quarta-feira, 18 de abril de 2018

Os restaurantes que meu pai frequentava



Mauro em 1941.
Gustavo Maia Gomes
(18/4/2018)



Mauro Bahia de Maia Gomes, meu pai, nasceu em 1916. Viveu até os 80 anos, quase 81, morrendo em 1997. Com ele aprendemos, seus filhos homens Ivan e eu, sobretudo, a nos relacionar bem com o mundo exterior à nossa casa; o mundo público, por assim dizer, em oposição ao familiar, privado. Neste último terreno, foi maior a influência de Maria Stella Pedrosa Bahia Maia Gomes (1917-2001), nossa mãe.

Com Mauro aprendi, por exemplo, a frequentar restaurantes – e ele o fazia não apenas por razões de trabalho, mas por puro deleite, desde quando isso ainda não era comum no Recife. Por exemplo, nos anos quarenta do século passado. Vou dizer adiante os nomes desses lugares aonde meu pai gostava de ir, e registrar as minhas reminiscências das vezes em que fui com ele. Estarei falando, nesse caso, dos anos entre 1957 e 1970.

Começo com o Restaurante Leite, um fenômeno de longevidade: fundado em 1882, ainda hoje funciona – e muito bem! – no mesmo lugar, a esquina da Rua da Concórdia com a Praça Joaquim Nabuco, no centro do Recife. Como Mauro tinha um escritório de advocacia a poucos metros do Leite (Rua Floriano Peixoto, 85, sala 331, Edifício Vieira da Cunha), esse era um lugar aonde ele ia com muita frequência.

Uma vez, eu o acompanhei ao Leite para a comemoração anual com seus amigos ex-acadêmicos de Direito. Provavelmente, a de 1989, quando eles faziam 50 anos de formados. Depois disso, chocado com a quantidade de colegas que morriam entre um almoço e o seguinte, Mauro deixou de frequentar essas reuniões. Mas, também fui com ele ao mesmo local apenas para fins de lazer: lembro-me, por exemplo, de Isnard Mariano tocando piano. Um grande intérprete. Devo dizer que era cego?

No Restaurante Maxime, na praia do Pina (mais tarde, virou “Boteco Maxime” e; ultimamente, fechou) comia-se uma boa peixada. Havia nele umas alas com biombos separando as mesas, de modo que não podíamos ver ou sermos vistos pelos outros frequentadores. A construção original era, se não me trai a memória, de madeira. Mauro adorava aquele lugar.

O Montecarlo durou pouco. Ficava no final da Rua da Palma – meu irmão Ivan me ajudou a lembrar estes detalhes –, num primeiro andar. No térreo do mesmo edifício, funcionava uma loja. Foi, talvez, o primeiro restaurante aonde fui comer por razões recreacionais, digamos assim. Impressionaram-me as toalhas de uso individual. Pequenas, mas de tecido. Usáveis uma única vez. A gente enxugava as mãos e as depositava em um cesto colocado ao lado da pia. Sensacional. Tanto que nunca esqueci disso. Estou falando de uma experiência que devo ter tido aos dez anos de idade. Em 1957, portanto.

Do Casemiro, na Rua Camboa do Carmo (bairro de Santo Antônio, centro do Recife), tenho poucas lembranças. Seu dono, Luiz Alves Martins, era casado com Carminha, uma prima de minha mãe, Stella. Um português muito simpático, apesar de ser, paradoxalmente, reservado. Possivelmente, por timidez.

Havia, também, entre os restaurantes frequentados por meu pai, o Flutuante. Era um barraco. “Construído sobre um lastro de madeira, assentado em tambores metálicos de duzentos litros, o restaurante era na verdade uma balsa onde existia um salão de madeira, rodeado de janelas e com uma passarela, também flutuante, que dava acesso à avenida Martins de Barros” [entre as Pontes Maurício de Nassau e Buarque de Macedo]. (Maria do Carmo Andrade, Fundação Joaquim Nabuco).

E o famoso Buraco da Otília? Na Rua da Aurora, próximo às antigas sedes náuticas do Barroso e do Náutico. Funcionou até recentemente, fechando muitos anos depois da morte de sua dona e criadora. Otília transformou-se, durante algum tempo, em um ícone do Recife. Há uma foto da visita do diretor italiano de cinema Roberto Rossellini (uma celebridade, em seu tempo) ao Buraco. Deve ter sido em meados dos anos 1950.

A Torre de Londres, um nome pretensioso para a qualidade do prédio ocupado pelo restaurante, parece ter sido inaugurado em 1953. Fechou há muitos anos. Ficava no Parque Treze de Maio, próximo à Câmara Municipal e à Faculdade de Direito do Recife. Não lembro de tê-lo frequentado. Ivan, sim. Era no Parque Treze de Maio onde se instalava, anualmente, a Festa da Mocidade, com seus parques de diversões e um teatro de revistas improvisado a exibir as vedetes de Walter Pinto. Essas, eu queria ver, mas não podia.

O Talude, também muito frequentado por Mauro, ainda hoje existe. Fica na BR-101, próximo ao Jardim Zoológico de Dois Irmãos, no Recife. Seu prato mais famoso é uma picanha de bom tamanho e, quase sempre, excelente. Não recomendo a vegetarianos. Murilo Lins Marinho, meu primo de Maceió, diz que almoçou muitas vezes no Talude (seu prato predileto e o de sua mulher Nildes era um pirão de caranguejo.)

Outros restaurantes dos tempos de Mauro incluem o Samburá, o Candelabro, a Palhoça do Melo e o Dom Pedro. O Samburá, na sua feição original, ficava num daqueles montes de pedras colocados ali (nos 1950s) para deter o avanço do mar, na praia de Bairro Novo, Olinda. Tinha o formato do objeto de que tirava o nome. Também servia peixadas. Depois, foi forçado a deixar o local, passando para o outro lado da rua. Ainda está lá. Hoje, é um hotel e restaurante.

O Candelária (Praia de Piedade, Jaboatão dos Guararapes) se distinguia por seu imenso terreno, o que facilitava o estacionamento dos carros. Essa era uma característica muito valorizada por meu pai, que tomava cuidados especiais, quase exagerados, com os carros que possuía. Esse restaurante deixou de existir há alguns anos. Ficava quase na praia Barra de Jangada, um nome que, me parece, caiu em desuso. Em seus últimos anos, era muito frequentado por ratazanas. Quando as vi, passeando livremente pelos arredores do lugar onde eu estava jantando, deixei de ir ali.

A Palhoça do Melo (Graças, próximo à Ponte da Capunga) servia um gostoso galeto na brasa. Foi, pelo que sei, um dos primeiros restaurantes do Recife a se especializar em galetos, aproveitando o momento em que sua matéria prima começou a cair muito de preço. (Lembro-me de que, até os anos 1960, comer “galinha” não era coisa que nós, da classe média, pudéssemos fazer todos os dias.) Parece que fechou, como quase todos os outros relacionados nesta memória.

Não é o caso do Dom Pedro (Rua do Imperador, Santo Antônio, Recife), entretanto, inaugurado em 1967 e do qual, nas lembranças de Ivan, Luiz Alves Martins foi sócio, antes (depois?) de fundar o Casemiro e de arrendar o Restaurante da AIP (Associação Pernambucana da Imprensa), na Dantas Barreto. Este último, entretanto, não me lembro de ter sido frequentado por Mauro. Fundado em 1967, o Dom Pedro ainda existe.

É importante esclarecer aos jovens que, quarenta ou cinquenta anos atrás, ainda não havia este modismo gastronômico de hoje, quando cada cozinheiro se acha um Pablo Picasso ou um Wassily Kandinsky, a criar desenhos estrambóticos e dispô-los nos pratos, sem preocupação com o sabor que suas supostas comidas possam ter. No tempo de Mauro, bom cozinheiro era aquele que sabia cozinhar. Que ideia estranha, não?

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