quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Os vinhos paulistas e o engenheiro Francisco Dias Cardoso (1889)









Neste anúncio, aparecem juntos os nomes Emílio Augusto Goeldi (figura destacada na história do Pará) e Francisco Dias Cardoso Filho, meu bisavô. Se o projeto de uma obra semelhante a O Trem para Branquinha, (que ora escrevo), mas tendo como eixo os ancestrais de Maria de Lourdes de Azevedo Barbosa e como palcos principais as províncias/ estados de São Paulo e do Pará, vier a ser realizado, como pretendo, Emílio Goeldi aparecerá mais de uma vez no texto. Será um dos muitos elos entre as histórias "contadas familiarmente" de Pernambuco / Alagoas / Paraíba / Rio de Janeiro, de um lado, e do Pará / São Paulo, de outro, a merecer destaque nos dois livros. (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 6/8/1890, pág. 5)
Gustavo Maia Gomes

Logo após se formar em engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, meu bisavô, Francisco Dias Cardoso Filho (1865-1917) aceitou um emprego em São Paulo. Seria ajudante do enólogo austríaco Josef Watzl, contratado pelo Ministério de Agricultura para desenvolver a produção de vinhos naquela província. Talvez Francisco tenha sido lembrado por saber alguma coisa de alemão, como posso deduzir de sua passagem com “distinção” nessa matéria pelo Colégio Pedro II. E, mais ainda, do fato de que ele logo passaria a traduzir para o português os trabalhos escritos pelo “especialista austríaco”.
Vinhos em São Paulo? Sim, eles existiam e a ideia do governo imperial era estimular a produção. (Mais estranho foi o suíço Leonardo Kuhn, na mesma época, fazer vinhos no Recife e com eles ganhar prêmios em Paris. “É mentira, Terta?”) Outro fator a influenciar o convite foi que a missão de Watzl consistia em montar – inclusive, no sentido físico, ou seja, erigindo as respectivas instalações – uma Escola Científica de Vinicultura. E, se nada entendia de vinhos, o jovem engenheiro Francisco Dias Cardoso Filho tinha, com certeza, aprendido a construir prédios.
Matéria publicada no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro (7/1/1889, pág. 1) explica como se pretendia incentivar a produção de vinhos em São Paulo: “Contratou o Ministério da Agricultura, por cinco anos, os serviços do Sr. Josef Watzl, especialista que teve a seus cuidados e sob sua direção valiosas propriedades vitícolas da Áustria e da Hungria”. O jornal apoiava “os esforços com que [o governo] procura coadjuvar a expansão da indústria que desponta com grande energia, havendo alcançado, em pouco tempo, sobretudo, na província de São Paulo, resultados apreciáveis”. Para o necessário aperfeiçoamento dos métodos de vinificação, “muito [contribuiria] a idoneidade do Sr. Joseph Watzl”.
O austríaco foi incumbido de criar, na província de São Paulo, “uma escola científica de viticultura”. Para tanto, deveria “organizar o projeto com todas as individuações convenientes, escolhendo terrenos apropriados, levantando plantas do edifício principal e suas dependências, e orçando todas as obras e aquisições necessárias de instrumentos e aparelhos, de maneira que até o fim de julho se ache o governo na posse de todos os dados e informações referentes a este objeto, para que possam ser autorizadas as construções e encomendas que forem precisas”. (Jornal do Commercio, RJ, edição citada.)
Simultaneamente à implantação da escola, Watzl recebeu ordens de “estudar mui atentamente o estado da indústria vitícola na província, quer na parte relativa à cultura da videira, quer quanto à fabricação e tratamento do vinho”. Em comunicações que faria ao governo, ele deveria expor “o resultado das suas observações e exames, indicando os melhoramentos que, a seu juízo, [devessem] ser adotados pelos viticultores, e tudo o que julgar conveniente ao progresso daquela nascente indústria”. Deveria, também, “ministrar aos particulares que lhes solicitarem indicações práticas acerca das questões da viticultura e vinificação, procurando conciliar, quanto possível, este encargo com o pronto andamento de outros trabalhos a seu cargo que deverão ser executados com toda a atividade”. Para coadjuvá-lo no desempenho da comissão, foi indicado “como auxiliar o engenheiro Francisco Dias Cardoso, o qual se empregará nos trabalhos que lhe houver de cometer e em tudo observará as suas prescrições”.[1]
SE NÃO A ESCOLA, PELO MENOS, O ESTUDO
A montagem da escola de vinhos, contudo, parece ter enfrentado dificuldades. Embora ela tivesse um “diretor” (o próprio Watzl) e um “ajudante” (Francisco) citados aqui e ali, não encontrei nenhuma prova real de sua existência. De concreto, pude detectar, apenas, a criação de uma “seção de Viticultura Experimental no Instituto Agronômico de Campinas, para o qual foram contratados o ajudante (...), o assistente químico (...) e o assistente de viticultura Josef Watzl”. Parece, exatamente, o que se tinha tentado evitar: a absorção da escola de vinhos pelo mais antigo Instituto Agronômico. (Declaração do ministro da Agricultura, o paulista Antônio Prado, em 7/1/1889: “Na forma estatuída pela lei n. 3.397 de 24 de novembro de 1888, terá o governo que fundar e custear na província de São Paulo uma escola científica de viticultura, a qual, pela sua especificidade, constituirá estabelecimento inteiramente distinto da Estação Agronômica de Campinas.”)[2]
De qualquer modo, se não a escola, pelo menos, o estudo foi feito: “Escrito em língua alemã e vertido à portuguesa pelo engenheiro Francisco Dias Cardoso Filho, ajudante do Sr. Josef Watzl, está sendo publicado o interessante guia pela Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, devendo ulteriormente ser tirado em folheto”. (Jornal do Commercio, RJ, edição citada.) O trabalho “Direções e Conselhos para o Viticultor na província de São Paulo”, escrito por Josef Watzl, “Diretor da Estação Enológica de São Paulo”, e traduzido do alemão por Francisco Dias Cardoso Filho, “ajudante da mesma Estação”, apareceu em 1890.
Infelizmente, parece haver alguma coisa errada com São Paulo, quando se fala em vinhos. Nem no século XIX, nem até hoje, se conseguiram grandes progressos, ali, no que tange a essa atividade econômica. A produção oscila, sem tendência de crescimento. Da qualidade, então (Ah, os vinhos de São Roque!), nem se fala: “Para o período 1880-1930, são permanentes as críticas ao vinho nacional e, principalmente, ao vinho produzido no estado de São Paulo. (...) Os vinhos paulistas tinham um grande descrédito, pois apresentavam alto grau de acidez, conservavam sua qualidade por pouco tempo, e tinham sabor, perfume e cor pouco atraentes e até desagradáveis”.[3]
Os paulistas, entretanto, nunca desistem. Tão recentemente como em 2007, perguntavam, pela imprensa: “São Paulo dá vinho?”. E iam em frente, com eterno otimismo: “A resposta é sim – e mais, vinhos de qualidade”. Quase 110 anos depois de Josef Watzl e seu ajudante Francisco Dias Cardoso Filho, terem dado com os burros n’água, esse era o plano da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do governo estadual “para colocar o maior consumidor de vinhos também como o maior produtor do País”. Não se tratava, apenas, de alcançar os padrões nacionais já estabelecidos: “Não queremos fazer vinhos como os do Rio Grande do Sul ou do Vale do Rio São Francisco. E isso é ótimo”.[4]
Sem ter tido tempo de conhecer esse plano formidável da Fiesp, lá no final do século XIX, Francisco Dias Cardoso deve ter perdido a paciência. Pediu para sair do emprego de construtor de uma escola de vinhos em São Paulo. Em 12 de abril de 1890, um jornal do Rio de Janeiro noticiava que seu pedido de exoneração “do lugar de ajudante da estação enológica de São Paulo” havia sido aceito.[5]
Sua próxima ocupação seria construir uma usina de açúcar em Santa Rita, Paraíba. Ali, Francisco encontraria sua mulher Josefina Cristina Amélia Quanz (1872-1922). Filha de alemães, Josefina deve ter compreendido facilmente a declaração de amor feita naquela língua esquisita pelo engenheiro do Rio de Janeiro que tinha ajudado um austríaco a fazer vinhos em São Paulo.




[1] Jornal do Commercio (RJ), 7/1/1889, pág. 1.
[2] Sobre a pretendida escola de vinhos ter-se transformado em uma “seção” do Instituto Agronômico de Campinas, ver Imperial Estação Agronômica de Campinas (Histórico), em http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/estagrcamp.htm (Acesso em 14/9/2016.) A declaração do ministro da Agricultura, citação entre parênteses, está em Jornal do Commercio (RJ), 7/1/1889, pág. 1.
[3] Lia Alejandra Borcosque Romer, A vitivinicultura no estado de São Paulo (1880-1950). Dissertação de Mestrado. Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (SP). Em file:///C:/Users/dhtufpe/Downloads/BorcosqueRomeroLiaAlejandra.pdf (Acesso em 11/9/2016)
[4] Larissa Morais. “São Paulo dá vinho?”, Dinheiro Rural, edição 35, setembro de 2007. Disponível em http://dinheirorural.com.br/secao/agroeconomia/sao-paulo-da-vinho, acesso em 15/9/2016.
[5] Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), 12/4/1890, pág. 1

Um comentário:

  1. Olá,


    O bacharel Hermillo Bourguy Macedo de Mendonça é meu trisavô. Foi Diretor do Museu histórico nacional e chefe da seção de zoologia por diversos anos. Recebeu a dra. Marie Curie em sua visita ao Brasil e participou de muitos estudos e pesquisas.
    Por acaso o sr. tem alguma informação sobre ele?

    Grato pela atenção,
    Meu email é demedeirosfernando@gmail.com

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