quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Controle dos gastos federais (PEC 241): Reflexões necessárias

Gustavo Maia Gomes

A má fé e a falta de informações têm se combinado para produzir oposição de péssima qualidade (porém, estridente e causadora de transtornos) à Proposta de Emenda Constitucional 241, que estabelece um teto de gastos reais (ou seja, determina que os gastos sejam aumentados, apenas, pela inflação do ano anterior) dos poderes federais. A má fé é irrevogável; a falta de informações, talvez, não seja. Com essa limitada esperança, faço alguns esclarecimentos sobre o assunto, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

1. Serão, mesmo, vinte anos de congelamento? Não necessariamente. As novas regras de controle dos gastos públicos federais (que, se aprovadas, passarão a integrar a Constituição, em suas Disposições Transitórias) poderão ser alteradas por maioria simples, nas duas casas, dez anos após entrarem em vigor. Por Emenda Constitucional (maioria de dois terços), elas poderão ser modificadas em qualquer momento. Portanto, provavelmente, não durarão vinte anos.

2. Mas, então, por que colocar "vinte anos" no texto da Proposta? Porque, considerada isoladamente, a PEC 241 é insuficiente para resolver o desequilíbrio fiscal do governo federal. (Imagine, então, o desequilíbrio conjunto de todos os três níveis de governo!) Neste ano, 2016, as contas federais fecharão com um déficit primário (ou seja, sem adicionar o pagamento de juros) de R$170 bilhões. Se, nos anos vindouros, nada acontecer com a receita pública, congelar o gasto nominal corrigido pela inflação do ano anterior terá o único efeito de eternizar o rombo atual, que é insustentável. A PEC (se considerada isoladamente) faz a aposta ousada de que a disposição do governo de impor limites, por um longo período, ao aumento de seus gastos seja suficiente para que os agentes econômicos retomem a confiança na estabilidade e voltem a produzir, a dar empregos, a investir. Se isso acontecer, as receitas públicas crescerão até, eventualmente, fecharem o rombo atual. Mas, a única possibilidade dessa aposta dar certo é que ela sinalize, realmente, uma disposição radical de o governo evitar a reincidência, por um longo tempo, de surtos populistas como o que tivemos nos anos Lula-Dilma. Foi por isso, como sinalização de comprometimento efetivo, que os “vinte anos” foram julgados necessários.

3. “É absurdo impor cortes lineares no gasto público”. Claro, que é absurdo, mas, quem fará isso? Não, a PEC 241. Essa proíbe o aumento do total dos gastos federais. (Mesmo assim, excluindo do cálculo vários itens, como as transferências para Estados e Municípios.) Ali, não se fala em cortes, muito menos em cortes lineares. A despesa real total no ano (t+1) não poderá ser maior do que tiver sido no ano (t), mas qualquer item isolado dessas mesmas despesas poderá, sim, crescer, em termos reais, desde haja uma redução correspondente em outro (ou outros) item. O resultado dessas intenções de aumentar isso e reduzir aquilo, ao qual se agrega uma expectativa de quanto dinheiro teremos para gastar, constitui o que as pessoas chamam orçamento. Quem, de nós, ignora regras tais, quando planeja, racionalmente, suas despesas? Este ano, eu quero ir para a Europa, mas, como jamais acumulei fortuna, terei de reduzir minhas idas a restaurantes caros. Em 2017, diz o jovem recém-empregado, vou fazer uma poupança para meu casamento. Cálculos desse tipo são necessários porque dinheiro não nasce do chão, como mato. Nem o dinheiro privado, nem o público. Mas os governos, em regra, preferem garantir votos fingindo ignorar isso.

4. “Vão acabar com a saúde e a educação”. É a objeção mais vocalizada pelos que misturam desinformação com má fé. Sobre a má fé, sejamos francos: quem estava acabando com a saúde e a educação neste país eram aqueles que hoje se opõem à PEC 241. Foram os governos petistas que jogaram o Brasil na pior crise (queda de renda e destruição de empregos) que nossas estatísticas jamais registraram. Alguém acredita que a educação e a saúde de um país destruído possam ser "boas"? E sobre a desinformação: saúde e educação, ao contrário do que repetem os que incendeiam os pneus da ignorância, são os únicos itens de despesa que não poderão ser reduzidos (em relação aos níveis de 2016) nos anos de vigência da PEC 241. Ao contrário de todos os outros, eles têm piso, não teto. Podem aumentar, sim; não podem ser reduzidos. Aumentarão? Isso dependerá do Congresso que, a cada ano, tem a obrigação de fazer o Orçamento da União, emendando e remendando a proposta enviada pelo Executivo. Se aumentar gastos em educação e/ou saúde vier a ser considerado necessário ou desejável, deputados e senadores estarão livres para destinar mais recursos para esses setores, desde que identifiquem aqueles outros que terão menos dinheiro no próximo ano.

5. Necessária, mas não suficiente. Em palestra que pronunciei, recentemente, para um grupo de militantes do PSDB em Pernambuco, comecei dizendo: se vocês tivessem me dado somente dez segundos para falar sobre a PEC 241, eu diria que ela é necessária, mas não suficiente. Se mais alguns minutos eu tivesse, continuaria falando que, como política de reequilíbrio fiscal, diante do descalabro a que nos conduziram os governos petistas, nenhuma poderia ser mais suave que essa. (Outras medidas precisarão ser tomadas, para complementá-la.) De fato, a proposta em discussão embute, como vimos, uma aposta ousada de que as receitas públicas irão voltar a crescer, após a aprovação do novo regime fiscal. Irão, mesmo? Isso, sem ser impossível, não é certo. Pode se tornar muito improvável, se a oposição à PEC não for contrabalançada, diante da opinião pública, por argumentos sólidos em sua defesa. Pois, afinal, nenhum empresário há de querer investir e criar empregos em um país onde as pessoas são impedidas de ir para lá e para cá por gente – muita gente – que fecha as ruas, declarando guerra contra o inimigo errado.

2 comentários:

  1. Gustavo, o que você escreveu é, parodiando o nosso grande dramaturgo Nelson Rodrigues o "obvio ululante". Mas nem as verdades que saltam aos olhos de todos que possuem um grau mínimo de estudo e discernimento, são acessíveis a todos, pois o grau de desinformação e proposital mal informação proporcionada pelos esquerdopatas do PT et alii, tornam o raciocínio complicado, até para coisas triviais.

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  2. O óbvio ululante ulula, ulula, e não se faz ouvir.

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