europa (ida: Diário de Pernambuco,
10/9/1873; volta: Diário de Pernambuco, 9/1/1874), mas essa pode não ter sido a única. Viajar,
certamente, não era barato, à época.
POÇO
DA PANELA
Leonardo Kuhn parece ter morado durante
grande parte da vida no Poço da Panela, um bairro bucólico do Recife, à beira
do Rio Capibaribe, próximo a Casa Forte, que ainda hoje conserva muitas de suas
antigas mansões, sendo um ponto de atração turística na capital pernambucana. Um
artigo publicado pela Revista de
Urbanismo da Universidade do Chile (n. 9, 2004) traz a seguinte informação.
No século XIX, localidades como o Poço
da Panela, “inicialmente povoações sazonais para passatempos de férias,
veraneios e terapias médicas, vão se tornando moradias definitivas. Chegam os ingleses
e germânicos, funcionários das companhias de serviços públicos (saneamento,
transportes coletivos, abastecimento d’água, etc.), que preferem residir neste
trecho da cidade, em meio à natureza e belíssima paisagem, de hábitos rurais,
com transporte fácil para o centro; a viver nos sobrados magros e fétidos do
centro.”
Sim, os recifenses de posse, à época, moravam no
centro da cidade. Bairros como o Poço da Panela, a Várzea, Ponte d’Uchoa, todos
situados ao longo do rio, tinham ocupação ocasional. Suas casas, de frentes voltadas
para a água, serviam para fins de semana e férias dos ricos. Foram os
estrangeiros, aparentemente, (entre os quais Leonardo Kuhn) que inauguraram a
moda de residir ali, com o que foram, paulatinamente, mudando os hábitos dos habitantes
mais antigos da cidade.
No Poço da Panela nasceram os filhos de Leonardo, Cornélio Otto (1872-1947) e Maria Margarida (1864-1947). Ali
também nasceu e foi batizado, como escreve Heloisa Pedrosa Resende e me dizia
minha mãe Stella Pedrosa, o pai das duas, Manoel
Sebastião, e o tio delas Antônio Leonardo. Como acontece com todos nós, esses
descendentes iriam, de certa forma, prolongar a existência de Leonardo Kuhn, suíço
de olhos azuis e pele clara, por muitos anos à frente.
olá,
ResponderExcluirMeu nome é Guilherme Otto Kuhn. Sou neto de Cornelio Otto Kuhn e portanto Leonardo é meu bisavo.
meu e-mail é : ig@igig.com.br
Tenho muita coisa escrita da historia Kuhn, caso voce queira saber pode me contactar
fortissimo abraço.
Respondi via e-mail. Espero que lhe tenha chegado.
ExcluirRecebi o texto. Dei uma olhada. Muito bom.
ExcluirMandei para voce um texto de minha irmã Judith kuhn.
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