Gustavo Maia Gomes
Na foto, de cima para baixo, da esquerda para a direita: Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Dinah Silveira de Queiroz, Emil Farhat, José Lins do Rego, Leda Maria de Albuquerque, Graciliano Ramos, Lúcio Cardoso, Nelson Rodrigues, Antônio Accioly Netto, Millor Fernandes e Rachel de Queiroz.
Dos tempos do Império até, pelo menos, 1960
(quando Brasília foi inaugurada), o Rio de Janeiro atraiu gente de todo o
Brasil. Nas minhas pesquisas sobre os familiares que viveram antes de mim, identifiquei muitos casos de homens
(e mulheres -- poucas, apenas quando casavam e tinham de acompanhar o marido --) que saíram de
Pernambuco e de Alagoas para irem morar, por um tempo, ou pelo resto da vida,
na antiga capital federal.
O fascínio exercido pelo Rio de Janeiro sobre alagoanos, pernambucanos, paraibanos, mas também baianos, mineiros, paraenses... tinha várias explicações. (Não estou incluindo o caso de nordestinos muito pobres tangidos pelas secas.) O Rio foi, durante décadas, a maior cidade do país, em população e importância
econômica. Culturalmente, nem se fala. Como Corte, até 1889, ou Capital
Federal, até 1960, abrigava boa parte da burocracia estatal do Brasil. Sediava
a Câmara de Deputados e o Senado. Tinha os melhores jornais do país. O maior número de
teatros. A mais intensa programação de espetáculos. As mais requintadas confeitarias. Faculdades de Direito, de Medicina, escolas de Engenharia. Oportunidades infinitas para boêmios em potencial.
Enfim, morar no Rio era a glória. Os paraenses
ricos, por exemplo, conta minha mulher, Lourdes Barbosa, nas épocas de fausto da borracha ou do
dinheiro fácil da antiga Sudam, tinham, todos, seus apartamentos naquela
cidade. Se não passavam ali o ano todo, muitos dos filhos o faziam, enquanto
cursavam faculdades ou, simplesmente, bebiam uísque nos bares cariocas. Para
lá iam, de todos os estados, os deputados e senadores com suas famílias -- não era incomum que jamais retornassem à sua terra natal; os
funcionários públicos que conseguiam uma “colocação” vantajosa, geralmente,
graças a um bom “pistolão” (hoje diríamos: uma boa indicação política). Também iam bacharéis que sabiam escrever e se dispunham a ganhar a vida como
jornalistas. Enfim, o Rio representou, para os brasileiros de outras paragens, o que Paris foi, em diversos momentos, no mundo ocidental: um polo magnético.
Hoje não é mais assim. Que pena.
UM
ALAGOANO NA IMPRENSA DO RIO (1945)
Luís Alípio Gomes de Barros (ainda não sei as
datas de seu nascimento e morte) foi um desses casos de gente do Norte e do
Nordeste atraída para o Rio de Janeiro. Era filho de Laurentino Gomes de Barros
(1881-1958) e de Amália Maia Gomes (?-?); sobrinho de meu avô Nominando Maia
Gomes (1887-1966) e tio de Humberto Gomes de Barros (1938-2012), sobre quem
falei aqui, recentemente.
Desconheço a razão específica que levou Luís Alípio
para o Rio de Janeiro. Sei, entretanto, que ali ele fez carreira como
jornalista e escritor. Crítico de artes, especialmente, de cinema, manteve durante anos na revista O Cruzeiro a seção “No mundo
dos livros”. Foi onde, em novembro de 1945, ele teve a ideia de perguntar a doze
escritores já famosos o que eles achavam daqueles livros ainda hoje chamados best-sellers, os que vendem muito, mas nem sempre têm boa qualidade literária.
Foram entrevistados os poetas Murilo Mendes (1901-75),
nascido em Juiz de Fora, MG; Manuel Bandeira (1886-1968), nascido no Recife, PE; os
romancistas José Lins do Rego (1901-57), Pilar, PB; Antônio Accioly Netto,
sobre quem não pude reunir mais informações; Dinah Silveira de Queiroz
(1911-82), de São Paulo; Graciliano Ramos (1892-1953), de Quebrângulo, AL; Lúcio
Cardoso (1912-68), de Curvelo, MG, e Rachel de Queiroz (1910-2003), nascida em
Fortaleza, CE. Também foram ouvidos a autora de
um livro de contos Leda Maria de Albuquerque (?-?), nascida no Rio de Janeiro; Millor
Fernandes (1923-2012), humorista, também carioca; Emil Farhat, ensaísta,
libanês, nascido em 1914, e Nelson Rodrigues (1912-80), jornalista e teatrólogo, pernambucano do Recife.
Uma síntese das respostas está dada mais adiante. Neste ponto, quero enfatizar o seguinte: dos onze intelectuais de destaque entrevistados
pelo alagoano Luís Alípio Gomes de Barros cujo local de nascimento pude
identificar, somente dois eram cariocas. Os demais se distribuíam, em suas
origens, por Minas Gerais (2), Pernambuco (2), Paraíba, São Paulo, Alagoas,
Ceará e – no caso de Farhat, o Líbano.
O Rio era, de fato, a Paris brasileira na primeira metade do século XX.
SOBRE
OS BEST-SELLERS
Mas, o que disseram os doze homens e mulheres
sobre os best-sellers? Copio da matéria assinada por Luís Alípio de Barros (ele
não usava o Gomes profissionalmente):
Murilo
Mendes,
poeta: “Sem dúvida, o best-seller está muitas vezes fora da literatura. Mas, se
acabássemos com ele, muitos espíritos ficariam sem alimento”. Manuel
Bandeira,
poeta: “Pessoalmente, não sou um leitor de best-sellers. Mas acho que eles têm
uma função muito útil que é a de habituar o grande público à leitura, fazendo-o
depois procurar leitura mais substancial”
José
Lins do Rego,
“o romancista do Ciclo da cana-de-açúcar”: “O best-seller é um divertimento,
uma pantomima. Um subproduto do romance”. Leda
Maria de Albuquerque, contista de “A semana de Miss
Smith”: “Embora nunca leia best-sellers, e acredite que a maioria está longe de
corresponder à fama que têm, eu os considero muito úteis, pois conseguem
interessar a um grande número de pessoas que um livro mais discreto não seria
capaz de interessar”.
Nelson
Rodrigues,
autor de “Vestido de noiva” [peça teatral]: “Se há uma eternidade assegurada, é
a do best-seller. A grande literatura pode acabar por muitos motivos, inclusive
uma crise definitiva de leitores. O best-seller não. Existiu sempre e existirá
até a chamada consumação dos séculos”. Antônio
Accioly Netto, romancista de “A Salomé de olhos verdes”. “o
best-seller, entre outras utilidades, tem uma, importantíssima – abre caminho,
difunde o gosto pela leitura.A| preferência pela qualidade virá depois. Ninguém
pode começar pelo fim”.
Dinah
Silveira de Queiroz, autora do romance “Floradas na
serra” e do livro de contos “A sereia verde”: “Cervantes, Dickens e Balzac, se
vivessem hoje, poderiam nos dar best-sellers. Não simpatizo com a ideia de o
escritor servir apenas a um mandarinato intelectual”. Emil
Farhat:
“Certos bons escritores têm prevenção contra best-sellers. Mas trata-se do uma
opinião ‘torre de marfim’. Com isso eles insinuam que o livro de que o povo
gosta não é coisa digna de ser considerada criação literária”.
Graciliano
Ramos,
romancista de “Angústia”, “São Bernardo” e “Vidas Secas” e que agora acaba de
publicar “Infância”: “Não tenho tempo de ler essas coisas. Best-seller quase
sempre é uma coisa fora da literatura”. Lúcio
Cardoso,
romancista: “Atualmente, o best-seller é um movimento útil, se bem que
injustificado. Sabemos por seu intermédio que há romances capazes de
apaixonarem eminentemente o público, e são maus romances”.
Millor
Fernandes
“que figura entre os melhores contistas da nova geração”: “O fato de ser o mais
vendido nada significa. O público erra muito, mas também acerta. De forma que o
best-seller tanto é a Bíblia quanto E o vento levou”. Rachel de Queiroz, “a romancista de ‘Quinze’ “Best-sellers? Dou
graças a Deus quando não me dão para traduzi-los”. (Fonte O
Cruzeiro, RJ, 17/11/1945, págs. 72-73.)
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