Gustavo Maia Gomes
Começo com uma história familiar. Em dezembro
de 1995, estava eu em Soure (Ilha de Marajó) com meus filhos Pedro e Daniel,
então crianças. A mãe deles nos acompanhava. Daniel apareceu com um furúnculo preocupante.
Na farmácia, não havia remédio convencional; alguém indicou óleo de copaíba. Segui
o conselho. O efeito foi rápido, positivo, espetacular. Aprendi um pouco da
sabedoria índia.
(***)
Volto, agora, 150 anos no tempo. Em meados
do século 19, na Província do Amazonas, a atividade econômica quase se resumia
a extrair da floresta tudo o que pudesse ser vendido rio abaixo, em Belém. Mesmo
assim, a Província participou da Exposição Nacional da Indústria, que Pedro II mandou organizar no Rio de Janeiro, em dezembro de 1861.
Na mensagem do Presidente do Amazonas, Manoel
Clementino Carneiro da Cunha, à Assembleia Legislativa (1862) há um anexo descrevendo
os itens enviados à Corte, que incluíam muitas drogas medicinais. Fiquei
fascinado, mas não surpreso. Ainda hoje, o Mercado do Ver-o-Peso, em Belém, é
cheio de produtos da floresta capazes de curar desde dor-de-corno até unha
encravada. Acontece o mesmo em Manaus.
Transcrevo a parte do anexo (denominada “Relatório
D”) à mensagem de Manoel Clementino que descreve as ervas medicinais enviadas.
Por alguma razão, não há referência (neste documento, em outros, sim) ao óleo
de copaíba. Desafio aos meus amigos do Pará – e se houver algum, do Amazonas –
a dizer que os conhece todos.
1. MURURÉ. Líquido extraído por incisão no
tronco de uma árvore deste nome. É vermelho, um pouco leitoso. Depurativo e antissifilítico
poderoso, chama-se vulgarmente azougue vegetal.
2. MANACAU. Arbusto cujo tronco e folhas
tem propriedades antissifilíticas. Usa-se da infusão destas partes da planta
internamente. Quando o reumatismo articular tem sua principal causa na sífilis,
[ele] desaparece facilmente com o uso deste medicamento.
3. MOIRAPUAMA. Raiz de um arbusto do mesmo
nome. Excitante geral e afrodisíaco dos mais enérgicos. Usa-se interna e
externamente e, neste último modo, tem aproveitado nas paralisias locais.
Emprega-se a infusão ou a tintura.
4. TAMAQUARÉ. Óleo de uma árvore do mesmo
nome. Extrai-se golpeando o tronco e colocando nos golpes algodão, que se embebe
do líquido. Espremendo-se depois o algodão, passa-se o líquido para uma vasilha.
É um anti-dartroso muito enérgico. [“Dartro” é um nome genérico das crostas ou
das esfoliações produzidas por diversas doenças da pele.]
5. SASSAFRÁS. Óleo extraído por incisão do
tronco do “laurus sassafraz”. É um excitante do sistema nervoso e emprega-se
com maior proveito no tratamento das soluções de continuidade frescas [?] Nesta
espécie, são mais prontos seus resultados do que os da Arnica. Aqui, só os
médicos sabem que a raiz e a casca deste arbusto têm uso na Terapêutica.
6. ACAUÃ CAÁ (Guaco). Arbusto cujas folhas
em infusão ou tintura se empregam com muito proveito no tratamento de
reumatismo e das mordeduras de cobras de vírus [sic]. Suspeita-se que seja
antissifilítico.
7. CAÁ IXIÚ. Diz-se que a infusão das
folhas desta planta aproveita o tratamento da asma.
8. SUCUBA. Leite de uma árvore deste nome.
É purgativo, bem como a infusão da casca da árvore. Externamente, aproveita no
tratamento do reumatismo articular, emplastando com ele o lugar ou as
articulações infestadas.
9. MARUPÁ MIRY. Diz-se que a raiz deste
arbusto em infusão aproveita nas diarreias.
10. MARUPAI. A casca deste arbusto é um
calmante poderoso. Aproveita muito nos vômitos e disenterias rebeldes.
Aplica-se em infusão ou cozimento internamente. Em emplasto, a casca ralada é
bom cicatrizante.
11. QUINA. Uma das espécies do gênero
cinchona. Não é boa a da amostra. Seus usos são por demais conhecidos em toda a
parte. Já foi grande ramo de comércio desta província. Em 1820 ainda se
exportaram 41 arrobas. [“Cinchona é um gênero de aproximadamente 40 espécies da
família Rubiaceae. São arbustos de folhagem persistente naturais da região
tropical da América do Sul que crescem entre 5 e 15m de altura. Algumas
espécies produzem o quinino” (Wikipedia). O quinino é usado ainda hoje no
tratamento da malária.]
12. UCAÚBA. Leite da planta do mesmo nome.
Aplica-se com proveito nas úlceras da mucosa da boca e faringe. A infusão da
casca desta planta aproveita muito no tratamento das flores brancas. [Flores
brancas (Leucorréia): doença venérea, corrimento vaginal].
13. LEITE DE SORVA. Leite da sorveira,
planta que dá um fruto (sorva) semelhante ao mucugê da Bahia, É boa cola e os
índios do Rio Negro servem-se dele na preparação de ralos para ligar a matéria
às pontas de pedra. Bebe-se. Deve ser analisado.
14. ABUTUA. Raiz de cissampelos pasciva.
É da melhor. Seus usos são conhecidos em toda parte. [“A espécie Cissampelos
sympodialis (Menispermaceae) é utilizada na medicina popular e indígena para o
tratamento de desordens inflamatórias, incluindo a asma. Liane Franco Mangueira
et alii, Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 14 (2), 2010.]
15. CAFERANA. Raiz do arbusto do mesmo
nome. É excelente antiperiódico e aplica-se em infusão ou tintura. Usa-se
internamente.
16. GAPUÍ. Raiz do arbusto de mesmo nome.
Macera-se a raiz n’água, decanta-se, e aplica-se, em mistura com água, a goma,
que se deposita. É remédio pronto para as oftalmias.
(***)
De volta ao presente. Segundo uma
reportagem do Portal G1 Amazonas (“Venda de ervas da Amazônia sustenta família”,
20/8/2012) a loja de Nora Garcia, localizada por trás do Mercado Adolfo Lisboa,
em Manaus, comercializa 450 tipos de erva. Cólicas de bebê, depressão, dor de
estômago, alguns tipos de câncer e Acidente Vascular Cerebral são algumas dos
problemas para cuja solução os clientes costumam recorrer às ervas amazônicas,
diz Nora.
https://podologaemsaojoaodaboavista.blogspot.com/
ResponderExcluirJóice Morita