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O Rio Amazonas foi um dos navios da Ligure Brasiliana que fizeram viagens entre a Europa e Belém nos anos 1897 a 1903. (Imagem colhida no site Historia y Arqueología Marítima) |
Gustavo Maia Gomes
No
final do século 19, os governos estadual do Pará e municipal de Manaus decidiram subvencionar a
vinda de navios a vapor da Europa para Belém e para a capital amazonense. A empresa que topou o
negócio foi a Ligure Brasiliana, italiana de Gênova. Seus navios de passageiros
também traziam e levavam cargas. O que compravam de Portugal, França e Espanha –
até mesmo de Marrocos, na África – os paraenses? Comidas,
bebidas, material de construção, máquinas... Alhos e bugalhos.
Em
1901, apareceu o “Resumo dos gêneros vindos pelos vapores da Ligure Brasiliana
desde junho de 1897 a dezembro de 1900, contando-se trinta e quatro viagens durante este
período de tempo”. Apenso à Mensagem do Presidente do Pará Augusto Montenegro ao
Congresso do Estado (10/9/1901), é mais uma preciosa fonte de informações sobre
os hábitos de consumo dos habitantes de Belém naqueles anos. Uma época, ainda, de
prosperidade devida à borracha.
A
empresa Ligure Brasiliana foi fundada em 1897 com o
objetivo explícito de operar linhas de navios para a Amazônia e outras regiões
brasileiras. Também navegava no Rio da Prata. Seus navios (um deles denominado
Rio Amazonas) gastavam 17 dias no percurso de Gênova a Belém e mais oito para
alcançar Manaus. No Norte (mas não no restante do Brasil), ela teve a história encerrada em 1903. O Rio
Amazonas, porém, continuou a navegar até 1917, quando foi afundado pelos alemães. Era tempo de guerra.
No
“Resumo dos gêneros...” estão os nomes e quantidades desembarcadas dos gêneros trazidos,
especialmente, de Gênova, Lisboa, Porto, São Miguel (Açores, Portugal), Ilha da
Madeira (Portugal), Marselha (França), Barcelona (Espanha) e Tanger (Marrocos).
Não eram, apenas, alimentos e bebidas, embora estes predominem. Também aparecem
artigos de vestuário, objetos de uso pessoal (jornais, livros, cachimbos),
utensílios domésticos (fogões, móveis, rolhas, palitos), entre outros.
Alimentos
Os
belenenses importavam alho, amêndoas, arroz, azeite, azeitonas, banha, batatas,
biscoitos, carne, castanhas, cebolas, chocolate, chouriços, conservas, doces,
farinha de trigo, farinha láctea, feijão, frutas, grão de bico, legumes, leite,
maçãs, manteiga, massa de tomate, mortadela, nozes, óleo, peixe de moura, peixe
salgado, peras, pimenta, presunto, queijos, repolhos, sal, salame, sardinhas,
tâmaras, uvas e vinagre. Isso, na categoria de alimentos, claro.
Pelo
ângulo da diversificação de origens, destacam-se no “Resumo” a cebola e as
batatas, embarcadas em sete diferentes portos europeus; o azeite e o feijão, em
seis; as conservas, em quatro. Em quantidades, o mais popular é o feijão, com
26.098 caixas, mas também aparecem muito bem as batatas (5.132 caixas), a cebola
(2.622), as conservas (5.054), o azeite (1.394) e a manteiga (1.319). O alho
era trazido em canastras, espécie de cestas de couro. Foram 1.691 delas, nos
anos 1897-1900.
Bebidas
No
“Resumo”, aparecem as bebidas alcóolicas aguardente, bitter, champagne, chartreuse,
cidra, conhaque, fernet, licores, rum, uísque, vermute e vinho. Conhaques e
licores vinham de Gênova, Lisboa, Marselha, Barcelona e Tanger. Os vinhos
procediam do Porto, Gênova, Lisboa, Marselha, São Miguel, Ilha da Madeira,
Barcelona e Tanger. A aguardente tinha origem em Barcelona e em Tanger; o
vermute consumido em Belém era embarcado em Gênova, Marselha e Barcelona.
De
1897 a 1900, os belenenses compraram 18.672 caixas de vermute. De conhaque, 567
caixas; de licores, 384. Os vinhos eram acondicionados em caixas (8.488) e em
barris (12.765). Os chartreuses, vindos de Marselha, eram raros: dez caixas.
Nem tão raros, as 510 caixas de fernets vinham de Gênova; as cinco de champagne
embarcaram em Barcelona. Dentre as bebidas não-alcóolicas, há registro de 56
caixas de água mineral. Devia faltar água de beber em Belém, à época.
Bugalhos (nem
tanto)
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pianos e um órgão vieram de Gênova para Belém, trazidos pela Ligure Brasiliana naqueles
anos finais do século 19. Mais um piano foi trazido de Lisboa. O Porto mandou
quatro caixas de violões. Houve, também, oito caixas de instrumentos musicais
diversos, que o “Resumo” não discrimina. 460 peças classificadas como “Materiais
para a Estrada de Ferro de Bragança” embarcaram em Lisboa e chegaram a Belém. De
Marselha, vieram 67 “máquinas hidráulicas”.
Material
de construção era outro item das cargas: Lisboa enviava cantarias, cal,
cimento, ladrilhos, mármore, obras de ferro, pedras, pregos e vidraças. Gênova,
arames, cal, cimento, ferragens, ferro, gesso, mármores, telhas de zinco, tinta
e zinco (em folhas, suponho). Marselha fornecia cimento, mármore, chumbo,
telhas de zinco e tijolos. 60 mil tijolos e 150 mil telhas cruzaram o Atlântico;
2.200 “volumes” de mármore vieram para a capital paraense, embarcados em Gênova
e Lisboa.
De
Lisboa, chegaram 17 caixas de livros; de Marselha, 10. Os jornais portugueses,
ou vindos de Lisboa, ocuparam 20 fardos. Há grande variedade de utensílios
domésticos: louças, móveis, candeeiros, quadros, obras de madeira, rolhas,
fotografias, retratos, obras impressas, fonógrafos, palitos, fogões e camas. E
artigos de vestuário, como botões, calçados, camisas, chapéus, couros,
espartilhos, fazendas, tecidos, palha para chapéus e um genérico “roupas”
vindas de Lisboa, Gênova e Marselha.
Como
“roupas”? As “prêt-à-porter”, roupas que a gente compra já prontas para usar, são
bem posteriores a essa época. Será que as caixas de roupas estariam, na
verdade, trazendo de volta os vestidos e ternos que os belenenses de maiores
posses mandavam lavar na Europa – em Paris, sobretudo. Onde mais? –, como ainda
hoje eles dizem que faziam?
Fontes
Mensagem
do Presidente Augusto Montenegro ao Congresso do Estado do Pará, 10/9/1901
(Disponível em Center for Research Libraries, Brazilian Government Documents) http://www-apps.crl.edu/brazil
Site
Historia y Arqueología Marítima