Gustavo Maia Gomes
Logo após se formar em engenharia pela Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, meu bisavô, Francisco Dias Cardoso Filho (1865-1917) aceitou
um emprego em São Paulo. Seria ajudante do enólogo austríaco Josef Watzl,
contratado pelo Ministério de Agricultura para desenvolver a produção de vinhos
naquela província. Talvez Francisco tenha sido lembrado por saber alguma coisa
de alemão, como posso deduzir de sua passagem com “distinção” nessa matéria pelo
Colégio Pedro II. E, mais ainda, do fato de que ele logo passaria a traduzir para
o português os trabalhos escritos pelo “especialista austríaco”.
Vinhos em São Paulo? Sim, eles existiam e a ideia
do governo imperial era estimular a produção. (Mais estranho foi o suíço
Leonardo Kuhn, na mesma época, fazer vinhos no Recife e com eles ganhar prêmios
em Paris. “É mentira, Terta?”) Outro fator a influenciar o convite foi que a
missão de Watzl consistia em montar – inclusive, no sentido físico, ou seja, erigindo
as respectivas instalações – uma Escola Científica de Vinicultura. E, se nada
entendia de vinhos, o jovem engenheiro Francisco Dias Cardoso Filho tinha, com
certeza, aprendido a construir prédios.
Matéria publicada no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro (7/1/1889, pág. 1) explica como
se pretendia incentivar a produção de vinhos em São Paulo: “Contratou o
Ministério da Agricultura, por cinco anos, os serviços do Sr. Josef Watzl,
especialista que teve a seus cuidados e sob sua direção valiosas propriedades
vitícolas da Áustria e da Hungria”. O jornal apoiava “os esforços com que [o
governo] procura coadjuvar a expansão da indústria que desponta com grande
energia, havendo alcançado, em pouco tempo, sobretudo, na província de São
Paulo, resultados apreciáveis”. Para o necessário aperfeiçoamento dos métodos
de vinificação, “muito [contribuiria] a idoneidade do Sr. Joseph Watzl”.
O
austríaco foi incumbido de criar, na província de São Paulo, “uma escola
científica de viticultura”. Para tanto, deveria “organizar o projeto com todas
as individuações convenientes, escolhendo terrenos apropriados, levantando
plantas do edifício principal e suas dependências, e orçando todas as obras e
aquisições necessárias de instrumentos e aparelhos, de maneira que até o fim de
julho se ache o governo na posse de todos os dados e informações referentes a
este objeto, para que possam ser autorizadas as construções e encomendas que
forem precisas”. (Jornal do Commercio, RJ,
edição citada.)
Simultaneamente à implantação da escola, Watzl
recebeu ordens de “estudar mui atentamente o estado da indústria vitícola na
província, quer na parte relativa à cultura da videira, quer quanto à
fabricação e tratamento do vinho”. Em comunicações que faria ao governo, ele
deveria expor “o resultado das suas observações e exames, indicando os
melhoramentos que, a seu juízo, [devessem] ser adotados pelos viticultores, e
tudo o que julgar conveniente ao progresso daquela nascente indústria”. Deveria,
também, “ministrar aos particulares que lhes solicitarem indicações práticas
acerca das questões da viticultura e vinificação, procurando conciliar, quanto
possível, este encargo com o pronto andamento de outros trabalhos a seu cargo
que deverão ser executados com toda a atividade”. Para coadjuvá-lo no
desempenho da comissão, foi indicado “como auxiliar o engenheiro Francisco Dias
Cardoso, o qual se empregará nos trabalhos que lhe houver de cometer e em tudo
observará as suas prescrições”.[1]
SE
NÃO A ESCOLA, PELO MENOS, O ESTUDO
A
montagem da escola de vinhos, contudo, parece ter enfrentado dificuldades. Embora
ela tivesse um “diretor” (o próprio Watzl) e um “ajudante” (Francisco) citados aqui
e ali, não encontrei nenhuma prova real de sua existência. De concreto, pude
detectar, apenas, a criação de uma “seção de Viticultura Experimental no Instituto
Agronômico de Campinas, para o qual foram contratados o ajudante (...), o
assistente químico (...) e o assistente de viticultura Josef Watzl”. Parece,
exatamente, o que se tinha tentado evitar: a absorção da escola de vinhos pelo
mais antigo Instituto Agronômico. (Declaração do ministro da Agricultura, o
paulista Antônio Prado, em 7/1/1889: “Na forma estatuída pela lei n. 3.397 de
24 de novembro de 1888, terá o governo que fundar e custear na província de São
Paulo uma escola científica de viticultura, a qual, pela sua especificidade,
constituirá estabelecimento inteiramente distinto da Estação Agronômica de
Campinas.”)[2]
De qualquer modo, se não a escola, pelo menos, o
estudo foi feito: “Escrito em língua alemã e vertido à portuguesa pelo
engenheiro Francisco Dias Cardoso Filho, ajudante do Sr. Josef Watzl, está
sendo publicado o interessante guia pela Revista Agrícola do Imperial Instituto
Fluminense de Agricultura, devendo ulteriormente ser tirado em folheto”. (Jornal do Commercio, RJ, edição
citada.) O trabalho “Direções e Conselhos
para o Viticultor na província de São Paulo”, escrito por Josef Watzl, “Diretor da Estação Enológica de São Paulo”, e traduzido do alemão
por Francisco Dias Cardoso Filho, “ajudante da mesma Estação”, apareceu em 1890.
Infelizmente, parece haver alguma coisa errada
com São Paulo, quando se fala em vinhos. Nem no século XIX, nem até hoje, se
conseguiram grandes progressos, ali, no que tange a essa atividade econômica. A
produção oscila, sem tendência de crescimento. Da qualidade, então (Ah, os
vinhos de São Roque!), nem se fala: “Para
o período 1880-1930, são permanentes as críticas ao vinho nacional e,
principalmente, ao vinho produzido no estado de São Paulo. (...) Os vinhos
paulistas tinham um grande descrédito, pois apresentavam alto grau de acidez,
conservavam sua qualidade por pouco tempo, e tinham sabor, perfume e cor pouco
atraentes e até desagradáveis”.[3]
Os paulistas, entretanto, nunca desistem. Tão
recentemente como em 2007, perguntavam, pela imprensa: “São Paulo dá vinho?”. E
iam em frente, com eterno otimismo: “A resposta é sim – e mais, vinhos de
qualidade”. Quase 110 anos depois de Josef Watzl e seu ajudante Francisco Dias
Cardoso Filho, terem dado com os burros n’água, esse era o plano da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo) e do governo estadual “para colocar o maior
consumidor de vinhos também como o maior produtor do País”. Não se tratava,
apenas, de alcançar os padrões nacionais já estabelecidos: “Não queremos fazer
vinhos como os do Rio Grande do Sul ou do Vale do Rio São Francisco. E isso é
ótimo”.[4]
Sem ter tido tempo de conhecer esse plano
formidável da Fiesp, lá no final do século XIX, Francisco Dias Cardoso deve ter
perdido a paciência. Pediu para sair do emprego de construtor de uma escola de
vinhos em São Paulo. Em 12 de abril de 1890, um jornal do Rio de Janeiro
noticiava que seu pedido de exoneração “do lugar de ajudante da estação
enológica de São Paulo” havia sido aceito.[5]
Sua próxima ocupação seria construir uma usina de
açúcar em Santa Rita, Paraíba. Ali, Francisco encontraria sua mulher Josefina
Cristina Amélia Quanz (1872-1922). Filha de alemães, Josefina deve ter compreendido
facilmente a declaração de amor feita naquela língua esquisita pelo engenheiro
do Rio de Janeiro que tinha ajudado um austríaco a fazer vinhos em São Paulo.
[2] Sobre a
pretendida escola de vinhos ter-se transformado em uma “seção” do Instituto
Agronômico de Campinas, ver Imperial Estação
Agronômica de Campinas (Histórico), em http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/estagrcamp.htm
(Acesso em 14/9/2016.) A declaração do ministro da Agricultura, citação entre
parênteses, está em Jornal do Commercio
(RJ), 7/1/1889, pág. 1.
[3]
Lia Alejandra Borcosque Romer, A
vitivinicultura no estado de São Paulo (1880-1950). Dissertação de Mestrado.
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (SP). Em file:///C:/Users/dhtufpe/Downloads/BorcosqueRomeroLiaAlejandra.pdf (Acesso em 11/9/2016)
[4] Larissa
Morais. “São Paulo dá vinho?”, Dinheiro
Rural, edição 35, setembro de 2007. Disponível em http://dinheirorural.com.br/secao/agroeconomia/sao-paulo-da-vinho,
acesso em 15/9/2016.
Olá,
ResponderExcluirO bacharel Hermillo Bourguy Macedo de Mendonça é meu trisavô. Foi Diretor do Museu histórico nacional e chefe da seção de zoologia por diversos anos. Recebeu a dra. Marie Curie em sua visita ao Brasil e participou de muitos estudos e pesquisas.
Por acaso o sr. tem alguma informação sobre ele?
Grato pela atenção,
Meu email é demedeirosfernando@gmail.com