Gustavo Maia Gomes
(Fragmento do livro “Uma Noite em Anhumas”, com previsão de publicação em 2020)
(Fragmento do livro “Uma Noite em Anhumas”, com previsão de publicação em 2020)
A noção de honra, no velho
mundo canavieiro-açucareiro, tinha duas conotações principais. Uma a
relacionava à satisfação dos compromissos financeiros. A outra remetia às
mulheres, em geral, e à virgindade das filhas solteiras, em particular. “Perder
a honra”, ser deflorada fora das condições aceitas pela moral da época,
equivalia a expor a moça, seus pais e irmãos,
à execração social.
A mulher trair o esposo também
era uma desonra. As meninas andarem na rua desacompanhadas, outra. Ter uma
amante permanente era tolerável, para o homem. Para as mulheres, um escândalo
que podia lhes custar a vida.
Isso dito, o que mostram as
curvas “Honra” e “Defloramento” no gráfico anexo? De 1850-59 a 1900-09, elas se
comportam como deveríamos esperar: uma cai, outra cresce. Ou seja, a lenta
dissolução da sociedade tradicional e de seus pilares teria sido acompanhada
por um aumento dos episódios de desvirginamento. Menos controle social, mais
transgressões. Menos honra, mais atentados à virgindade.
Há, porém, um aspecto desses
dois processos que precisa ser mencionado. Nas décadas de 1850-70, quase todos
os defloramentos noticiados tiveram como autores homens negros, crioulos ou
pardos. E, como vítimas, moças pobres. A partir de 1870 (até 1900), em alguns
casos, é provável que o deflorador fosse branco e a vítima, uma jovem negra.
Significaria isso que as filhas da classe proprietária nunca eram defloradas
antes do casamento? Claro que não: os episódios de defloramento nessa classe
eram resolvidos sem os jornais saberem.
A partir da virada para o
século XX, entretanto, a curva de defloramentos passa de ascendente para
declinante, enquanto a da honra continua a apontar para baixo. Por quê? Uma
hipótese explicativa é a seguinte: (i) com a honra, nada de novo acontece. O
crescimento das cidades, intensificado nesse período, corrói os valores
antigos. Há menos retórica sobre a honra, em consequência. (ii) Com os
defloramentos, se passa outra coisa. O valor moral, antes absoluto, da
virgindade começa a ser questionado – sobretudo, no Recife. E isso tem
consequências peculiares.
Numa evolução ainda em curso,
cada vez mais, “tirar a virgindade” de uma menina-moça, numa relação
consentida, deixa de ser visto como um crime e passa a ser acontecimento
rotineiro que não chega, portanto, às páginas dos jornais.
Ou seja: no âmbito da moral
sexual, o avanço da sociedade urbana (somado à luta das mulheres) produziu
significativa mudança da condição feminina no Recife, em Maceió, no Brasil.
Para melhor, penso eu.
(Publicado
no Facebook, 5/11/2019)
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