Gustavo Maia Gomes
Aguente um pouco, leitor. Antes dos sururus, carapebas, pitus e ostras que faziam a delícia dos paladares alagoanos, quero falar de meu primo Luís Alípio Gomes de Barros. Já digo quem foi ele. No dia 30/5/2015, O Globo publicou carta em que o leitor José Hamilton Moniz do Amaral corrigia erro anterior do jornal. Dizia o missivista:
"Gostaria de fazer justiça ao
real pioneiro do jornalismo gastronômico, Luís Alípio de Barros. Entre os anos
1950 e 1960, sob o pseudônimo de Comendador Ventura, ele assinou a coluna ‘Não
morra pela boca’, na Última Hora [do
Rio de Janeiro]". (O Globo, 30/5/2015, pág. 15.)
A primeira “Não morra pela boca” que consegui resgatar foi a do dia 9/9/1961,
mas isso não exclui a possibilidade de que outras tivessem sido publicadas
antes. (A última que localizei foi de 1984.) Falar em jornal sobre restaurantes
e gastronomia, que hoje virou moda, há 60 anos, era uma novidade. Representou, contudo,
uma coisa natural para Luís Alípio, que já escrevia na Última Hora sobre cinema e vida noturna.
Das usinas de açúcar aos
cinemas e jornais
Filho de Laurentino Gomes de Barros e de Amália Maia Gomes, Luís Alípio
nasceu em Murici (AL), no mesmo ano (1920), ou pouquíssimo depois (1921?) de
criada a Usina Campo Verde. Seu pai foi um dos sócios da empresa Maia &
Cia., fundada pelos cunhados Juvenal, José, Jovino, Antonio e Fernando Maia
Gomes (e por ele próprio, Laurentino) com o objetivo específico de construir e
operar uma indústria de açúcar. Quatorze anos depois, Laurentino desligou-se da
Campo Verde e foi construir sua própria usina (a Santa Amália), na região do
Alto Camaragibe alagoano.
Nessa época (1934), deduzo a partir de informações ainda muito
precárias que consegui reunir, Luís Alípio morava e estudava em Maceió. Uma
matéria sobre ele (Salvyano Cavalcanti de Paiva, “Antologia dos cronistas
cariocas: Luís Alípio de Barros”, revista A
cena muda, RJ, 18/1/1951, pág. 14) afirma que o futuro jornalista “começou
a ter interesse pelo cinema nos tempos do Cine Delícia, cinema mudo da Rua do
Sol, onde assistiu aos mais notáveis clássicos silenciosos”.
Em 1944, já o descubro ocupando posição de realce na imprensa carioca,
titular que era da seção “O mundo dos livros” da revista O Cruzeiro. Ao mesmo tempo, colaborava com vários jornais, mas , quando Samuel
Wainer fundou a Última Hora (1951),
Luís Alípio de Barros transferiu-se de armas e bagagens para lá, onde viria a
assinar a coluna de cinema com seu nome real e outra, sintomaticamente chamada
“Ronda da Meia Noite”, com o de “Comendador Ventura”.
Tendo de reduzir as atividades jornalísticas para assumir um cargo
administrativo na Última Hora, Luís
Alípio pôs o Comendador na geladeira, por assim dizer. Mas, só por um tempo. Em
1961, o personagem boêmio e um tanto cínico (que, na verdade, fora criado pelo
cartunista argentino Divito, anos antes) retornaria assinando a já mencionada
coluna gastronômica “Não morra pela boca”.
Recordações gastronômicas de
uma viagem a Maceió (e a Goiana, Caruaru...)
Embora definitivamente fixado ao Rio de Janeiro, Luís Alípio de Barros,
vez por outra, vinha ao Nordeste. Depois de uma dessas visitas, escreveu na
sua coluna, o seguinte (copio, mas edito um pouco, para maior brevidade):
Coluna "Não morra pela boca"
(Última Hora, RJ, 30/1/1965)
Comendador Ventura
De vez em quando, acontece:
o sururu some da Lagoa Mundaú. No momento, mesmo, não há sururu nos cardápios
de Maceió. Falta o precioso molusco, o “prato da guerra” dos alagoanos. O
motivo foi o inverno rigoroso de 1964, que fez o Rio Mundaú despejar na lagoa
de mesmo nome um impressionante volume de água doce.
Problema idêntico ao do
sururu foi criado para as ostras da formidável lagoa. As famosas ostras também
andam como que desaparecidas, fazendo que no popular “Bar das Ostras”,
restaurante de instalações rústicas na margem da Mundaú e dentro de Maceió,
conhecido hoje no Brasil inteiro, não se possa servir, provisoriamente, a atração
culinária que lhe dá o nome.
Mas, no "Bar das Ostras" podem-se
comer os melhores camarões do Brasil, assim como respeitabilíssimas peixadas. É
bom que se frise que Maceió não está muito bem servido de
restaurantes. Tirante o “Bar das Ostras”, que é um restaurante típico e de
instalações precárias, o que há mesmo, como casa atraente e simpática, muito
bem instalada e dominando uma das mais belas praias do mundo, é o restaurante
do tradicional Clube Fênix Alagoana.
Ali come-se bem, uma
comidinha trivial, com um ou outro prato da terra. Será, sem dúvida, o mais “internacional”
restaurante da capital alagoana. Em matéria de ambiente, então, a coisa
funciona esplendidamente. O restaurante, mesmo pertencendo a um dos clubes mais
fechados em suas atividades sócio-recreativas, é aberto ao público. Para o
visitante, é um achado, numa cidade
praticamente sem restaurantes, como é Maceió.
Pitu, uma maravilha
Quem de vocês que nos estão
lendo, neste momento, comeu já uma pitusada? Alguns poucos, certamente. Os que
já comeram sabem, mas os que ainda não comeram não podem imaginar as delícias
de uns pitus cozidos (com casca e tudo) acompanhados com o pirão feito com o próprio
caldo da pitusada.
Lagosta mirim (ou um camarão
maior?), o pitu é uma das preciosidades dos rios nordestinos. O velho Mundaú,
que o inolvidável Jorge de Lima [poeta alagoano, nascido em União dos Palmares,
1893-1953] consagrou em versos de rara beleza, é um rio onde proliferam os
pitus. Aquele que come uma pitusada do Mundaú jamais esquece.
Mas é preciso parar algum
tempo em Alagoas para conseguir provar dos pitus maravilhosos do Mundaú. Ou de
outros rios. Uma pitusada regada a um “branco” seco, geladinho, ou a
cervejotas, destas de tinir, de geladas.
Carapeba, outra maravilha
Não sabemos como ele se
chama em outras regiões e outros mares, mas no Nordeste há um peixe que se
conhece como carapeba. É pequeno, até certo ponto, com uma forte camada de
espinhas dividindo suas carnes. Mas, quando frito, é dos mais gostosos peixes
que este velho Comendador conhece.
Especial para um começo de conversa
no almoço ou no jantar. Ou para ser enfrentado, em horas outras, na base de uma
“abrideira”, de uma cervejota ou de um “branco” seco. A carapeba frita está
para o nordestino assim como as sardinhas assadas estão para os portugueses... Não
se sabe qual seja a melhor.
Umas e outras
[Nem tudo é Maceió, porém.] Bom danado é também ir a Goiana
(PE) a 35 quilômetros do Recife, para comer uns guaiamuns (caranguejos) no “Buraco
da Jia”. Ou ir a Caruaru (PE), para uma carne de sol de verdade. Lá para as
bandas de Caruaru, Pesqueira, Arcoverde, come-se uma carne-de-sol de se tirar o
chapéu (de couro).
Uns camarões de água doce (camarões
de rio) têm seus encantos. São uma das preciosidades do Nordeste
brasileiro. Quando aparecerem por lá, tentem encontrar uns camarões de água
doce. Torrados, cozidos ou fritos no azeite de oliva, são geniais. De modo
principal, em horas extra almoço ou jantar, ou melhor, na hora do drinque.
Provem, um belo dia, e verão
se este velho Comendador não tem razão. [Mas, deixando os camarões,] há um botequim, em Maceió, o “Carne Assada”,
na Praça Deodoro, que serve uma carne assada com feijão (especial) que é de se
repetir e repetir... (Última Hora, RJ, 30/1/1965, pág. 12.)
E hoje (2017)?
Contrariamente ao que Luís Alípio de Barros, o Comendador Ventura,
observou em 1965, a Maceió de hoje é bem suprida de restaurantes. Posso citar,
pela própria experiência e com a ajuda de minha mulher Lourdes Barbosa, como bons ou aceitáveis o
Massarella, o Basilico, o Santo Orégano, o Lopana, o Imperador dos Camarões, o
Wanchako, o Picuí, o Akuaba, o Divina Gula, o Maria Antonieta, o Armazém Guimarães,
o Peixarão...
Deve haver muitos outros. Recentemente, tivemos uma reunião de família
no Maria Antonieta, que não me decepcionou. (Ao contrário.) A pizza do Armazém
Guimarães também se tornou bem conhecida de mim e de meus habituais companheiros de
viagem, como Lourdes e meu irmão Ivan. Gosto dela. O Imperador dos Camarões se
destaca, sobretudo, pelos seus preços. (Há uma promessa de que, um dia, a qualidade da
comida um dia fará jus a eles.) Ivan, Murilo Lins Marinho, Naia Gomes de
Freitas, Arnoldo Gomes de Barros e eu almoçamos, recentemente, no restaurante do
Hotel Jatiúca, que eu achei muito bom.
A proliferação de restaurantes em Maceió responde, diretamente, ao
grande aumento de turistas que a cidade passou a receber, nos últimos vinte
anos. Talvez já não seja tão fácil encontrar, no circuito gastronômico mais
badalado da capital alagoana uma boa pitusada do Mundaú, ou carapebas, sururus,
camarões... O Bar das Ostras, penso eu, já não existe. Na minha última visita,
talvez há uma década e meia, ele funcionava em outro endereço e tentava ser
um restaurante chique. Não deu certo. Nem podia.
Ainda há carapebas em Maceió, mas são raras. Papai as adorava.
Ainda há carapebas em Maceió, mas são raras. Papai as adorava.
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