Gustavo
Maia Gomes
O
coronel Basiliano Sarmento (1845-1931) era o homem mais rico de Alagoas; padre
Cícero Romão (1844-1934), o maior líder carismático do Nordeste. Basiliano
ganhou dinheiro com a pecuária, o comércio e a agiotagem; Cícero, com doações.
Em
verdade, o padre sempre viveu de forma modesta. Embora tenha acumulado razoável
patrimônio, usava seus recursos em obras religiosas, como um conjunto de casa,
colégio e capela que planejou construir em Juazeiro (CE). Coisa de mil contos.
Há
uma carta de Cícero a Basiliano escrita em 20/2/1931, apenas um mês antes de o
destinatário morrer. A notícia de que o homem estava nas últimas deve ter sido
levada ao padre pelo capitão Emiliano Fernandes, que trouxe a missiva ao
coronel.
Basiliano
Sarmento não tinha herdeiros. Sua fortuna iria para o Estado, como o foi,
inicialmente. (Até que apareceram parentes dos quais ninguém jamais tinha
ouvido falar. Um deles contratou os advogados certos e ficou com tudo.)
Cícero
percebeu a oportunidade e escreveu ao coronel “sobre uma causa da maior
importância e que serve para o futuro de sua salvação depois da morte, porque o
bem que nós fazemos a Deus e aos desvalidos e ao nosso próximo, Deus aceita e
recompensa como feito a Ele, nos dando a salvação.”
O
padre quer os bens do coronel, mas aconselha discrição: “Se determinar fazer a
Deus e a Nossa Senhora o que peço, eu mando pessoa minha de toda confiança e
patrício seu. [Mas,] não queira fazer isto público, porque as causas sem a
prudência da reserva que devemos guardar sempre trazem falaços [boatos] e
perturbações desagradáveis.”
Prosseguindo:
“Dando a Deus o que Ele lhe deu, porque tudo o que temos é Deus quem nos dá,
nada mais justo. O meu amigo não tem herdeiros forçados que o obriguem a deixar
os bens em herança. [Tem], portanto, o direito, conforme as nossas leis, de os
deixar para quem quer que seja."
(...)
“Não é, portanto, desarrazoado que o senhor distribua sua grande fortuna, ou em
testamento, ou em doação, toda ou em parte, a Deus, que foi quem lhe deu tudo,
e dê a Deus nesta obra que vou fazer aqui no Juazeiro empregando o que assim
deixar em minhas mãos.”
Não
houve tempo para que as súplicas do padre Cícero fossem atendidas. Ou então o
coronel Basiliano Sarmento preferiu que sua herança ficasse mesmo na Terra e
fosse disputada pelos candidatos que, fatalmente, viriam a se apresentar.
[Citações
retiradas de Antenor de Andrade Silva, “Cartas do Padre Cícero, 1877-1934”,
Salvador, E. P. Salesianas, 1982, págs. 309-12. Agradeço a Cassio Silva,
historiador de União de Palmares, AL, ter me chamado a atenção para essa fonte
e me enviado cópias das páginas do livro com a carta de Padre Cícero a
Basiliano Sarmento.]
(Publicado no Facebook, 17/8/2019)
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