Gustavo Maia Gomes
Os pernambucanos
são ciosos de que sua capital não é Recife, mas “o” Recife. (Gilberto Freyre
sempre nos lembrava disso.) Sem frescura: as cidades cujos nomes remetem a
acidentes geográficos carregam o artigo definido. Ou deveriam. Ninguém vai “a”
Rio de Janeiro, “a” Bahia sem crase, “a” Morro de São Paulo.
Penedo quer dizer
pedra grande, rocha, rochedo, rocheira, penhasco. No passado, constato isso em
jornais do século XIX, a bela, antiga e hoje bem preservada cidade alagoana
situada às margens do baixo Rio São Francisco era referida como “o” Penedo.
Atualmente, pouca gente o faz. Parece que a decadência relativa do lugar,
ocorrida, sobretudo, na primeira metade do século XX tirou o ânimo dos
penedenses em brigar por esses detalhes linguísticos.
Estivemos lá,
Lourdes Barbosa e eu. No meu caso, possivelmente, pela décima vez. E devo
dizer, com alegria: nunca o Penedo me pareceu tão formoso, limpo, com os
prédios todos restaurados. Espetacular. Foi trabalho recente: as placas
alusivas às obras incluem os nomes de Michel Temer, presidente, e Renan Filho,
governador. Não gosto muito nem de um, nem do outro, mas ambos merecem a
gratidão dos que amam refazer os caminhos dos antepassados e contemplar a
arquitetura de épocas pretéritas.
Pois, o Penedo é
uma relíquia comparável às cidades históricas de Minas Gerais, com o bônus de
estar plantada ao lado do Rio da Integração Nacional. Sem nunca ter sido tão
rica, pois não tinha ouro, viveu seu esplendor no século XIX. Recebia navios a
vapor vindos do e indo para o Sul e Sudeste; produzia no entorno muito algodão,
açúcar, leite, couros e carne; editava seus próprios jornais; tinha indústrias
de óleo e de tecidos; um comércio pujante. Depois, entrou em decadência, por
razões várias.
A pá de cal foi
lançada em 1970 com o desvio da rodovia BR-101, que antes cruzava o São
Francisco entre o Penedo e Neópolis (SE) e passou a fazê-lo (pela ponte, não
por balsa) de Porto Real de Colégio (AL) a Propriá (SE). Mas, como costuma
acontecer, o declínio relativo trouxe também consequências positivas. Cito
duas: a não-aniquilação do patrimônio histórico e arquitetônico, pois ninguém
se interessou em derrubar os prédios antigos do Penedo para construir
mondrongos, e a “exportação” para o Recife de duas preciosas amigas de Lourdes
e minhas: Andrea Oliveira e Amelinha Peixoto.
Viajando de carro
de Aracaju a Penedo (atravessar o rio na balsa pode ser incômodo, mas carrega
junto uma poesia insuperável) ficamos satisfeitos em observar o renascimento
econômico da região. Em Neópolis, ainda funciona (modernizada, suponho) a
fábrica de tecidos dos Peixoto e Gonçalves e se produz muita fruta com
irrigação; nas proximidades do Penedo, vimos movimento de turistas, usinas de
açúcar modernas, um incipiente distrito industrial.
Encerro fazendo
inveja: dormir no icônico Hotel São Francisco não é para qualquer um.
(Publicado
no Facebook, 18/9/2019)
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