Gustavo Maia Gomes
A gradativa perda de
importância social, econômica e política dos senhores de engenho e a
correspondente ascensão dos usineiros (acontecida entre os últimos anos 1800 e
a década de 1940, aproximadamente) pode ser vislumbrada por meio do indicador
que criei para o livro “Uma Noite em Anhumas”.
Ele mede a frequência relativa
com que uma determinada palavra aparece nas edições do “Diario de Pernambuco”.
Esse jornal reúne duas características interessantes para o historiador: existe
de forma praticamente ininterrupta há 194 anos e sempre foi um órgão importante
da imprensa recifense.
Os dois gráficos mostram as
frequências relativas das palavras “Senhor de Engenho” e “Usineiro”. A primeira
apareceu 692 vezes nos anos 1850-59, o que gerou índice igual a 6,0.
(Explicações na nota da figura.) Nas décadas seguintes, porém, esse valor caiu
drasticamente para 0,1, em 1910-19. Até 1980-89, ele ficou próximo de zero.
A primeira aparição de
“Usineiro” ocorreu em 1904. A partir daí, sua frequência relativa aumentou até
atingir o máximo de 0,7, em 1930-39. O contraste entre as variações dos
indicadores de “Senhor de Engenho”, cadente, e “Usineiro”, em ascensão, reflete
o que acontecia no mundo real, onde as usinas paulatinamente substituíam os
engenhos.
Enquanto os senhores de
engenho, no auge da popularidade, alcançaram o grau 6; os usineiros, na sua
melhor década, não chegaram a 1. Pior: a partir de 1930-39, as referências aos
usineiros caíram para valores próximos às relativas aos senhores de engenho,
uma classe já então extinta há meio século.
De qualquer modo, mesmo sem
terem sido seus donos jamais muito populares, as usinas, como os engenhos,
moldaram a sociedade à sua volta. Construíram um mundo que diferia do anterior,
entre outros aspectos, (i) na forma de produzir o açúcar – grandes unidades
industriais desbancando as pequenas; (ii) no emprego de trabalhadores
assalariados, em substituição aos escravos; (iii) na utilização preferencial do
trem como meio de transporte da cana e do açúcar, substituindo as barcaças e os
burros.
Além disso, (iii) na esfera
política, com os governos estadual e federal, ao cabo de muita luta,
sobrepujando o poder antes exercido, sem contestação, nas próprias fazendas e
respectivos municípios, pelos donos de terras; (iv) nas relações interpessoais,
com a aniquilação da solidariedade dos compadrios entre proprietários de terras
e engenhos e seus trabalhadores e famílias; (v) no âmbito cultural – códigos de
conduta, crenças religiosas, preferências artísticas e literárias – que perde
sua característica monotônica e se diversifica consideravelmente.
Tudo isso está no “Diario de
Pernambuco” e, também, nos meus dois livros que tratam do assunto: “O Trem para
Branquinha” (2018) e “Uma Noite em Anhumas” (publicação prevista para 2020).
(Publicado
no Facebook, 10/10/2019)
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