Gustavo Maia
Gomes
Em
artigo curto, mas importante ("A utopia de Lula e do PT acabou", O
Globo, 13/7/2017), o jornalista Zuenir Ventura relembra seu encantamento
original com o hoje condenado Luís Inácio e com a organização criminosa – no
começo, era um partido – por ele fundada. Dá dois motivos principais para seu
entusiasmo, que já se extinguiu:
(1)
Os padrões éticos do PT recém nascido: "Era raro encontrar um petista nos
escândalos políticos de então; hoje, é difícil haver um escândalo sem nenhum
petista envolvido". (Estou citando de memória; as palavras podem não ter
sido exatamente essas.)
(2) A
dedicação aos pobres. Zuenir recorda seu trabalho de jornalista acompanhando o
Lula dos primeiros tempos e se enternece retrospectivamente com as visitas que
o futuro larápio fazia aos lares mais miseráveis, sempre levando uma mensagem
de redenção. (Estou forçando a memória, mas creio que o essencial do pensamento
é esse.)
Santo de barro
Tenho
apenas um rápido comentário a fazer sobre (1): ainda bem que Zuenir Ventura
está entre aqueles raros admiradores de Lula e do PT íntegros e inteligentes o
bastante para reconhecer, em face das evidências reunidas pelas investigações
criminais, que seu santo era de barro. Viva o velho jornalista por tê-lo
admitido.
Isso,
entretanto, a despeito de sua enorme relevância, é o menos importante. Além de
ser óbvio. Só um cara muito burro, ou mal intencionado, ainda não se convenceu
de ter cometido grave engano ao votar seguidas vezes num político ladrão e num
partido dedicado a assaltar os cofres públicos. Portanto, eu prefiro dar mais
atenção ao ponto (2), acima: as conversas de Lula com as pessoas hoje
designadas como "excluídas".
Não
sei o que o líder operário dizia aos pobres a quem visitava, mas posso
imaginar. A herança cultural de Lula, assim como do sindicalismo ideológico, da
Teologia da Libertação, do revolucionismo marxista, da pedagogia de Paulo
Freire, da esquerda em geral, é o coitadismo, que tem como premissa básica uma
afirmação FALSA: a de que, se eu sou pobre, alguém está me roubando. Desde o
século XVIII, pelo menos, essa falácia nos persegue.
Muitas
razões respondem pela popularidade de tal crença. A mais evidente é que ela
produz o conforto simples sem o qual os idiotas não sabem viver. Quer coisa
melhor do que acreditar — e com o respaldo de gente conceituada: Marx chamou
seu socialismo de "científico"! — que aquele rico safado, possuidor
das coisas que eu gostaria de ter, é responsável pela miséria do mundo, a
começar pela minha?
Uma
segunda razão para tanta gente acreditar no afirmaçao "o roubo explica a
riqueza" é a incessante propaganda que a tese recebe. Um número elevado de
pessoas vence na vida se aproveitando da crença ingênua das multidões naquela
premissa falsa. E, portanto, trabalha para que tal convicção se torne a cada dia
mais firme e generalizada.
Ao
propagar a mentira, Lula, assim como os sindicalistas ideológicos, os teólogos
da libertação, os revolucionários marxistas, os pedadogos paulo-freireanos, os
esquerdistas em geral, reforçam o disfarce construído para ocultar o verdadeiro
objetivo de suas atividades, que é produzir vantagens para eles mesmos e seus
grupos.
Com
tanta gente dedicada à propaganda de teses reconfortantes e fáceis de entender,
não surpreende que elas se tornem ainda mais populares. E, assim, o palco é
montado para que uns poucos escolhidos promovam o "bem" do povo e a
felicidade geral deles próprios.
Falsidade ideológica
Com a
difusão da tese coitadista, os votos dos pobres (somados aos dos profissionais
liberais, professores universitários e intelectuais de formação duvidosa)
facilmente se canalizam para os que prometem combater os vilões causadores da
pobreza. Esses votos elegeram Lula e seus comparsas, os quais, em seguida, se
dedicaram ao que realmente lhes interessava: perpetuar-se no poder e enriquecer
além da imaginação.
Mas,
não foi apenas Lula e o PT que se beneficiaram com a convicção do povo na
premissa falsa. O fenômeno é muito mais geral e abrange todos os segmentos da
esquerda, no Brasil e no mundo. Seus efeitos têm sido, correspondentemente,
amplos. Por exemplos:
(i) A
mobilização dos trabalhadores sindicalizados (que são muitos) em defesa das
"conquistas trabalhistas" permitiu aos trabalhadores ligados aos
sindicatos fortes (que são poucos) conquistar salários anormalmente altos e
incompatíveis com sua produtividade.
(I) A
lenga-lenga da Teologia da Libertação deu azo a que pessoas intelectualmente
primárias ganhassem notoriedade nacional e fossem levadas a sério. Essa gente,
em maioria padres, também se sentiu merecedora da salvação eterna, por pugnar
pelos pobres e oprimidos.
(iii)
Os revolucionários marxistas tomaram o poder em várias partes do mundo e o
mantiveram por um tempo próximo à eternidade, beneficiando a si próprios da
forma a mais desabrida.
Riqueza é produção
Lula
e seus amigos estão errados. Contrariamente às convicções mais arraigadas da
esquerda, o que torna as pessoas ricas é a produção, não o discurso. Sendo
assim, só podem superar a pobreza de sua gente as sociedades altamente
produtivas. E o fato é que, até hoje, a humanidade não inventou nenhuma forma
de organização econômica mais capaz de gerar riqueza do que o capitalismo
operado pelos mercados livres e ancorado na propriedade privada dos "meios
de produção".
Não
há, portanto, outra forma de defender os pobres (ao invés de iludi-los e
usá-los) que não seja facilitando o desenvolvimento do capitalismo. Talvez
Lula, um dia, entenda isso, se lhe for dada a oportunidade, aí pelo vigésimo
ano de cadeia. Eu duvido.
(Publicado no
Facebook em 16/7/2017)
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