Gustavo Maia Gomes
Minhas perguntas são: – O que foi feito
(ou será?), no mundo e no Brasil, depois de cada um dos onze acontecimentos de
importância magna ocorridos desde 1914 e listados no primeiro texto desta série?
– Que reações efetivas eles suscitaram na política, na economia, no pensamento
econômico, na ciência? As respostas que dou são sintéticas, incompletas. Espero
que não sejam, também, erradas.
Foto colhida no blog Viva a História, de Juarez Ribeiro |
Depressão Econômica dos Anos Trinta
John Maynard Keynes (1883-1946) tinha um
diagnóstico da profunda, duradoura e generalizada perda de renda, produção e
emprego que assolou o mundo ocidental nos primeiros anos 1930. Ele achava que a
crise fora deflagrada por uma queda na demanda total, ou seja, na disposição
dos agentes econômicos (consumidores, empresários, governo) de adquirir os bens
que haviam sido ou poderiam vir a ser produzidos.
O economista inglês vivia dizendo
isso, mas pouca gente lhe dava bola. A teoria econômica da época tinha
dificuldades de admitir (imaginem, explicar) a existência de quedas persistentes
do emprego, da produção e da renda nacionais. Era dogma de fé que o mecanismo
de preços (incluindo salários) corrigiria rapidamente qualquer distúrbio que
apontasse nessa direção.
A esse tipo de argumento, Keynes
respondeu com a Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro (1936). Podia,
sim, haver situações em que o mercado não corrigiria automaticamente as quedas
de demanda e, consequentemente, de produção e de emprego. Os consumidores não
iriam consumir mais porque suas compras eram proporcionais à própria renda, que
já havia sido reduzida. Os empresários não iriam investir mais porque o
investimento era uma função das expectativas sobre o estado futuro da economia
e, numa recessão duradoura, pouca gente acreditaria na existência de um mar de
rosas alguns meses à frente.
Isso dito, só restava um agente que
poderia compensar a queda na demanda: o setor público. Coerentemente, Keynes
recomendava que, em situações como a dos anos trinta, o governo gastasse mais,
mesmo que isso implicasse em déficits orçamentários. Os economistas – a grande
maioria deles, pelo menos –, a princípio, torceram o nariz à recomendação. Enquanto
isso, a crise continuava, os mercados não reagiam.
Veio a Segunda Guerra e os governos
tiveram de gastar muito mais do que arrecadavam. Como puderam? Endividando-se
ou emitindo moeda. Logo, o desemprego desapareceu. OK, mas, guerra é guerra: o
medo de que a crise voltasse após encerradas as hostilidades era generalizado. Como
fazer para evitar isso? No espírito da “Teoria Geral”, devia-se acompanhar a
conjuntura, mantendo elevados os gastos públicos até que a demanda total oriunda
do setor privado demonstrasse robustez suficiente para afastar o perigo de nova
crise.
A expectativa de que a depressão voltaria,
após 1945, contribuiu para que quase todos os economistas virassem keynesianos.
Seguindo seus conselhos, os governos passaram a monitorar as economias
nacionais, regulando os próprios gastos, em função do estado corrente e
previsto do emprego e da renda para o curto prazo. E a verdade é que, depois
disso, tivemos 25 anos de prosperidade. A Era de Ouro somente viria a ser encerrada
em 1973, a partir de quando o mundo iria sofrer uma crise severa, mas
deflagrada por razões que nada tinham a ver com as da Grande Depressão.
Keynes teria sido o primeiro a admitir
que as suas propostas de políticas dos anos trinta não serviam para a crise
precipitada pelos dois choques do petróleo (1973 e 1979). Ele, porém, estava
morto. Nessas circunstâncias, as correntes do pensamento econômico
anti-intervencionista, que nunca foram silenciadas, mas que haviam ficado na
defensiva durante um quarto de século, subitamente, ganharam projeção e adesão amplas.
Não que isso fosse, necessariamente, bom: se a economia clássica (na acepção da
“Teoria Geral”) havia fracassado em predizer e/ou remediar a crise dos anos
trinta, a macroeconomia “novo-clássica” – aquela que acredita irrestritamente na
capacidade auto-reguladora dos mercados – revelou-se incapaz de predizer e/ou
remediar o que viria a acontecer na primeira década do século XXI.
Em função disso, a atualidade de Keynes
viria a ser reafirmada em 2008. Afinal, a crise dos “subprimes” (empréstimos concedidos
a um tomador que não oferece boas garantias), como ficou conhecida, embora
distinta da que tinha ocorrido nos anos trinta, foi precipitada por um distúrbio
no mercado financeiro que também teria levado, na ausência de ações governamentais
compensatórias, a um colapso da demanda muito maior do que, de fato, aconteceu.
E não aconteceu porque, enfatizo, os governos tomaram medidas abertamente
keynesianas.
Curiosamente, hoje, março de 2020, os
remédios que os governos no mundo estão propondo ou implementando para
enfrentar os efeitos econômicos da pandemia têm (de novo) um indisfarçável
sabor keynesiano. Eu não conheço outra receita, mas tenho que advertir para um
ponto: a crise econômica em que estamos entrando combina quedas de demanda com
choques de oferta. Quedas de demanda (muita gente perderá o emprego ou a ocupação
e, assim, não terá dinheiro para comprar nada) podem ser combatidas com as
medidas de compensação de renda que vêm sendo imaginadas. Por exemplos: ampliação
do seguro desemprego, subsídios diretos às empresas para manutenção dos empregos,
“Corona Vouchers”, postergação de pagamentos de impostos. Com os choques de
oferta, a história é outra. A quarentena, as restrições a viagens, o bloqueio
de estradas, entre outros fatores, têm como resultado um declínio na capacidade
de produzir – e isso não pode ser consertado com remédios keynesianos.
John Maynard Keynes foi, na minha
opinião, o maior economista do século XX. Nenhuma das atrocidades ultimamente cometidas
em seu nome (lembram da “Nova Matriz Econômica”?) teria recebido sua chancela. O
mundo aprendeu, sim, muitas lições com a Grande Depressão dos anos trinta e foi a Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro que ensinou a maioria delas.
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