Gustavo Maia
Gomes
Recorte de jornal não identificado datado de 15/julho/1921
pertencente à Hemeroteca Theodoro Braga — Arquivo Público de São Paulo. (Material
colhido no site http://fauufpa.org/2013/08/27/1921-onde-colocar-as-putas/ e, segundo é dito ali, enviado pelo professor José Maria de Castro Abreu Júnior.)
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Antônio Emiliano de Sousa Castro (1875-1951) foi
deputado estadual e federal, governador do Pará (1921-25) e senador da
República. Não deve ser confundido com seu pai, o Barão de Anajás (1847-1929),
embora os dois tivessem o mesmo nome e ambos fossem médicos e professores. O mais
velho foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará (1919) e seu
primeiro diretor.
O filho tinha preocupação especial com a saúde
pública. Já no seu primeiro ano de governo, armou um plano para controlar
as doenças mais disseminadas no Estado. Dentre elas, as sexualmente
transmissíveis -– ou “venéreas”, como se dizia então. Nesse mesmo sentido, em 1923, criou
o leprosário de Igarapé-Açu, um hospital para tratar as vítimas de hanseníase apresentado
como o mais antigo do Brasil.
DOENÇAS VENÉREAS
Na Mensagem enviada ao Congresso Legislativo do
Estado, em 1921, Sousa Castro informa que “começou a funcionar o Instituto de
Profilaxia das Doenças Venéreas, que instalei no prédio do antigo Instituto
Pasteur, nesta capital. O prédio possui uma grande sala de
espera e portaria, um consultório para homens, outro para senhoras, um terceiro
para crianças e dois para meretrizes” (pág. 58).
“O Instituto funciona diariamente”, continua a
Mensagem: “Todas as manhãs são atendidos homens, senhoras e crianças. As tardes são reservadas para as
meretrizes” (pág. 58). O governador estava copiando experiências
exitosas de Montevidéu e do Paraná. Mas, para que tudo funcionasse a contento, alguém
precisava contar as putas. Tarefa para quem entende -- e não era o IBGE da época.
“Incumbiu-se o Sr. Dr. Chefe de Polícia de mandar
fazer o recenseamento e identificação de todas as meretrizes desta capital, as
quais seriam localizadas em um único bairro da cidade”, prossegue Sousa Castro, revelando outra parte do plano. “Possuiriam cadernetas de identidade e com estas se apresentariam ao
Instituto de Profilaxia, para serem examinadas, uma vez por semana” (pág. 58).
O Instituto de Profilaxia cuidaria apenas da parte
médica, “a Polícia se encarregaria do resto: localização, identificação,
intimações e fiscalização das interditadas por doença, para não continuarem a
exercer o meretrício. Estamos, portanto -– vangloria-se o governador -– com as funções
bem definidas. Este [Instituto] só aceita como meretrizes as mulheres que se
apresentarem com caderneta especial” (págs. 58-59).
Na Belém de 1921, não bastava ser puta, tinha de
ter caderneta.
O CENSO
-- Mas, quem eram elas? Foi o censo, realmente, feito?
-- Sim, e os números estão na Mensagem de Sousa Castro ao Congresso Legislativo.
“O serviço médico-legal do Estado enviou ao Instituto
de Profilaxia 525 cadernetas de meretrizes identificadas na Polícia, a fim de
serem submetidas ao exame médico semanal, visando a profilaxia de doenças
venéreas. Destas 525 mulheres, apenas 302 foram examinadas em julho, porque as
cadernetas chegaram nos últimos dias do mês”.
Eis o resumo dos dados obtidos, mantendo a forma em que foram apresentados:
Eis o resumo dos dados obtidos, mantendo a forma em que foram apresentados:
Total de
meretrizes examinadas
|
302
|
Das quais, são
brasileiras
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282
|
E estrangeiras
(todas brancas)
|
20
|
Das
brasileiras, eram brancas
|
70
|
Mestiças
|
178
|
Pretas
|
34
|
(Fonte: Relatório do Governador
do Pará ao Congresso Legislativo do Estado, 1921, pág. 60)
As prostitutas nacionais
eram dos seguintes estados
Pará
|
91
|
Amazonas
|
15
|
Maranhão
|
27
|
Piauí
|
14
|
Ceará
|
64
|
Rio Grande do
Norte
|
15
|
Paraíba
|
25
|
Pernambuco
|
20
|
Alagoas
|
4
|
Sergipe
|
1
|
Bahia
|
5
|
Rio de Janeiro
|
1
|
São Paulo
|
1
|
(Fonte: Relatório do Governador
do Pará ao Congresso Legislativo do Estado, 1921, pág. 60)
A estatística das meretrizes estrangeiras também consta
do mesmo Relatório: “Russas, 6; austríacas, 2; rumaicas (sic), 1; portuguesas,
2; espanholas, 2; italianas, 2; americanas do Norte, 1; sérvias, 1; peruanas,
1.” Das meretrizes brasileiras, 53 eram casadas; 214, solteiras e 15, viúvas;
96 sabiam ler, 186 eram analfabetas. Das estrangeiras, 10 eram casadas; 6,
solteiras e 4, viúvas. 15 sabiam ler, 5 eram analfabetas” (pág. 61).
PUTÓPOLIS
Um pouco de sociologia, para encerrar:
(1) A maioria das prostitutas brasileiras tinha vindo de outros estados. Do próprio Norte ou, sobretudo, do Nordeste. Neste último caso, por herança das secas e da imigração de flagelados em busca de água e trabalho. Por sua vez, as estrangeiras, provavelmente, haviam chegado na fase áurea da borracha, quando o movimento em Belém de navios vindos da Europa e dos Estados Unidos era intenso.
(2) Dois terços (67%) das “meretrizes” estrangeiras sabiam ler; a mesma proporção, entre as brasileiras, era muito menor (34%). No caso dessas, o elevado analfabetismo não devia ser uma característica que as diferenciasse muito dos seus clientes. As estrangeiras, por seu turno, mesmo sendo originárias, provavelmente, de camadas pobres, se haviam beneficiado da melhor oferta de educação em seus próprios países.
(3) Dentre as brasileiras, havia quatro solteiras para uma casada. Das estrangeiras, o número de casadas era maior que o de solteiras, atingindo metade do contingente examinado pelo Instituto de Profilaxia das Doenças Venéreas. Havia viúvas nos dois grupos de nacionalidade. Para essas, possivelmente, a prostituição havia sido o caminho encontrado para dar conta da vida, após a morte do marido.
(4) A maioria das prostitutas brasileiras era "mestiça" (63%). As "brancas" vinham em segundo lugar (25%) e as "negras" ficavam com os 12% restantes. A baixa proporção de meretrizes "negras" poderia estar refletindo a composição "racial" da população de Belém, ou ser um resultado da preferência dos clientes, sempre mais propensos a fazer amor com mulheres "brancas" ou "mestiças". É uma especulação, apenas.
(1) A maioria das prostitutas brasileiras tinha vindo de outros estados. Do próprio Norte ou, sobretudo, do Nordeste. Neste último caso, por herança das secas e da imigração de flagelados em busca de água e trabalho. Por sua vez, as estrangeiras, provavelmente, haviam chegado na fase áurea da borracha, quando o movimento em Belém de navios vindos da Europa e dos Estados Unidos era intenso.
(2) Dois terços (67%) das “meretrizes” estrangeiras sabiam ler; a mesma proporção, entre as brasileiras, era muito menor (34%). No caso dessas, o elevado analfabetismo não devia ser uma característica que as diferenciasse muito dos seus clientes. As estrangeiras, por seu turno, mesmo sendo originárias, provavelmente, de camadas pobres, se haviam beneficiado da melhor oferta de educação em seus próprios países.
(3) Dentre as brasileiras, havia quatro solteiras para uma casada. Das estrangeiras, o número de casadas era maior que o de solteiras, atingindo metade do contingente examinado pelo Instituto de Profilaxia das Doenças Venéreas. Havia viúvas nos dois grupos de nacionalidade. Para essas, possivelmente, a prostituição havia sido o caminho encontrado para dar conta da vida, após a morte do marido.
(4) A maioria das prostitutas brasileiras era "mestiça" (63%). As "brancas" vinham em segundo lugar (25%) e as "negras" ficavam com os 12% restantes. A baixa proporção de meretrizes "negras" poderia estar refletindo a composição "racial" da população de Belém, ou ser um resultado da preferência dos clientes, sempre mais propensos a fazer amor com mulheres "brancas" ou "mestiças". É uma especulação, apenas.
Para não esquecer: fazia parte do plano concentrar
todas as prostitutas de Belém em um único bairro, que bem poderia ter sido chamado
Putópolis.
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