Gustavo Maia Gomes
Deixem-me esclarecer, de
saída, que falarei sobre um tema (crimes violentos), um tempo (1850-1984) e um
lugar (Pernambuco) baseado no que pude observar usando uma lente específica: a
frequência relativa (ao número total de páginas) com que quatro palavras –
crime, roubo, assassinato e assalto – apareceram no Diario de Pernambuco nesses
130 anos.
O instrumento é impreciso,
reconheço, mas não há nenhum outro (de meu conhecimento) capaz de nos dar uma
ideia aproximada do que aconteceu com a incidência de agressões a indivíduos em
Pernambuco, em todo o período histórico que vai de meados do século XIX até os
anos 1980.
Parece razoável supor que,
quanto mais crimes, roubos, assassinatos e assaltos acontecessem, mais notícias
a respeito seriam publicadas. A vantagem de medir isso no Diario de Pernambuco
é que ele circula há 194 anos, com pouquíssimas interrupções, e sempre foi um
dos principais órgãos de imprensa do Estado.
Violência crescente foi o que
esperei ver. O que, de fato, encontrei está nos quatro gráficos anexos: com
exceção dos assaltos, que crescem tendencialmente (muito) até 1940-49, e
decrescem em seguida, de modo que, de ponta a ponta, a série é apenas levemente
crescente, com exceção dos assaltos, repito, todos os indicadores apontam para
baixo.
Há nuances: “Crime” e
“Assassinato” crescem de 1850-59 a 1900-09, passando a cair com a virada do
século. “Roubo” descreve um “U”, no mesmo intervalo, mas se torna francamente
declinante após 1900-09. Fato é que, tirando os assaltos, os demais indicadores
de violência contra pessoas em Pernambuco caíram sensivelmente, de 1900-09 a
1980-84.
Esse resultado me surpreendeu.
Eu já havia escrito, em “Uma Noite em Anhumas” (ainda não terminado) que a
urbanização desenfreada do século XX, em Pernambuco e Alagoas, teria sido,
provavelmente, acompanhada de um aumento da violência. Tive de rever meus
preconceitos.
Eis a minha convicção atual: a
velha sociedade canavieiro-açucareira do século XIX era muito mais violenta do
que havíamos imaginado. Nem mesmo a rigidez dos controles morais e religiosos
foi suficiente para evitar que crimes, em geral, roubos e assassinatos, em
particular, fossem cometidos em larga escala.
Paradoxalmente, tudo isso
melhorou desde 1900, com a urbanização e o crescimento explosivo do Recife. Não
era apenas eu que cultivava a pressuposição da violência crescente. (Lembrem-se
de que minha análise só vai até 1984). Ficamos sabendo agora esse é mais um mito.
(Publicado
no Facebook, 7/11/2019)
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