Aprendi a gostar da comida paraense antes
mesmo de conhecer Lourdes Barbosa, que é de lá, perita em gastronomia, minha
mulher há 16 anos. Acontece que entre 1995 e 2003 eu fui diretor do IPEA, o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em Brasília, e tinha de comparecer às
reuniões mensais da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia)
realizadas, quase sempre, em Belém. Isso aconteceu até à extinção da autarquia,
em 2001. Foi nessas viagens e rápidas estadas que aprendi a apreciar as
delícias culinárias daquele Estado.
Pois, meu parente Luís Alípio de Barros (1920-91),
jornalista importante, alagoano de nascimento, carioca por adoção, frequentador assíduo de restaurantes, experimentou o tempero paraense trinta
anos antes de mim. Sob o pseudônimo de Comendador Ventura, ele manteve durante
anos uma coluna no célebre jornal Última Hora (que ajudou a fundar) com o sugestivo nome “Não morra pela boca”.
Eis
o que o Comendador Ventura, ou seja, Luís Alípio (Gomes) de Barros, escreveu, em 9 de outubro de 1965:
O
Sargentelli, sim, o nosso Sargentelli da TV, do rádio e animador e defensor
entusiástico da música popular brasileira de verdade, foi convocado e aceitou
dirigir o restaurante Casa do Pará, bem ali na Avenida Franklin Roosevelt, num
terceiro andar de um edifício bem pertinho da Maison de France.
Quem
nos informou foi o próprio Sargentelli, numa divertidíssima carta. Diz ele que
resolveu [lhe] dar o nome de Restaurante Tucupi da Casa do Pará. Os pratos do
restaurante são, como não podia deixar de ser, típicos: Pato no Tucupi,
Pirarucu, Tacacá, Casca de Siri, Frigideira de Camarão, etc. E comenta com
sinceridade: “Não decorei ainda todos os nomes. As sobremesas e as batidas são
variadíssimas. Os nomes, engraçados e, alguns, até difíceis de pronunciar.
Aprenderei com o tempo”.
Diz
mais: “A casa serve almoço diariamente. ‘Mandarei uma brasa’ [expressão típica
da época] para fazer o horário de 18 horas. Pretendo transformar o Tucupi num
local de encontro na hora em que a moçada se dirige para casa, saindo do ‘batente’.
Para isso, estou adaptando o ambiente. A iluminação e decoração estão sendo
transformadas pouco a pouco. Como devias imaginar, meu ‘chapa’ Comendador,
muita viola, muito cantador, afoxê, agogô, recorreco e ziriguidum comporão o
nosso Tucupi”.
Termina
o Sargentelli dizendo que topou uma parada duríssima, mas que está dando
tudo. É que ele não pensa em fracasso e, fracassando, ser rebaixado a Cabelli.
Ao contrário, a sua vontade de luta é enorme e há como que a certeza do
sucesso. Diz, concluindo: “Se não me faltar engenho e arte se os amigos ajudarem,
minha promoção a Tenentelli será uma barbada”.
Eu, Gustavo, gostaria de ter provado o Pato ao Tucupi do Sargentelli, em 1965. O que minha mulher
prepara é de tirar o chapéu. Mesmo sem ziriguidum.
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