Gado morto à beira da BR-232, próximo a Serra Talhada, PE. (Foto de Daniel Maia Gomes, 13/1/13) |
Números não mentem: no Semiárido nordestino, em 2012, foram
perdidos 80% da produção de feijão, 66% da produção de milho e 40% da de
mandioca. Repito: 80% da produção de feijão, 66% da produção de milho e 40% da de
mandioca foram perdidos, no ano passado, nos sertões e agrestes, devido à estiagem prolongada.
Não foi tudo: os rebanhos bovino,
caprino e ovino diminuíram 9%, 8% e 6%, nesta ordem. A produção de leite caiu
17%. (Todas as comparações são entre o valor medido em 2012 e a média dos
valores da mesma variável nos três anos anteriores.) Mais uma vez, a seca
devasta a pequena produção agrícola não irrigada e a pecuária nos sertões e
agrestes nordestinos. Devasta, sim, pois ainda não acabou.
Somente agora, com a divulgação pelo
IBGE, (em 25/10/13), dos resultados da “Produção Agrícola Municipal” e da “Pesquisa
Pecuária Municipal” relativas a 2012, foi possível fazer esses cálculos. Mas, como
a estiagem se prolongou por 2013, e ainda não se sabe se não continuará no
próximo ano, os números relatados são apenas uma parte dos prejuízos que a seca
tem trazido. Praticamente, todas essas perdas – que abalam a vida de uma
parcela grande da população sertaneja – são absorvidas pelos próprios
agricultores e pecuaristas pobres e por suas famílias. O governo socorre com um caminhão-pipa
aqui, uma bolsa estiagem ali, uma bolsa família em todos os lugares. Mas isso é um pequeno alívio, insuficiente,
vexaminoso. Enquanto isso, a tragédia segue seu curso, matando o que ainda encontra
pela frente.
CASOS CRÍTICOS
Houve, por trás das médias, casos, especialmente, dramáticos. A produção de feijão foi reduzida a
zero em 326 municípios que, normalmente, são produtores do grão. Em 422
municípios que, em anos de chuvas, produzem milho, não se colheu sequer uma
espiga. O mesmo aconteceu – ou seja, produção nenhuma, nada, zero – em 162 municípios
que, normalmente, produzem mandioca.
Mais casos críticos.
Os agricultores de Senador Elói, Rio
Grande do Norte, produziram 224 toneladas de feijão, em 2011, e apenas uma
tonelada, em 2012. Em Ibiara, Paraíba, as perdas foram ainda maiores: as 283
toneladas de feijão produzidas em 2011 se transformaram em apenas uma, em 2012.
Em Mata Grande, Alagoas, a produção de feijão havia sido de 649 t, em 2011;
reduziu-se a 4 t, no ano seguinte. Condeúba, Bahia, produziu 1.680 t de feijão,
em 2011; não mais do que 7 t, em 2012. Monsenhor Tabosa, Ceará, viu sua
produção de 2.792 t, em 2011, se reduzir a 12 t, em 2012.
Na cultura da mandioca, houve muitas situações do mesmo tipo. Belém do São Francisco produziu 360 t, em 2011; uma
tonelada, em 2012. Cipó, Bahia: 1.080 t, no ano de boas chuvas (2011); 20 t, no
ano de seca. Em Bento Fernandes, Rio Grande do Norte, a produção despencou de
5.880 t para 50 t. Em Ielmo Marinho, também no Rio Grande do Norte, as 6.000 t
de 2011 viraram 200 t de 2012.
Quanto ao milho, os agricultores de
Pesqueira (PE) haviam produzido 1.500 t, em 2011; produziram apenas uma
tonelada, em 2012. Ibicuitinga, Ceará, viu sua produção desaparecer: 2.736 t
para 6 t. Os agricultores de Monsenhor Tabosa (CE) viveram a mesma tragédia: o
município que produzira 8.831 t de milho, em 2011, colheu meras 21 t, um ano
depois.
Na produção de leite, embora esta não
tenha sido reduzida a zero em nenhum município, alguns casos individuais merecem
registro. Entre muitos outros, os de Gurjão e São Domingos, na Paraíba, e Itaíba,
em Pernambuco. Gurjão, pequeno produtor, havia produzido 1.300 litros de leite em
2011. Em 2012, sua produção foi um quarto disso: 265 litros. São Domingos esteve
no mesmo caso: 1.375 litros, em 2011; 378 litros, um ano depois. Em Itaíba, município
maior produtor do Semiárido (tanto em 2011 quanto, apesar do desastre, também em
2012) a produção caiu de 102.283 litros para 59.625 litros.
VACAS POLÍTICAS
A variação dos rebanhos também foi,
em muitos casos, dramática. Em Pacoti, Ceará, havia 3.564 cabeças de boi, em
2011; apenas 836, em 2012; em Betânia, Pernambuco, 10.000 bois e vacas, no ano
de 2011, deram lugar a apenas 5.309, em 2012. Em Vertente do Lério, Pernambuco,
o rebanho caprino era de 1.500 cabeças, em 2011; passou a 461, no primeiro ano
da seca. No mesmo município, havia 1.700 carneiros e ovelhas, em 2011; um ano
depois, os pesquisadores do IBGE só encontraram 280. Uma parte desses animais
foi vendida a preços vis, ou sacrificada fora de hora. Outra parte, talvez,
maior, morreu de fome e sede.
A dizimação dos rebanhos provocou perdas
de capital que os pequenos pecuaristas levarão anos para recompor, se é que
conseguirão. Aqui, também, faltou governo. O gado morreu em pé, devagar, uma
vaca por vez. E não apareceu ninguém que evitasse isso. Impossível, não era. Para
usar um jargão que a turma hoje instalada em Brasília tanto gostava de usar
contra seus adversários: faltou “vontade política”.
E a seca, repita-se, ainda não
acabou.
Semiárido
nordestino, 2009-12
Efeitos
da seca de 2012 sobre a produção de feijão, mandioca, leite e sobre os efetivos de rebanhos bovino, caprino e ovino
Item
|
Unidade de medida
|
Média 2009-11
|
2012
|
Quebra % em relação à
média 2009-11
|
Observações
|
Feijão
|
Quantidade produzida em t
|
591.914
|
120.567
|
79,6
|
326 municípios normalmente produtores tiveram produção
zero em 2012
|
Milho
|
Quantidade
produzida em t
|
2.234.946
|
758.459
|
66,1
|
422
municípios normalmente produtores tiveram produção zero em 2012
|
Mandioca
|
Quantidade produzida em t
|
3.693.299
|
2.222.645
|
39,8
|
162 municípios normalmente produtores tiveram produção
zero em 2012
|
Efetivo do rebanho bovino
|
Cabeças
|
15.080.612
|
13.725.009
|
9,0
|
Rebanho
não zerou em nenhum município onde havia algum estoque nos anos anteriores à
seca
|
Efetivo do rebanho caprino
|
Cabeças
|
7.197.589
|
6.648.094
|
7,6
|
Rebanho não zerou em nenhum município onde havia algum
estoque nos anos anteriores à seca
|
Efetivo do rebanho ovino
|
Cabeças
|
8.618.095
|
8.119.970
|
5,8
|
Rebanho
não zerou em nenhum município onde havia algum estoque nos anos anteriores à
seca
|
Leite
|
Mil litros
|
15.080.612
|
13.725.009
|
17,3
|
Produção não zerou em nenhum município, mas houve casos de perdas acima de 75%
|
Fonte: IBGE, Produção Agrícola
Municipal e IBGE, Pesquisa Pecuária Municipal
Gustavo Maia Gomes
(6 nov 2013)
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