Gustavo Maia Gomes
Convivi pouco com minha avó
paterna Josefa de Azevedo Bahia (Maia Gomes por casamento), que morreu em 1954.
Imagino que, a exemplo de tantas mulheres de sua época e classe social, Maninha,
como preferia ser chamada, também sabia cozinhar direito. Na Fazenda Monte
Verde (Branquinha, AL), seu lugar de referência, ela cultivava figos, araçás,
laranjas-da-terra. Dos frutos, fazia doces inesquecíveis. Quer dizer, no meu
tempo, a cozinheira era Lupicínia, auxiliar que aprendera as receitas,
possivelmente, passadas pela patroa.
Em Monte Verde, próximo à
casa-sede, também havia um pé de cajarana, de que Ivan, meu irmão, tem saudosas
lembranças. O fruto cajarana, por sinal, caiu em desuso, não apenas em Alagoas.
Ninguém mais se lembra dele. Virou uma espécie de máquina de escrever, ou telégrafo
ferroviário, ou aparelho de fax. As novas gerações nunca viram um troço desses,
assim como desconhecem o gosto das cajaranas. As da fazenda eram agradáveis ao
paladar, mas delas minha avó não fazia doces. Talvez por isso tenham
desaparecido tão completamente de nossas vidas.
Se de Maninha lembro pouco, da
outra avó, Olga Dias Cardoso, que ganhou o nome Pedrosa, as recordações culinárias abundam. (Sem trocadilhos, por favor.) Preparava um sururu de capote que era o máximo.
Sururu, o molusco, muitos conhecem. Capote, no caso, é a sua casca. O ensopado
levava coco e a maior parte dos bichinhos era depenicada (como se dizia);
apenas uns poucos iam para a mesa ainda habitando sua residência original. “Faziam
assim mais por razões estéticas”, recordou Ivan, quando objetei que comer sururu
no capote dava o maior trabalho.
Pitus (uma espécie de camarões
de água doce gigantes) e carapebas (peixes pequenos típicos de Alagoas) eram
comprados na porta da casa e cozinhados com maestria. Do porco, Olga e sua
filha Maria do Carmo (das quatro, me parece, a que mais gostava de cozinhar e
comer) sabiam aproveitar tudo: da cabeça faziam “queijos”; das partes mais nobres,
a linguiça; dos pés, um prato delicioso.
Além disso, na sua casa da Avenida Moreira e Silva, 322, no Farol, Maceió, mãe e filha estavam sempre preparando passas de bananas. Estas eram colocadas, já sem cascas, em uma bandeja e, diariamente, expostas ao sol. Ficavam prontas, se minha lembrança for acurada, em cerca de dez dias. Faziam, também, elaborados doces de mangaba em compotas e de cascas de limão arrumadas de tal jeito que, segundo Ivan (não tenho tal lembrança), ficavam parecendo limões inteiros, depois de prontas.
Além disso, na sua casa da Avenida Moreira e Silva, 322, no Farol, Maceió, mãe e filha estavam sempre preparando passas de bananas. Estas eram colocadas, já sem cascas, em uma bandeja e, diariamente, expostas ao sol. Ficavam prontas, se minha lembrança for acurada, em cerca de dez dias. Faziam, também, elaborados doces de mangaba em compotas e de cascas de limão arrumadas de tal jeito que, segundo Ivan (não tenho tal lembrança), ficavam parecendo limões inteiros, depois de prontas.
Lembrei-me dessas coisas ao
ler um dos capítulos do livro Maceió de
Outrora, de Félix Lima Júnior, publicado originalmente em ano próximo a
1959 e reeditado em 2014. O livro é tão bom que resolvi reproduzir abaixo, ipsis litteris, uma parte grande do seu
capítulo dedicado aos modos alimentares dos maceioenses no início do século
XX.
Comes
e bebes: Os costumes, a etiqueta e a moda
Félix Lima Júnior
(Extraído do livro Maceió de Outrora. Vol. I. Maceió,
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2014)
Nos primeiros anos deste
século [XX], pela manhã às 7 horas, punham na mesa café, pão torrado com manteiga do
sertão, dinamarquesa ou francesa, marca Lepelier ou Betei Frères; cuscuz de
milho, de mandioca, de arroz; beijus de goma; rosca Palácio ou bolachas
Simpatia. Pão de ouro, pão francês, roscas e bolachas adquiridas nas padarias
Maceioense, Freitas, Boa Vista, Leão Branco, fabricadas com farinha Gold Medal
ou Buda, vinda da América do Norte, em barricas.
Às 9 ½ horas serviam o almoço:
carnes de sol ou do sertão, com farofa, filé paulista, arroz ou pirão; carne de
porco assado com verduras; fritadas de siri, de sururu, de maçunin. Depois,
doce de coco-verde, de goiaba, de groselha, de laranja-da-terra em calda.
Às 3 da tarde, na mesa forrada
com alva toalha, estava posto o jantar: feijoada completa, com charque
argentino ou uruguaio, tipo especial, nunca mais vendido em Maceió; maxixe,
jerimum, quiabo, batata-doce, bananas compridas. Nas quartas e nas
sextas-feiras apareciam o bacalhau ensopado, esplêndido bacalhau norueguês
vindo em caixões, ou bolos de bacalhau, artigo mais barato, mais ordinário,
importado em barricas, da Terra Nova, cavala, carapeba, bagre do Pilar,
camorim, curimãs, “tainhas de meia banha”, como nos tempos coloniais, do olho
amarelo, que alcançavam preços mais altos. Para sobremesa, doce de leite, de
ovos, de jaca, de banana em rodelas, de araçá, e café, para terminar.
Para a ceia, às 6 ½ ou 7 horas
da noite, cobriam a mesa com macaxeira, fruta-pão, biscoitos Leal Santos,
requeijão, queijo do reino, vindo diretamente da Holanda, “tapioca de cavalo”,
as deliciosas tapiocas enroladas em folhas de bananeira, trazidas em caçuás, do
Riacho Doce, misturadas com beijus e grudes de goma. E bules de louça inglesa
com chá Lipton, mate ou café-café da Refinaria Brenand, do sr. Manoel de Araújo
Pinheiro, ali na Rua do Comércio, onde estão hoje [c. 1959] os escritórios e lojas
da Cia. Alagoana de Fiação e Tecidos.
Depois, foi alterado o horário
das refeições, creio que após os caixeiros (naquele tempo, eram caixeiros e não
comerciários, como presentemente) terem conseguido que o comércio cerrasse às 6
da tarde: café às 7 horas, almoço às 12, jantar às 6 da tarde, abolindo-se a
ceia.
Em algumas casas de famílias ricas ou remediadas serviam, às
3 ½ horas da tarde, um “lunch”, espécie de “five o’clock tea” britânico: Chá
Lipton, mate ou café, massa-pão, manuês, biscoitos ingleses ou Colombo, tapioca
de leite, bolo de rolo, fatias de pão torrado.
Nos meses de junho, julho e agosto, todos se fartavam de
canjica de milho verde, bolo de milho, pamonha, milho verde assado e cozido.
Isso era o trivial. Nos domingos e feriados, nos dias de
festa e de batizados, casamentos, noivados, aniversários, etc., apareciam guaimuns
cevados, bebendo-se antes cálice avantajado do afamado “whisky de Vandesmet”,
isto é, cachaça guardada pelo industrial francês durante alguns anos, em barris
de uísque, polvos arrancados das pedras da Pajuçara e siris-moles vermelhos
vindos do mesmo local; pitus magnifícos, saborosos, do Rio Mundaú; peru à
brasileira ou galinha assada; e um prato raro, apreciado pelos gourmets, galinha
d’Angola (“tou fraco, tou fraco”) ao molho pardo; buchada, mão de vaca, tatu,
veado ou pacas, assim como perdizes. Os vinhos franceses, portugueses,
italianos, espanhois eram apreciados. E quem dispunha de recursos servia-se de
chamapnha francesa Pommery ou Veuve Clicquot, ou de vinho do Porto “Século
Passado” ou “Dom Carlos”.
No Natal e no Ano Bom, era
obrigatório o peru assado à brasileira, com fatias de presunto, azeitonas,
farofa, figos e passas espanholas ou gregas. Uma vez ou outra melão “casca de
cavalo”, vindo de Portugal, via Recife. À noite, doce-de-coco, baba de moça,
bom-bocado, Mãe Benta, sequilhos, fatias douradas, puxa-puxa, broas de goma,
etc.
No Carnaval – somente durante
os festejos do Deus Momo – serviam filhós com mel, seguidos por copinhos de
licor de tangerina, de leite, de jenipapo, uísque, quinado, vinho do Porto,
Lacrima Christi. Apareciam os primeiros sifões, grande novidade. Na Semana
Santa, como “obrigação de Quaresma”, traziam pratos de bredo, vitaminosos,
gordurosos – uma delícia! – para uns, fazendo, porém, terrivelmente mal para
outros que tinham estômago fraco ou doente.
À sombra das gameleiras do
aterro de Jaraguá (atual Avenida Duque de Caxias) que seriam derrubadas em
1911, as baianas, as velhas negras da Costa, com suas saias rendadas, cabeções
brancos, bem engomados, vendiam vatapá e caruru.
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