quarta-feira, 3 de outubro de 2018

FORTUNAS MUTANTES E OUTRAS HISTÓRIAS DE BELÉM

FORTUNAS MUTANTES
Gustavo Maia Gomes
(20/8/2018)
Nos últimos dois dias, guiado por Lourdes Barbosa, tenho andado na Avenida Nazaré e seus arredores. Bairro de ricos, desde há mais de cem anos. Bonito. Arborizado. Cheio de mangueiras plantadas, quem sabe, por Antônio Lemos (1843-1913), o mais famoso dos intendentes de Belém do Pará.
Muitas casas suntuosas ainda se mantém de pé, em bom estado de conservação. Tipicamente, foram alugadas por órgãos públicos e é isso o que lhes têm permitido sobreviver. Outras, entretanto, viraram esqueletos em risco de desabar. Onde residiam famílias ricas, hoje há morcegos e abandono.
Fortunas mutantes.

TARZAN NA ILHA
Gustavo Maia Gomes
(20/8/2018)
No sábado, Lourdes, seu irmão Francisco, e eu atravessamos o pequeno rio que separa Belém do Combu e fomos almoçar ali. Da comida, nāo falo agora, pois não me impressionou especialmente, mas da travessia e do ambiente onde se instalou o restaurante, sim. Belos, ambos.
Trouxeram-me à lembrança sonhos antigos de viver como Tarzan, o Rei dos Macacos, que, não obstante morar nas árvores com a chimpanzé Chita, trabalhava em Hollywood. Um dia, alguém achou que aquele celibato amacacado não pegava bem e arranjaram a Jane para o Tarzan. (A mulher, vou te dizer, era de parar o trânsito leonino da África inteira.)
O lado triste dessa história se passou com Chita. Sentindo-se preterida, procurou um analista, que a manteve em tratamento durante vinte anos. Quando morreu, de velhice, estava melhorando. Nesse meio tempo, nas minhas fantasias sexuais, substituí Jane por Brigitte Bardot e arquivei os sonhos de morar trepado nas árvores. Até ontem, quando senti as velhas lembranças de novo me assaltarem.
Fui salvo por um bolinho de maniçoba, oferecido por Lourdes Barbosa, que me trouxe de volta à realidade.

CASA DA LINGUAGEM
Gustavo Maia Gomes
(Belém, 20/8/2018)
Descobrimos hoje, Lourdes Barbosa e eu, em nossas andanças, a Casa da Linguagem. Fica na esquina da Avenida Nazaré com a Praça da República. É uma instituição pública onde há biblioteca, livraria, estúdios para aulas de música e coisas tais.
Funciona no belo prédio construído em 1870 para servir de residência ao coronel Francisco Bolonha e sua família. Em 1918, no mesmo endereço, passou a funcionar o Grupo Escolar Floriano Peixoto, que ainda ocupa parte das instalações.
Em 1991, quando Hélio Gueiros era o governador, a edifício foi restaurado para abrigar a Casa da Linguagem. A boa notícia é que, ainda hoje, ele se encontra em perfeito estado de conservação. Isso nos deixou satisfeitos, a Lourdes e a mim.

ERA UMA VEZ A PARIS DA AMÉRICA
Gustavo Maia Gomes
(Belém, 20/8/2018)
Em 1909, o português Francisco de Castro inaugurou sua casa comercial "Paris n'América", na Rua Santo Antônio, centro de Belém. Trouxe da Europa inspiração, projeto arquitetônico e materiais. Tudo do bom e do melhor.
A loja deveria se tornar um ponto de encontro da elite local, como as Galerias Lafayette, da capital francesa. A decoração art noveau incluía uma escada de que Belém poderia se orgulhar, até mesmo, diante de visitantes europeus.
Lamentavelmente, em 1912, a fantástica prosperidade fundada na borracha foi interrompida por uma crise profunda, da qual a região e a cidade jamais se recuperariam. E, aos poucos, a Paris n'América foi afundando.
Cento e dez anos passados, a loja agora se chama Tecidolândia. (Alguma coisa muito errada aconteceu a um lugar que de Paris n'América passou a Tecidolândia.) As ruas e calçadas em torno dela abrigam um número infinito de tendas com roupas penduradas. Um horror.
O desolador destino da Paris n'América é somente um símbolo de tudo que de urbanisticamente desastroso aconteceu na capital paraense, ao longo do século XX. O centro da cidade é, hoje, um inferno dantesco. Mas isso não aconteceu apenas devido ao desastre da borracha. Pior, talvez, foi o inacreditável crescimento da população pobre vivendo em Belém.
Poderia ter sido diferente? Talvez, sim. Se tivesse havido um mínimo de ordenamento urbano, a invasão dos espaços nas belas ruas centrais de Belém não teria acontecido com a mesma intensidade.
Todos se teriam beneficiado, inclusive os mais pobres. Mas isso é chorar sobre o leite derramado. A desgraça foi feita. Corrigi-la, tomará muito tempo. Isso, na hipótese de que, um dia, as coisas deixem de piorar.

AINDA SOBRE DECADÊNCIA URBANA
Gustavo Maia Gomes
(Belém, 21/8/2018)
Publiquei, ontem, texto e fotos da Santo Antônio, até meados do século XX, uma elegante rua em Belém. E da outrora sofisticada loja Paris n’América. Não são mais o que foram: o estado atual de ambas é de impressionante degradação.
Belém não está sozinha, no Brasil, a esse respeito. O Recife, Salvador, São Paulo e o Rio apresentam quadros parecidos. Mas, calma, a podridão não é o destino inevitável das grandes cidades. Mesmo sem falar na Europa ou nos Estados Unidos, onde problemas houve — mas foram mitigados, por exemplos, em Londres ou Nova York —, há que referir a cidades como Montevidéu e Buenos Aires. Em nenhuma das duas encontrei centros tão destruídos como os nossos.
A Rua Santo Antônio, em Belém, com a Paris n’América, poderia ser comparada à Calle Florida de Buenos Aires, com o Florida Gardens, um café. Vejam como eram as duas ruas, na primeira década do século XX (fotos em preto e branco) e como ficaram elas, cem anos depois (fotos coloridas). A Florida ainda é uma calle alegre, bonita, limpa, urbana; a Santo Antônio transformou-se em pesadelo.
E olhe que os argentinos também tiveram um monte de governos ruins, péssimos, desastrosos...

QUATRO LIVROS E UM CARTÃO (DE CRÉDITO)
Gustavo Maia Gomes
(Belém, 22/8/2018)
"Viajar é comprar livros", disse Washington Luís. (Se não o fez, deveria.). "Uma biblioteca se faz com livros e dívidas", afirmou Monteiro Lobato. (Engano-me de novo, não importa.) Por isso, comprei, em Belém, na base do “levo hoje, pago amanhã”, quatro livros escritos por autores da região Norte. Sem tê-los, ainda, lido, dois me deram impressão inicial, especialmente, boa.
São eles: "Ficções do Ciclo da Borracha", de Lucilene Gomes Lima, e "1932: A Revolução Constitucionalista no Baixo Amazonas", de Walter Pinto de Oliveira. Também devem ser bons Emir Hermes Bemerguy, "Enquanto eu me Lembro", e Franciane Gama Lacerda e Maria de Nazaré Sarges, orgs., "Belém do Pará. História, Cultura e Cidade".
Tenho interesse na Amazônia há bastante tempo. Até já escrevi um longo texto sobre a região, em co-autoria com Jose Raimundo Vergolino. Foi publicado, em edições separadas, pelo Ipea e pela Sudam. Isso, há uns 20 anos. Meu próximo livro, depois de "Uma Noite em Anhumas", que ora redijo, será escrito a quatro mãos com Lourdes Barbosa e versará, principalmente, sobre a saga da borracha no Pará.
É bom saber que os cursos de pós-graduação em História oferecidos pelas universidades federais, sobretudo, no Amazonas e no Pará, estão começando a render seus frutos. Três dos quatro livros que comprei nos últimos dias foram escritos por alunos formados nesses cursos, ou por seus professores. A única exceção é "Enquanto eu me lembro".

ASSIM É A SÉ
Texto editado por Gustavo Maia Gomes
22/8/2018
A Igreja da Sé, ou de Nossa Senhora da Graça do Pará, teve sua construção iniciada em 1749. Seis anos depois, o terceiro bispo do Pará, D. Frei Miguel de Bulhões, “benzeu” a catedral, edificada desde a porta da rua até o arco da capela mor.
O “benzeu” daí de cima está entre aspas no original, um texto tirado do site da igreja. Não vão dizer que fiz ironia. Seguem-se várias parágrafos incompreensíveis, até que encontro referências a dois nomes conhecidos.
Antonio Giuseppe Landi, arquiteto italiano que deixou muitas obras em Belém, “ainda chegou a decorar o Santíssimo [altar?] na futura igreja da Sé, mas a construção foi interrompida entre 1761 a 1766, por falta de verbas. Em 1766, Landi voltou à igreja e (...) os trabalhos recomeçaram”.
Prossegue o texto: “Em meados de 1867, tem inicio o aformoseamento da Catedral, por vontade de D. Antonio Macedo Costa, 10º. Bispo do Pará: nessa ocasião sua decoração interior foi muito alterada”.
Dom Macedo Costa eu também conheço. Ele foi, junto com Dom Vital, arcebispo de Olinda, personagem central da chamada Questão Religiosa, de 1872-75, uma disputa entre a Igreja Católica e o Império brasileiro em torno da Maçonaria. Os dois religiosos chegaram a ser presos.
A cerimônia de Sagração da nova Catedral, continua o informe, ”no dia 1º de maio de 1892, foi assistida pelos bispos do Maranhão e do Ceará, além de D. Jerônimo Tomé da Silva, sucessor de D. Macedo Costa”.
Finalmente, fiquei sabendo que “o altar principal da Catedral de Belém é, hoje, todo de mármore e alabastro [tendo sido] confeccionado em Roma pelo escultor Luca Carimini. Sua santidade o Papa Pio IX doou o mármore necessário à confecção do altar”.
Embora o site da catedral não afirme isso, ouvi numa matéria da TV Liberal que essa igreja foi a maior que os portugueses construíram fora da Europa. Ela é, além disso, muito bonita.
Benzeu, Lourdes Barbosa?

TORDESILHAS EM BELÉM
Gustavo Maia Gomes
(24/8/2018)
Lourdes Barbosa, seu irmão Carlos, e eu fomos visitar o Instituto Histórico e Geográfico do Pará, na Cidade Velha de Belém, e lá fizemos uma descoberta notável: a do marco relativo ao Tratado de Tordesilhas. Fica na praça Pedro II, em frente ao Instituto.
Soube o que era aquilo -- nada além de uma pedra semi-enterrada -- por Carlos, e jamais teria desconfiado, de outra maneira, pois o marco sofre de um anonimato atroz: não tem nome, nem qualquer indicação de porque lhe puseram ali.
Deveria ter, pois trata-se de algo importante. Afinal, se o tratado tivesse sido obedecido e, mesmo assim, Belém existisse, durante algum tempo, pelo menos, ela teria sido uma cidade cortada em duas metades, uma espanhola e a outra portuguesa. No pior pesadelo, hoje, a Venezuela terminaria no Mercado Ver-o-Peso, lugar simbólico de Belém.
Imaginem as pessoas serem obrigadas a ouvir os discursos de Maduro sem ter como comprar o indispensável papel higiênico.
(PS. O Tratado de Tordesilhas, de 1494, dividiu o Novo Mundo entre Portugal e Espanha. A identificação do monumento como sendo um marco desse tratado foi feita pelo pesquisador Aurelino Santos Jr. Aparentemente, ele contou com o respaldo de outros historiadores, mas é possível que ainda exista alguma incerteza quanto a isso.)

ÚLTIMO BALUARTE?
Gustavo Maia Gomes
(25/8/2018)
Lourdes Barbosa e eu visitamos a Basílica de Nazaré, em Belém, no dia 17/8. Grande, bonita e muito frequentada por fieis. Uns se benzendo, resmungando orações; outros, tocando as imagens; todos, pedindo milagres.
Os paraenses vão às ruas, anualmente, em outubro, no que talvez seja a maior concentração humana numa cerimônia religiosa em todo o mundo: a procissão do Círio de Nazaré. A Basílica é o ponto terminal do acontecimento.
Já observei a passagem do Círio, anos atrás. Por um lado, é impressionante; por outro, pareceu-me que as multidões são sempre iguais. De qualquer forma, o Círio, a festa de Aparecida, em São Paulo, e as romarias ao Juazeiro do Padre Cícero, no Ceará, talvez sejam os últimos baluartes do Catolicismo de massas no Brasil.
Podem não durar para sempre, pois a competição é grande. No mercado de grandes concentrações temporárias de pessoas, não são apenas as igrejas evangélicas empresariais que estão ameaçando o antigo monopólio católico. Há concorrentes, até recentemente, inimagináveis.
Por exemplo, ainda se juntássemos num só lugar o Círio, as romarias a Aparecida do Norte e as do Padre Cícero, ainda teríamos menos gente que na Parada Gay de São Paulo. Nada contra, nem a favor. Faço, apenas o registro. Não deixa de ser um sinal dos tempos.

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