quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MORTE NO NORTE

Gustavo Maia Gomes
O compositor Antônio Carlos Gomes (1836-96) fez a maior parte da carreira na Itália. Sua obra mais conhecida, “O Guarani”, estreou em 1870 no Teatro Scala de Milão. Foi um sucesso de público e de crítica.
Mas, se as composições de Carlos Gomes ainda hoje são lembradas, o dinheiro que ele ganhou desapareceu rapidamente. No final da vida estava pobre. Com o prestígio artístico em declínio na Europa, decidiu vir para Belém.
Por que Belém? É que suas óperas, encenadas no Teatro da Paz, tinham despertado entusiasmo. Então, em 1895, o governador Lauro Sodré o convidou a vir morar na cidade.
Em pleno auge da borracha, o Pará era um dos estados mais ricos do Brasil. Seu governo podia pagar bem ao maestro. Mas, Carlos Gomes tinha os dias contados e ninguém desconfiava disso. Ele aceitou o convite.
A viagem, num primeiro momento, pareceu que jamais se realizaria: “Não vem mais ao Pará o glorioso autor da Fosca. Uma afecção da língua impediu-o de embarcar em Lisboa, onde deve operar-se” (Folha do Norte, 21/4/1896).
Descobriu-se o pior. “Dizem de Lisboa que os médicos diagnosticaram a existência de uma epitelioma na língua do insigne maestro. Esperam, no entanto, que ele partirá para o Pará logo que faça a operação e sinta melhoras” (23/4).
Que melhoras? O exame seguinte revelou que ele contraíra "um câncer dos fumantes” (28/4). “Os médicos acham inconveniente a partida do maestro, antes de efetuada a cura” (26/4). Ele, entretanto, insistia em vir.
Por desespero e carência de recursos, talvez. Pois as circunstâncias continuavam ruins. “De Lisboa noticiam que Carlos Gomes [foi] sujeito a novo exame. O diagnóstico de um cancro na língua prevê agravação de sofrimentos. Não obstante, o maestro persiste na deliberação que tomou de partir amanhã para o Pará. Se o fizer, fá-lo-á sem a responsabilidade dos médicos assistentes” (4/5).
E ele veio: “O governador do Estado recebeu telegrama do cônsul brasileiro em Lisboa comunicando ter ali embarcado no [navio] Obidense o maestro Carlos Gomes" (5/5). Não que estivesse bem: “Passou por Funchal anteontem, ainda gravemente enfermo...” (FN, 8/5/1896).
Mais uma semana, estava em Belém: “Veio ontem no Obidense o eminente compositor brasileiro maestro Carlos Gomes. (...) Instalado na sua nova residência, o glorioso artista recebeu a visita do sr. Lauro Sodré [governador do Estado]” (15/5).
Quatro meses depois, estava morto.
(Publicado no Facebook, 1/2/2020)

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