Gustavo Maia Gomes
Quando terminei de ler a excelente
biografia de Getúlio Vargas escrita por Lira Neto (São Paulo, Companhia das
Letras), estava marcado por inúmeras revelações importantes. Juntando-as ao que
já tinha aprendido antes, conclui que, em todos os momentos, de 1889 a 1964, algum
golpe de Estado estava sempre sendo preparado para derrubar o governo. Sem surpresa:
afinal, a própria República começara com a tomada do poder por uns poucos militares
e seus cavalos e nunca descobrimos se um dos dois sabia o que estava fazendo.
Não poderia ter sido diferente com o
governo João Goulart (1961-64). Herdeiro de Getúlio Vargas, mas desprovido da
inteligência e carisma deste, Jango foi quase uma avant-première de Dilma
Rousseff, ou seja, um absoluto desastre político, econômico e administrativo.
Desde que assumiu, com poderes limitados (um veto militar à sua posse na
Presidência, como sucessor do renunciante Jânio Quadros, levou à instauração do
parlamentarismo), tratou de piorar a própria situação (e a nossa!).
Quando o país precisava de uma boa
política econômica, ele entregou a demagogia populista. Jogou todas as fichas
na defesa de “reformas de base”, que nada mais eram do que ameaças à produção.
Virou marionete das centrais sindicais e sindicatos controlados por pelegos,
cuja única aspiração era chupar mais dinheiro público para eles mesmos. Nos
estertores de seu governo, Jango, como se estivesse convidando os militares a
depô-lo, apoiou ou foi conivente até mesmo com um motim de marinheiros.
Não há dúvida de que João Goulart foi
um desastre. Sua inépcia estava, sim, ampliando as probabilidades de tomada
violenta do poder pela esquerda (à época, quase toda, comunista), o que teria
levado o país a uma ditadura ainda mais violenta e longeva do que aquela de
direita, porém, reformista que viríamos a ter. (Basta pensar em Cuba, na
América Latina, ou em qualquer país comunista, no mundo.)
Justificaria isso a intervenção
militar violenta que tivemos em 31 de março e 10 de abril de 1964? Na
época, achei (e ainda acho) que não. Mas, é fácil fazer previsões sobre o
passado. Difícil é tomar decisões sob a incerteza do que virá, se nada for
feito agora. O regime militar que se implantou há 53 anos e que iria durar
outros 21, sem dúvida, trouxe benefícios ao país. O esforço de racionalização
da política econômica, entre 1965 e 1967, com Roberto Campos e Otávio Bulhões
no comando, poderia ser citado: ele nos livrou de uma hiperinflação que já parecia
inevitável, muito antes de abril de 1964.
Houve avanços em outras áreas. Os
padrões de moralidade no trato da coisa pública – salvo prova em contrário que,
até hoje, não apareceu – foram melhorados. Basta ver que nenhum alto dirigente
do regime militar ficou rico, como já era comum à época – basta citar o caso do
“rouba, mas faz” Ademar de Barros, por duas vezes governador de São Paulo. O
avassalador crescimento do poder dos sindicatos, que só poderia levar ao
descalabro econômico e à instabilidade política, foi detido, por um tempo. (Seria
restabelecido, mais adiante, na era petista, com os resultados que estamos
vendo.)
Mas o golpe trouxe, também, altíssimos
custos, devidos à interrupção do processo democrático (iríamos ter eleições em
1965!) e ao excesso de poder conferido a militares, muitos deles, imbecilizados
pela doutrina que opunha de forma maniqueísta, os “bons”, liderados pelos
Estados Unidos, aos “maus”, seguidores da União Soviética. Doutrina que
justificou apreensões, em operações policiais, até mesmo de discos que
continham a música “Noites de Moscou”, e que transformou o debate político em
caso de polícia, favorecendo o aparecimento da reação armada (e desastrosa) ao governo.
Devia haver mesmo algo muito errado
com aquele regime que deu espaço para uma reles terrorista e assaltante de
bancos, como a nossa ex-presidente, querer, até hoje, se passar por heroína. Em
retrospecto, acho que teria sido muito melhor se não tivesse havido o golpe
militar (desde que, tampouco, tivesse havido uma tomada de poder pela esquerda
comunista), mas isso, reconheço, é uma coisa mais fácil de dizer hoje do que no
calor dos acontecimentos daquele longo 31 de março de 1964.
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