O
DNOCS é o mais antigo órgão federal com atuação exclusiva no Nordeste, mais
precisamente, no Semiárido brasileiro. Foi criado como Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS) em 1909; virou IFOCS em 1919, o “F” representando
“Federal”. Em 1945, passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas, seu nome atual, de onde deriva a sigla pela qual é conhecido.
A
ex-Inspetoria é credora de grandes benefícios legados aos brasileiros (embora
isso raramente seja reconhecido), mas nunca teve vida fácil. Ao contrário. Tendo
sido, de 1909 a 1959, a única instituição federal responsável por amenizar os
efeitos das secas sobre as populações atingidas pelo fenômeno, concentrou sobre
si todas as reclamações daqueles que desaprovavam a maneira como isso era
feito.
As
mais devastadoras críticas diziam respeito à alegada apropriação pelas elites
locais das verbas destinadas a socorrer as vítimas da estiagem, num enredo
conhecido como “indústria da seca”. As objeções mais brandas – porém, em longo
prazo, não menos corrosivas –, eram levantadas por economistas e centravam fogo
no “enfoque hidráulico”, uma filosofia enraizada na cultura do DNOCS (desde
1909, dominado por engenheiros) injustamente descrita como significando que,
para “combater as secas”, seria necessário e suficiente construir açudes.
O
então prestigiado economista Celso Furtado e, sob sua inspiração, a Sudene
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, criada em 1959) dos primeiros
anos, escolheram o DNOCS como o perfeito bode expiatório – apresentando-o como
uma espécie de antítese da bondade. Enquanto a nova instituição se vangloriava
de ser “moderna”; a antiga era tida como superada e corrompida.
Para
seus defensores, a modernidade da Sudene, que contrastava com o anacronismo do
DNOCS, tinha múltiplas faces. Por exemplos:
(i)
A Superintendência se vinculava diretamente à Presidência da República. Ela
era, portanto, capaz de realizar o bem comum. Representava o Estado onisciente,
benevolente e poderoso, tal como idealizado pelos intelectuais de esquerda.
Seria imune às pressões dos mandachuvas locais, enquanto o velho DNOCS havia
sido capturado pelos coronéis do Sertão, a tal ponto que sua ação beneficiaria
os ricos, não os flagelados pelas secas.
(ii)
A nova autarquia tinha sua “Bíblia”: o Relatório do GTDN, um documento
alegadamente respaldado na melhor “ciência” econômica então conhecida. (À
época, todo mundo sabia de cor que aquelas letras significavam Grupo de
Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.) Em contraste, as ações do DNOCS,
na interpretação dos economistas “modernos”, não teriam qualquer teoria a lhes
garantir a coerência. Resultavam do mero empirismo; apenas refletiam as ideias
primitivas dos engenheiros. (—Ora, onde já se viu combater as secas acumulando
água!)
Mas,
nada é tão cruel para os crentes como a passagem do tempo. Os primeiros
cristãos tinham certeza de que Jesus voltaria em poucos meses – ou, no máximo,
anos. Passados alguns séculos (dois milênios, de fato), precisaram revisar suas
expectativas. O Terceiro Reich alemão, que iria durar mil anos, desapareceu em
doze. Até o Império bolchevique, que parecia sólido como a vontade de Stálin,
se acabou. Só a inocência de Lula não dá sinais de esmorecer.
Em
palcos menos heroicos, a “moderna” Sudene brilhou, de fato, durante meros cinco
anos. Sua estratégia de desenvolvimento não transformou o Nordeste, seja porque
era incapaz disso, seja porque não lhe foi dado o tempo suficiente. Já o
“infantil” enfoque hidráulico (que só podia caber na cabeça de engenheiros!)
sacudiu a poeira e voltou ao pódio.
Afinal, o que é a Transposição do São Francisco
senão a vitória de Miguel Arrojado Lisboa, primeiro “inspetor geral” da IOCS,
sobre Celso Furtado, inventor da Sudene?
Nenhum comentário:
Postar um comentário