Gustavo Maia
Gomes
Na segunda
metade do século 19, a “carestia” de alimentos se abateu sobre Belém do Pará, infelicitando,
sobretudo, os mais pobres. Um sinal de alerta soou entre os governantes.
Depois da terrível Cabanagem (1835-40), quando a turba revoltada derrubou o presidente
da província, tomou o poder por um ano e matou milhares de pessoas, muitas
delas ricas, ninguém queria cultivar insatisfações semelhantes.
O que fazer? Os
relatórios presidenciais à Assembleia Provincial monotonamente expõem o problema, tentam entender suas
origens e elaboram repetidas, porém sempre malogradas, tentativas de
solucioná-lo. No mercado do
Ver-o-Peso, em Belém, carne e peixes, os alimentos básicos, eram sempre caros e escassos. Em 1888, o ano sobre que me
interessa falar, o problema já vinha se arrastando há décadas.
De carne verde,
Belém era abastecida pelo Marajó. (Também vinha alguma charque do Sul brasileiro.) Transportar as reses da ilha até o continente
custava tempo e dinheiro e, uma vez em terra, o gado tinha de ser abatido imediatamente,
magro como chegava. Faltavam à cidade as condições mínimas de receber os
rebanhos e permitir que eles descansassem por uns dias, recuperando o desgaste
da viagem. Por isso, a carne vendida era pouca, cara e ruim.
O peixe também
tinha oferta escassa. Surpreende um tanto, mas desconfio que isso se devesse à mania de tabelar preços sem levar em conta que a demanda do produto crescia com o afluxo de
gente à cidade. Sujeitando os pescadores a condições insatisfatórias de
remuneração, o governo inibia a oferta do pescado o que, por sua vez, gerava
irresistíveis pressões altistas de preços, a despeito das tentativas policiais
de contê-los.
Em 1888, Francisco
José Cardoso Júnior, primeiro vice-presidente da província, fez publicar a tabela de
preços que deveria prevalecer na feira livre do Ver-o-Peso, em Belém. A medida nada resolveu, claro, (a culpa é sempre de algum Cardoso), mas, por meio dela,
ficamos sabendo os peixes que os paraenses comiam no final do século 19, assim
como sua classificação por “qualidade" e respectivos preços oficiais.
Na tabela
abaixo, reproduzo as informações. Para mim, a maior surpresa foi saber que, em fins do século 19, o maravilhoso Filhote era considerado de “segunda qualidade”. Os preços são, provavelmente, em "réis por quilo", embora
a Fala de Cardoso não o esclareça. (O sistema métrico já havia sido
introduzido no Brasil desde 1872, mas isso não quer dizer que fosse sempre adotado. No Nordeste, ele foi, inicialmente, recebido com um grande buruçu: a Revolta do Quebra-Quilos.)
Fonte: Relatório do Vice-Presidente da Província do Pará, 1888 |
Ou seja: em
1888, com 1% do que recebia na frente de trabalho, o retirante da seca podia
comprar um quilo do melhor peixe. A Pescada, por exemplo, custava 400 réis o quilo. Era caro? Talvez sim, talvez não.
Considerando que um quilo de Pescada Amarela custa, hoje, R$ 37 na Casa do
Marisco (Belém) e que o salário mínimo atual é de R$ 788, deduz-se que o trabalhador
de baixa qualificação terá de gastar quase 5% de sua remuneração mensal para
comprar um quilo de peixe de primeira qualidade na capital paraense, em 2015.
Felizmente, para seus apreciadores, nesses 127
anos transcorridos desde 1888, o Filhote ganhou status -- e preço. (R$ 42/kg, na mesma loja já referida acima; talvez, um pouco menos, no popular
mercado do Ver-o-Peso. Mesmo assim, uma fortuna.) Um trabalhador de salário mínimo
que resolvesse consumir diariamente um quilograma de Filhote -- mesmo se não gastasse em mais nada -- veria o seu salário terminar quando ainda faltassem dez dias para o próximo pagamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário