Gustavo Maia Gomes
(Recife, 30-10-2018)
(Recife, 30-10-2018)
Outro
dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa
não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos
conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus
livros; ela, seus encantos.
Antecipei em vinte anos a Constituição brasileira, que obriga o governo
a gastar um quarto de seu dinheiro em educação, mas não cobra resultados. Eu
usava metade de meu tempo a procurar namoradas, sem encontrar nenhuma. Até
descobrir Marisa.
Na
outra metade, lia jornais, revistas e livros. Frequentava livrarias. A
Nacional, de seu Aluísio, na rua da Imperatriz, que mudou de nome para
Nordeste. Depois, a Livro Sete, de Tarcísio Pereira. Eram as minhas preferidas.
Ao ver
Marisa da primeira vez, eu tinha um livro à mão. Talvez fosse A Terceira Guerra
Mundial, de Wright Mills; ou Análise do Homem, de Fromm; ou Filosofia da Vida,
de Durant; ou a Lírica, de Camões; ou Cangaceiros e Fanáticos, de Facó.
Onde o
havia comprado? Na Nacional, com certeza. Já os “jornais do Sul” (como
dizíamos), outra de minhas paixões, eu os buscava na banca do Gasolina,
encostada ao edifício Trianon. Na praia distante, era difícil ler jornais.
Restringia-me aos livros levados do Recife.
Marisa
em praias sem gente, livros, jornais, bancas e livrarias são parte de meu
universo retrospectivo. Tudo isso está desaparecendo. As livrarias,
principalmente. Jornais e bancas, idem. Os livros em papel ainda terão alguma
sobrevida, não muita. A praia virou favelão. Marisa sumiu.
Para mim,
é uma pena – ou várias; para meus filhos e netos, significa nada. Não perdem
por esperar. Eles também terão os próprios símbolos queridos, efemeramente
desfrutados. E os amores inesquecíveis, quase tão bons de lembrar quanto de
viver.
Outro
dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa
não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos
conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus
livros; ela, seus encantos.
(Publicado no Facebook)
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