Tenho
acompanhado de longe a controvérsia sobre essas exposições de arte. (Sim,
inclusive aquela com um homem nu tocado por crianças.) Soube das reações
inflamadas contra elas – assim como das ainda mais inflamadas reações contra as
reações. Se não estou enganado, o banco que patrocinava a primeira das duas
mostras decidiu suspendê-la, certamente, temeroso de perder clientes. Parece-me
que a segunda também foi prematuramente encerrada.
Alguns
dos meus amigos e amigas entraram no debate, a maioria, defendendo as
exposições. Outras pessoas postaram pinturas clássicas com nus femininos
frontais. Masculinos, também. Portanto (penso ter sido este o raciocínio), as
exposições objeto da controvérsia tratavam, sim, de arte. Fechá-las seria ato
de obscurantismo, uma manifestação de censura incompatível com a democracia
ocidental, universal e brasileira.
Sem
ninguém me haver pedido, dou minha opinião sobre a temática geral. Esclareço
que não me refiro às duas exposições específicas, pois não as conheci, nem
mesmo em descrições detalhadas. Falo em tese.
“É
arte?”
O
fato de um quadro (ou “instalação”?) conter a representação do nu não o
desclassifica como obra de arte. Mas, tampouco, o promove a tanto. Quem
frequenta sanitários públicos já viu desenhadas ali uma enorme quantidade de
bundas, pênis, vaginas e peitos. O conjunto dessa obra pictórica (ou seria
mictórica?) merece uma tese em sociologia, mas poucos de nós estaríamos
dispostos a colocá-lo no teto da Capela Sistina, em substituição aos afrescos
de Michelangelo.
Isso,
quanto ao nudismo, em si. E quanto ao “choque”, moral ou cultural, por assim
dizer? Ao longo da História, correntes artísticas que, depois, foram
consideradas valiosas, abriram seu caminho até o reconhecimento desafiando as
crenças e costumes preestabelecidos. A primeira exposição de pintores
impressionistas, em 1874, foi muito mal recebida pela crítica e o público. As
reações iniciais (de outros artistas, pois Picasso esperou anos para exibir sua
obra) à Les Demoiselles D’Avignon, principal tela cubista, foram de choque e
horror.
Os
exemplos poderiam ser multiplicados. Mas, de novo, o impressionismo e o cubismo
vieram a ser, mais tarde, reconhecidos como expressões artísticas importantes,
não pelo espanto que causaram e, sim, pela qualidade intrínseca de suas obras.
Exemplifico.
Alguém já ouviu falar em Zé Marrom? Não? Nem eu. Pois, vou contar a história
dele, assim mesmo. Era um comerciante muito rico que resolveu ser pintor. Produziu
duzentos quadros horrorosos. Ninguém os comprou. Jamais um crítico se referiu a
eles. Como tinha muito dinheiro, Marrom alugou o mais importante museu do país,
na maior cidade do continente, pagou anúncios de jornal e expôs seus quadros à
visitação pública, sem cobrar entradas. A exposição foi um fracasso e o assunto
morreu ali. Tanto que você nunca tinha ouvido falar no pintor.
Desconfio que Zé Marrom pode ser o homem nu com os
argumentos expostos ao manuseio público num evento de arte em São Paulo. De
novo, todo mundo achou aquilo uma m. O cara devia voltar a vender secos e
molhados.
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