Reproduzo palavras
muito estimulantes vindas de Claudio Peçanha, do Rio de Janeiro, uma das estrelas do curso de
mestrado em Economia da USP, de que fomos colegas, nos idos de 1971-72. E que,
nos anos subsequentes, fez carreira destacada como economista sendo, inclusive,
diretor do BNDES.
Ainda bem que nos
(re)encontramos — ele e sua Tereza; eu e minha Lourdes — meses atrás. Por
meio eletrônico, graças à moderna tecnologia, mas também presencialmente. Por
sinal, Claudio leu “O Trem para Branquinha” na sua edição e-book, que pode ser
comprada na Amazon.com ou na Editora Cepe.
Acabei de ler, com imenso deleite, o
livro pesquisado e escrito por Gustavo Maia Gomes, O Trem para Branquinha: Dos Engenhos às Usinas de Açúcar do Nordeste
Oriental: Histórias Familiares (1796-1966).
Não sou crítico literário, mas amigo de
longa data, tanto quanto seu admirador, ler Gustavo Maia Gomes, é sempre um
prazer renovado. É um escritor de mão cheia, além (ou apesar) de economista
brilhante de carreira igualmente.
O Trem para Branquinha pretende ser um estudo biográfico dos
ancestrais de Gustavo, que pesquisou árdua e diligentemente em bibliotecas,
arquivos de jornais, entrevistas com familiares e muitos livros sobre o
Nordeste canavieiro desde os tempos do império. Assim colocando, o livro
poderia ser de interesse específico a membros de sua família, ou mesmo a
acadêmicos interessados na história nordestina.
Mas a verve e o espírito crítico de
Gustavo transforma a leitura das mais interessantes para amantes da boa
literatura.
Como de costume, vou a seguir
reproduzir algumas anotações que sempre faço quando leio (sem autorização do
autor, espero que não me repreenda, ou me processe!):
1.
“Como ainda
existem, na região, duas usinas de açúcar e uma destilaria de álcool, é
possível que, durante as épocas de moagem, os homens, se procurarem, encontrem
trabalho no corte da cana. Mas tenho cá minhas dúvidas: o lugar cheira mesmo é
a muita Bolsa Família, o programa de estímulo à ociosidade criado com outro
nome no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e enormemente ampliado na
era petista (2003-2016). E que veio para crescer, cada ano mais. Quem duvida
disso?”
2.
“Em termos
esquemáticos, tudo o que o estado fazia era expropriar uma parte do valor
originado, na sua primeiríssima etapa, no campo e transferir esse valor para os
seus funcionários. Quanto maior fosse a força política do governo (ou seja, sua
capacidade de se sobrepor aos interesses dos demais grupos, como os
comerciantes e os fabricantes de açúcar), maior, proporcionalmente, tenderia a
ser a renda dos empregados públicos. E o seu número, também.”
3.
“Contemporaneamente,
as regras desse jogo foram modificadas (porém, não subvertidas por completo)
pela Constituição de 1988, que passou a exigir aprovação em concurso público
para o preenchimento de cargos permanentes na estrutura do Estado. Desde então,
a relação entre os nomeados para os empregos permanentes e seus respectivos
“nomeadores” deixou de ser pessoal, mas não deixou de existir: agora o
governante do dia promove uma infinidade de concursos desnecessários, com o que
mantém os súditos quietos, esperançosos e agradecidos. Em adição a isso,
multiplicou-se por mil o número dos chamados “cargos comissionados” (empregos
públicos temporários preenchíveis por nomeação direta, sem concurso) o que
reproduz, exatamente, o modelo que existia no século XIX e até muito depois
dele.”
4.
“Felizmente, para
uns e para outros, havia o governo, com os empregos; a Faculdade de Direito do
Recife, com os diplomas; e o Banco do Brasil, com os financiamentos,
frequentemente, renegociados, depois de enfartarem uma penca de usineiros e
donos de fazendas pendurados em hipotecas.”
5.
“Se Albert Einstein
acordasse de seu sono definitivo e viesse ser professor de uma universidade
pública brasileira, iria ter o mesmo salário de Rescaldo Sangrento, rematado
imbecil que, juntando circunstâncias a manobras, ganhou um título de doutor em
ignorâncias várias. Além do salário equivalente ao de Rescaldo, Einstein teria,
também, alunos que–num democratismo nauseabundo–frequentam as aulas exalando
mau cheiro, vestindo roupas rasgadas e descansando os pés descalços e imundos
na cadeira à frente. Não é uma questão de pobreza ou riqueza. Os jovens ricos
tomam banho antes de irem ver as namoradas; os pobres sempre vestem as melhores
roupas quando frequentam a igreja evangélica de sua devoção. É uma questão de
se valorizar ou não o lugar aonde se vai. Não temos Einsteins nas universidades
brasileiras. Não mais. Nunca teremos. Em troca, elas estão cheias de rescaldos.
Para piorar as coisas, a mediocridade se difunde entre pessoas e se espalha
para além do simplesmente acadêmico. Em outro sinal dos tempos: compare-se o
belíssimo prédio da Faculdade de Direito do Recife, inaugurado em 1911, com o
pornográfico edifício onde funciona a Reitoria da Universidade Federal de
Pernambuco, erguido, provavelmente, nos anos 1970. Eis a diferença entre a
tradicional Faculdade da Distinção e a contemporânea Universidade da Isonomia.”
6.
“Nominando e o seu
mundo morreram sem volta quando já ninguém mais podia ir àquele lugar tão dele
montado em um vagão de primeira classe puxado por uma locomotiva de segunda.
Meu avô morreu pela última vez quando o trem sumiu. Quando o trem para
Branquinha sumiu.”
Finalmente, gostaria de recomendar
fortemente a leitura desse livro, assim como estarei aguardando o prometido
“UMA NOITE EM ANHUMAS”. Parabéns! Gustavo Maia Gomes
(Publicado
no Facebook, 29/8/2019)
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