Gustavo Maia
Gomes
Ontem
(24/7/2017), compartilhei recorte publicado no Facebook por Carlos Linhares,
empresário na Bahia. Anúncios de concursos para promotor de justiça estadual
(no Rio Grande do Sul, salário R$ 22.213,44); e para médicos, em várias
especialidades (município de Caxias do Sul, no mesmo Estado, salário R$
3.291,54). Está provado assim que, no Brasil austral (mas, não apenas lá), um
promotor vale seis médicos.
É
sabido que divergências salariais extremas existem no setor público brasileiro
e elas não se limitam ao caso acima. Sem ser novidades, são escandalosas. Ainda
mais chocante é vê-las expostas no mesmo Estado, no mesmo dia, na mesma página
de jornal — um anúncio ao lado do outro. De onde veio isso?
No
setor privado, os salários se determinam no mercado (oferta, demanda), sujeito
a condicionantes "políticas" (leis trabalhistas). Proporções?
Estimativa grosseira: 80% mercado; 20% política. No governo, as percentagens se
invertem: política, 80; mercado, 20.
Isso
dito, passo aos fatos. O que houve no Brasil, após 1985, foi um gradual, mas
intenso, fortalecimento do poder político de certos grupos profissionais.
Limitando-me ao setor público, destaco os casos de procuradores, promotores,
juízes, deputados, senadores, auditores fiscais... Todos esses, nem eram, mas
ficaram muito fortes, desde o fim do regime militar.
Com o
Judiciário desfrutando de completa autonomia (ao contrário do que ocorria
antes), os fazedores e os executores de leis passaram a ter medo de
procuradores e juízes. Portanto, demandas por salários estratosféricos e por
mais dinheiro para os tribunais passaram a ser atendidas sem qualquer apelação.
Com o
direito à greve, na prática, garantido aos funcionários públicos, também após
1985, aqueles grupos profissionais cujo trabalho é diariamente vital para o
funcionamento do governo (por exemplo, os cobradores de impostos) logo
perceberam que podiam ganhar – como ganharam – todos os aumentos salariais que
pleiteassem. Nem preciso falar de deputados e senadores, detentores diretos de
poder, num regime democrático. Esses decretam seus próprios rendimentos.
Em
contraste, os funcionários públicos de outras qualificações – cujo poder
político revelou-se incomparavelmente menor – foram ficando para trás. Médicos,
professores, acendedores de lampiões podem paralisar atividades, mas a vida
segue "normal" sem seu trabalho. Já houve greves de até seis meses em
universidades públicas brasileiras. Os alunos foram muito prejudicados, mas os
professores não ganharam coisa nenhuma.
Nos
anos petistas da Grande Destruição, 2003-2016 (Paulo Roberto de Almeida), um
novo elemento se agregou a esse quadro: na ânsia de conseguir votos
distribuindo favores, o governo aumentou substancialmente os salários dos
funcionários públicos em geral. Isso teve consequências específicas (por
exemplo, tornou aguda a assimetria entre as aposentadorias "públicas"
e "privadas"), mas não afetou as disparidades de ganhos entre os
servidores públicos.
De
todo modo, temos um monte de problemas nessa área. Se, um dia, chegar ao fim a
fase atual de denúncias e condenações dos corruptos, com as cadeias enchidas e
as retóricas esvaziadas, teremos oportunidade e necessidade de pensar sobre
essas coisas. Inevitavelmente, ao fazê-lo, estaremos refletindo sobre as
"regras do jogo". Com alguma probabilidade (política) de implantar
regras melhores?
Não
sei, mas aceito palpites. Meu amigo argentino, Atilio Elizagaray, pessoa de
alta competência, com quem tenho conversado muito estes dias, acha que o Brasil
tem mais chances do que seu país de resolver esses e outros problemas
fundamentais (dentre os quais, o pior deles, a tentação populista). Eu não
tenho tanta certeza.
(Publicado no
Facebook em 25/7/2017)
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