Gustavo Maia Gomes
Muitos anos atrás, o comediante Ary Toledo apresentou-se no programa de TV “Fino da Bossa”, de Elis Regina e Jair Rodrigues. Quase completamente desconhecido até aquele momento, pegou o violão e começou assim:
Eu um dia cansado que estava da fome que eu tinha
Eu não tinha nada, que fome que eu tinha
Que seca danada no meu Ceará
Eu não tinha nada, que fome que eu tinha
Que seca danada no meu Ceará
O cara -- refugiado no Rio de Janeiro -- fazia de tudo e não conseguia comer direito. Num dado momento, Toledo declamou: “Tem uma senhora bondosa lá no Leblon que gosta muito de ver eu comer é caco de vidro. Já juntei uns quinhentos mil reis".
E completava: “Isso é que é bondade da boa”.
Elis Regina teve um acesso de riso.
Lembrei-me do episódio depois de ler reações a um pensamento do jornalista João Roberto Guzzo que reproduzi aqui: “Não existe ‘agrotóxico’ nem ‘veneno na comida’. Existem fertilizantes, inseticidas para combater pragas e produtos para melhorar a qualidade da agricultura. São usados no mundo inteiro. No Brasil, são armas da ‘esquerda’ para tentar sabotar o sucesso do capitalismo no campo”.
Houve comentários favoráveis, mas também os houve indignados. Talvez eu possa deduzir dessas últimas reações que os autores delas são favoráveis à agricultura orgânica, com suas cenouras mirradas, alfaces inexpressivos e tomates descoloridos. Por isso, resolvi ler um pouco da literatura científica sobre o assunto. Encontrei o seguinte:
“As estimativas (...) de produtividade orgânica devem retornar aos fundamentos da BNF [Fixação Biológica de Nitrogêneo], [segundo as quais somente] cerca de metade da população mundial atual poderia ser alimentada organicamente”. (David J.Connor. “Organic agriculture and food security: A decade of unreason finally implodes”, Field Crops Research, August 2018.)
Ou seja, se a agricultura dos agrotóxicos e fertilizantes fosse substituída pela orgânica, como querem a esquerda e os amigos do meio ambiente, metade da população mundial morreria de fome.
Isso é que é bondade da boa.
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