16 de agosto · Recife ·
Continuo meu relato de um romance argentino, baseado nas informações de Félix Luna, “Soy
Roca” (Buenos Aires, Editorial Sudamerica, 1989; edição de bolso, 2005). Julio
Argentino Roca (1843-1914) foi um militar e político duas vezes presidente de
seu país. Ele casou-se com Clara Funes, enviuvou em 1890 e manteve por longos
anos um caso de amor clandestino com Guillermina Maria Mercedes de Oliveira
Cezar y Diana (1870-1936).
“Quando
encontrei Guillermina”, diz o general e político, apud Félix Luna, “estive
enamorado como um cadete” (pág. 310). Mas a mulher – frequentadora da alta
sociedade portenha – era casada com Eduardo Wilde (1844-1913), vinte e cinco
anos mais velho que ela, também figura de destaque, “um dos mais preclaros
expoentes da geração de 1880” (Juan Carlos Serqueiros), ministro da Justiça e
Instrução Pública no primeiro governo Roca.
Guillermina
e Julio mantiveram um romance intenso, durante quase uma década. Todo o país
sabia do caso. O marido traído, um intelectual livre pensador, não o ignorava,
tampouco. E, no entanto, jamais reclamou. Na segunda gestão de Roca, assumiu,
novamente, funções importantes. Nomeá-lo para um cargo em Buenos Aires foi o
meio infalível que o presidente encontrou para manter Guillermina nas
proximidades.
Quando
o mandato presidencial já estava no quarto ano (1901), Julio Roca, finalmente,
compreendeu o risco que significava para sua sobrevivência política continuar
aquele romance de amor clandestino, porém, de conhecimento público. Com o
coração partido, nomeou Eduardo Wilde embaixador da Argentina, primeiro em
Washington, depois na Bélgica e Holanda. Pretendia, com isso, dar um sinal
inequívoco de que seu caso com Guillermina estava encerrado.
Contudo,
ainda haveria um clímax da despedida. Com o marido e ela própria já instalados
na Europa, Guillermina encontrou na morte de seu pai a justificativa perfeita
para vir a Buenos Aires e rever o amante. Foram 45 dias de lua de mel, confessa
Roca, pela pena de Félix Luna. “Foi um mês e meio: o último presente de tempo
que nos brindou o destino. Estávamos quase sós em Buenos Aires [devido a ser
época de férias]”.
Mas,
"não faltou quem nos apontasse o escândalo de nossa relação",
continua o presidente enamorado, nas palavras a ele atribuídas por Félix Luna:
“o mais cruel, a capa da revista Caras y Caretas, que fora lançada recentemente
com enorme sucesso, onde aparecíamos o ministro das Relações Exteriores e eu.
Jogando com o fato de a esposa de Wilde e a rainha da Holanda terem o mesmo
nome, Alcorta [o ministro] me dizia que a imprensa criticava a nomeação de
Wilde como ministro [embaixador]. – Pois confio que Guillermina me agradecerá...
– respondia eu”. (pág. 358)
Eis
o que, no livro “Soy Roca”, Julio Argentino diz sobre a mulher de sua vida:
"Em uma etapa tão amarga e cheia de fracassos políticos, Guillermina me
deu um amor como eu jamais havia conhecido. Nada parecido com as fugidas que eu
dera com mulheres em minha juventude, nem com os parcimoniosos ritos de minha
vida matrimonial, nem com as aventuras ocasionais destinadas a provar-me que eu
continuava capaz de seduzir. Com Guillermina, vivi um amor pleno e completo,
oferecido e recebido para nos saciar sem medida um com o outro" (pág.
314).
Guillermina
nunca teve filhos, o que livrou seu marido de enfrentar um vexame, pois se
dizia que o casamento dos dois não tinha sexo. Era, em todo caso, livre,
coerentemente com as ideias avançadas de Wilde, “proeminente médico, pensador,
periodista, escritor e político” (Juan Carlos Serqueiros).
As
más línguas, como sói acontecer, não pouparam o marido traído, porém, protegido
pelo amante poderoso de sua mulher. A ele, Eduardo, os contemporâneos
atribuíram a frase devastadora: “os chifres são como os dentes: doem ao sair,
mas ajudam a comer”.
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