terça-feira, 20 de novembro de 2018

GLOSSÁRIO


Gustavo Maia Gomes
Brasília, 19 nov 2018

Os escravos de ganho eram escravos que (...) realizavam tarefas remuneradas a terceiros e repassavam parte da quantia recebida para o seu senhor. (Dicionário Informal)
Escravos de ganho saíam às ruas para ganhar dinheiro para seu senhor como vendedores (de doce, refresco, linguiça etc.), pedintes, barbeiros, artesãos, prostitutas, etc (Wikicionário)
Os escravos de ganho (...) iam para as ruas em busca de trabalho. (...) Ao final do dia ou da semana, deviam entregar uma determinada soma ao seu senhor ou senhora. (Albuquerque e Fraga Filho. Uma história do negro no Brasil, 2006.)
Eram comuns, principalmente nas cidades maiores, os escravos de ganho. Estes tinham a liberdade de executar serviços ou vender mercadorias (...) nas ruas. Porém, a maior parte dos lucros destas atividades deveria ser entregue aos seus proprietários. (Escravos no Brasil. SuaPesquisa.com)
Qualquer semelhança com os médicos cubanos não é mera coincidência.
(Publicado no Facebook)

NÃO PODIA DAR CERTO


Gustavo Maia Gomes
Brasília, 14 nov 2018
Raras vezes tive, em Brasília, o desejo, a janela e o tempo para observar a cidade panoramicamente, num dia normal de trabalho. Hoje, instalado na varanda do hotel em que me hospedo, olho, vejo, conto – e me espanto.
Olho o Congresso Nacional, os ministérios, a Biblioteca, o Ipea, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Banco Central. Vejo milhares de carros estacionados em dez pontos diferentes, e outros milhares circulando.
Conto o que custou construir os palácios e edifícios; quanto custa remunerar os que neles trabalham, manter e iluminar os prédios, fazer rodar a frota de carros. Uma fábula.
Conto – e me espanto. Brasília nasceu, cresceu e se mantém viva exclusivamente devido ao dinheiro público. É bela, agradável, moderna, inovadora, mas morreria em dois meses, se o governo saísse daqui e fosse malbaratar nossos impostos em outra freguesia.
Voltemos aos anos 1950. Era importante transferir a capital para o Centro-Oeste? Admitamos que sim. Seria preciso construir uma nova cidade? Claro que não. Somente quem podia torrar o nosso dinheiro impunemente teria a coragem de cometer tamanha insanidade. Goiânia estava ali. Por que não elevá-la a capital da República?
Uma pinturazinha em edifícios já existentes daria para abrigar neles os primeiros órgãos federais transferidos para a nova capital. A construção de outros prédios – quando se fizesse necessária – seria financiada com a venda dos edifícios correspondentes na capital antiga. O Ministério da Fazenda precisa se mudar? Ótimo. Ponha à venda a sede que tem no Rio. Quando alguém pagar por ela, use o dinheiro para construir a nova sede, em Goiânia.
Ah, mas quem pensava assim não compreendia o destino manifesto do Brasil, que Stefan Zweig havia chamado “o país do futuro”. (Suicidou-se logo em seguida.) Era fácil e heroico os governantes dissiparem o dinheiro alheio, em nome da hipotética grandeza. Eu queria ver quem se habilitaria a construir uma cidade no deserto pagando do próprio bolso.
Os anos entre 1950 e 1980 foram o tempo em que meu pai estava em plena atividade produtiva. Sua geração pagou Brasília com a inflação, como a minha está pagando com o desemprego, a de meus filhos continuará a pagar com o crescimento econômico medíocre, e a dos meus netos, bisnetos...
Esse foi, seguramente, o brinquedo mais caro que já se construiu e se mantém em funcionamento no mundo inteiro. Com exceção de Dubai, talvez. Mas, Dubai não é problema nosso. Brasília, sim. Enquanto o Brasil for regido por essa mentalidade, não pode dar certo.
(Publicado no Facebook)

DESPACHE AS MALAS, EINSTEIN


Gustavo Maia Gomes
(Brasília, 14 nov 2018)
Desde algum tempo, as empresas aéreas passaram a cobrar pela bagagem despachada. Em reação, os passageiros agora levam tudo para a cabine. Como ali não existe espaço suficiente, inventou-se o despacho das malas feito na fila de embarque. Por isso, voos atrasam.
Ignorar princípios econômicos básicos não costuma dar bons resultados. Em "O Trem para Branquinha", escrevi, sobre a desastrada passagem de Rui Barbosa pelo Ministério da Fazenda, no governo Deodoro: “meio economista é pior que nenhum”. Nosso país está repleto de meio economistas.
Por que Einstein, quando Hitler tomou o poder na Alemanha, não veio para o Brasil? Ele se achava nos Estados Unidos e decidiu permanecer ali. Cheguei a imaginar que o gênio da Física tinha vindo procurar emprego numa universidade brasileira. Teria havido o seguinte diálogo.
– Senhor Aristeu...
– Einstein.
– Eisenstein?
– Não, Einstein. Albert Einstein, o criador da Relatividade.
– Minha mãe já dizia que tudo é relativo...
– Ela era física?
– Não, espiritual. Aliás, espiritualíssima.
– Entendo.
– Quer emprego de professor?
– Sim.
– Qual seu maior título?
– Doutor.
– Temos uma vaga.
– E o salário?
– Tá vendo aquele senhor deitado na rede?
– Sim.
– Rescaldo Sangrento. Nunca fez nada, mas é doutor.
– E daí?
– Pergunte o salário dele. Será o seu.
O suíço-alemão preferiu ser professor em Princeton, uma das melhores universidades americanas. Lá, foi Einstein até morrer. Aqui, em respeito à isonomia, ele teria sido apenas mais um Rescaldo Sangrento.
Meio economista é pior do que nenhum.
(Publicado no Facebook)

HORA DE HELDIO “VILLAR” À ESQUERDA?


Gustavo Maia Gomes
(Recife, 2-11-2018)
Meu amigo Heldio Villar escreveu, ontem, neste mesmo espaço onde alguns trocam ideias, outros, ofensas, um belo texto sobre as transformações da esquerda. Não pude compartilhá-lo, por razões técnicas, mas recomendo a leitura e cito uma de suas passagens:
“Essa ‘esquerda’ [contemporânea] – que, pelo visto, nada tem a ver com a clássica – foi ironicamente batizada de ‘esquerda 2.0’ e, também ironicamente, se intitula democrática, defende apaixonadamente as ‘minorias’ (preferencialmente o grupo LGBTIJMOPRW...), prega mais e mais direitos para o trabalhador, aplaude a rebelião dos alunos em sala de aula etc.” (Heldio Villar).
A “esquerda clássica”, segundo Villar, tinha como objetivo último a implantação do comunismo. No processo que conduziria inexoravelmente a este ideal (felizmente, houve problemas sérios no caminho), as regras de remuneração do esforço produtivo seriam alteradas, na linha antevista por Karl Marx (1818-83): “de cada um, de acordo com sua capacidade; para cada um, de acordo com sua necessidade”.
Em outras palavras, esclarece Heldio: quando, finalmente, o paraíso da esquerda fosse implantado, “se um solteiro produzisse 100 peças por dia, ganharia menos do que um pai de 6 filhos que produzisse 10 [peças]”. Ao que eu (GMG) acrescentaria: o inferno foi, inquestionavelmente, inventado por um economista burro.
**** De volta a 1992 ****
As reflexões de Heldio Villar me fizeram recordar que, na ICID I (Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas. Fortaleza, 1992) – realização memorável, sobretudo, de Antonio Rocha Magalhães –, eu havia tratado de tema semelhante.
No meu ensaio “Desenvolvimento sustentável no Nordeste: Uma interpretação impopular” (incluído no livro Gustavo Maia Gomes, Hermino Ramos de Souza e Antonio Rocha Magalhães, orgs., “Desenvolvimento Sustentável no Nordeste”, Brasília, Ipea, 1995, Cap. 1) escrito em 1992, está dito:
Constitui um dos paradoxos da vida que as bandeiras estritamente conservacionistas (ou conservadoras, até reacionárias) do movimento ambientalista tenham sido predominantemente apropriadas por grupos políticos que se identificam a si próprios como “de esquerda”, “reformistas” ou mesmo “revolucionários”. Por que se produziu esse fenômeno?
Uma interpretação poderia ser formulada em termos da teoria dos jogos. Existem dois grupos adversários no debate intelectual (e na ação política): o grupo n. 1 ocupa o lado direito da arena; o n. 2, o lado esquerdo.
A batalha se trava em torno de objetivos que têm a ver com o reconhecimento público dos discursos de cada grupo, reconhecimento este traduzido tanto na conquista de títulos acadêmicos quanto de cargos e favores governamentais.
Os dois grupos se beneficiam da existência da luta, pois esta lhes confere, a ambos, uma importância que não teriam se não houvesse a disputa.
Num determinado momento, duas coisas aconteceram: por um lado [anos 1970], a direita [Atenção: a DIREITA] começou a introduzir uma nova arma em seu arsenal, o discurso conservacionista, ambientalista, contra o “progresso”, contra o “desenvolvimento das forças produtivas”.
Por outro lado, pouco depois [últimos anos 1980], a esquerda sofreu um cataclismo, com a desmoralização gradual, porém rápida, de algumas de suas teses mais caras: a revolução, o socialismo, o planejamento econômico. Tudo isso virou pó, tragado pela história.
Prenunciou-se, portanto, uma vitória arrasadora de um dos oponentes, no debate intelectual e na disputa política. Seria, realmente, o “fim da história”. E isso não interessava a ninguém. Nem aos intelectuais da direita, que, ficando sem adversários, teriam seu valor de mercado consideravelmente depreciado, nem, muito menos, aos intelectuais da esquerda, ameaçados com o desemprego puro e simples.
Essa situação praticamente impôs aos jogadores um acordo implícito, pelo qual a direita entregou [à esquerda] seu discurso recém-adquirido (a temática conservador-ambientalista), ganhando, em troca, a continuação da disputa.
Reproduziram-se, assim, muito oportunamente, as condições de equilíbrio ideológico: o grupo n. 1 continua a ir à luta com suas armas mais tradicionais; o grupo n. 2, que perdeu o socialismo, empunha, agora, a proteção à natureza. Todos ficaram felizes. (Gustavo Maia Gomes, cit., págs. 10-11)
**** E hoje? ****
Como Heldio Villar nos lembrou, nos anos subsequentes a 1992, a esquerda, no mundo e no Brasil, em sua tentativa de evitar a desmoralização completa, continuou a incorporar outras bandeiras (além da ambientalista, conservadora) que não faziam parte do discurso original.
Karl Marx morreria de desgosto, se pudesse ver o que fizeram de suas ideias. Os pragmáticos pensadores esquerdistas, entretanto, veem as coisas de outra forma. Não abrem mão, por exemplo, de posar como defensores dos LGBTIJMOPRW – na nomenclatura de Heldio Villar.
Seu novo lema é: enquanto houver letras, haverá esperança.
(Publicado no Facebook)

MARISA NÃO LIA MUITO, É VERDADE...


Gustavo Maia Gomes
(Recife, 30-10-2018)
Outro dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus livros; ela, seus encantos.
Antecipei em vinte anos a Constituição brasileira, que obriga o governo a gastar um quarto de seu dinheiro em educação, mas não cobra resultados. Eu usava metade de meu tempo a procurar namoradas, sem encontrar nenhuma. Até descobrir Marisa.
Na outra metade, lia jornais, revistas e livros. Frequentava livrarias. A Nacional, de seu Aluísio, na rua da Imperatriz, que mudou de nome para Nordeste. Depois, a Livro Sete, de Tarcísio Pereira. Eram as minhas preferidas.
Ao ver Marisa da primeira vez, eu tinha um livro à mão. Talvez fosse A Terceira Guerra Mundial, de Wright Mills; ou Análise do Homem, de Fromm; ou Filosofia da Vida, de Durant; ou a Lírica, de Camões; ou Cangaceiros e Fanáticos, de Facó.
Onde o havia comprado? Na Nacional, com certeza. Já os “jornais do Sul” (como dizíamos), outra de minhas paixões, eu os buscava na banca do Gasolina, encostada ao edifício Trianon. Na praia distante, era difícil ler jornais. Restringia-me aos livros levados do Recife.
Marisa em praias sem gente, livros, jornais, bancas e livrarias são parte de meu universo retrospectivo. Tudo isso está desaparecendo. As livrarias, principalmente. Jornais e bancas, idem. Os livros em papel ainda terão alguma sobrevida, não muita. A praia virou favelão. Marisa sumiu.
Para mim, é uma pena – ou várias; para meus filhos e netos, significa nada. Não perdem por esperar. Eles também terão os próprios símbolos queridos, efemeramente desfrutados. E os amores inesquecíveis, quase tão bons de lembrar quanto de viver.
Outro dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus livros; ela, seus encantos.
(Publicado no Facebook)

RECONCILIAÇÃO, SIM. MAS, COM QUEM?


Gustavo Maia Gomes
Recife, 29-10-2018
Uma economista de renome listou cinco razões para não apoiar Haddad e concluiu avisando que iria votar em branco. Um diplomata e pensador extremamente lúcido passou anos denunciando a destruição do Brasil pelo PT, mas se negou a votar no candidato que prometia acabar com isso.
Uma historiadora com importantes obras publicadas e notórios posicionamentos antipetistas seguiu pelo mesmo caminho. Muitos intelectuais merecedores de respeito, plenamente cônscios do mal que representam Lula e a sua organização criminosa, não obstante, anularam o voto. Outros, após confessada hesitação, apertaram a tecla 13.
Milhões de brasileiros – nordestinos, em grande parte – que se beneficiaram do insustentável populismo petista, votaram no candidato de Lula. Não perceberam que estão desempregados, hoje, devido àquelas mesmas políticas geradoras de felicidades fugazes, praticadas enquanto o dinheiro público não acabava.
Multidões de eleitores integrantes de minorias (negros, gays, lésbicas, feministas, autoproclamados defensores dos direitos humanos...) votaram em Haddad por medo de serem perseguidos, caso o outro candidato vencesse o pleito. Isso não acontecerá. Porque não será tentado e porque, se o for, suscitará uma reação avassaladora de todos nós -- minha, inclusive.
Enfim, um número enorme de brasileiros bem-intencionados, honestos, responsáveis, de diferentes profissões e locais de residência compôs o contingente de eleitores do candidato de Lula. Ou, pelo menos, não votaram no que saiu vencedor.
Reunidos todos os grupos listados acima (e, certamente, há muitos outros que também deveriam ser incluídos) teremos a metade do eleitorado brasileiro.
Com todos esses, será possível, desejável e necessária a conciliação (que não implicará alinhamento automático ao governo, apenas a tolerância e o mútuo respeito essenciais à democracia) dos vencedores com os que não contribuíram para a vitória de Jair Bolsonaro.
Serei um defensor veemente dos gestos nessa direção que venham a ser tomados pelo presidente eleito e seus auxiliares diretos.
Agora, meus amigos, não nos iludamos: com gente como o presidiário Lula, Gleisi Hoffmann, José Dirceu, Manuela D’Ávila, Boulos, Stédile e mais que tais nunca haverá e nem deverá ser procurada conciliação alguma. Foi para se ver livre dessa laia que o povo brasileiro votou em Bolsonaro. É isso o que ele ainda quer.
Chega de cortesias jamais reciprocadas. De tentar conciliar o inconciliável viveu (e morreu) o PSDB.
(Publicado no Facebook)

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Cuba e seus médicos de ganho (Ou cada um vende o que pode)


Gustavo Maia Gomes
Recife, 19-11-2018

A polêmica do momento tem a ver com os médicos cubanos, aqueles enviados para terras distantes, onde ganham dez e remetem sete para o seu governo. Por que esses médicos concordam com o confisco? Em primeiro lugar, porque mesmo 30% dos salários ganhos fora de Cuba são muito mais do que ganhariam lá; em segundo, porque são impedidos de levar suas famílias, e, portanto, não podem romper os grilhões que os mantém como escravos; em terceiro, porque, se pedirem asilo político (em países como o Brasil petista), serão deportados ou, em caso contrário, verão suas famílias sofrer represálias na terra natal. 

Mas, por que Cuba aluga médicos? Numa palavra, porque sua economia é um desastre. E nisso, a ilha prova, mais uma vez, que o socialismo constitui o caminho mais curto para produzir, em nome de ideais igualitários, a desgraça de um povo. Vamos ver um pouco da história que levou aquele país ao ponto a que chegou, sendo obrigado (em termos, claro) a transformar parte de seus cidadãos em escravos de ganho, como os que havia nas cidades do Brasil imperial.


ERA UMA VEZ, EM 1959

Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan são territórios pequenos, que se tornaram imensamente ricos praticando o capitalismo. Em 1959, quando Fidel Castro tomou o poder, Cuba, também pequena, mas não tão desprovida de recursos naturais, produzia mais por habitante do que qualquer um daqueles. Seu PIB per capita, em dólares comparáveis de 1990, era de 3.140 (Hong Kong, 3.027; Singapura, 2.187; Coreia do Sul, 1.120; Taiwan, 1.469).

Quarenta anos depois (1999), o produto por habitante de Cuba havia caído para 2.164, enquanto os valores correspondentes a Hong Kong (20.352), Singapura (23.582), Coreia do Sul (13.317) e Taiwan (15.720) haviam se multiplicado por 6,7 (Hong Kong), 10,8 (Singapura), 11,9 (Coreia do Sul) e 10,7 (Taiwan). (Fonte: Angus Maddison. The World Economy. OECD, Development Centre Studies, 2006) Não esperem que nada melhor tenha ocorrido desde então, no país caribenho.

Em 1958, pouco antes da Revolução, Cuba exportava açúcar, tinha um governo corrupto e recebia turistas norte-americanos. No primeiro momento, a derrubada do ditador Fulgêncio Batista pelos guerrilheiros de Fidel Castro foi recebida com satisfação mundo afora. Tal acolhida, somada à relação privilegiada que a ilha tinha com os Estados Unidos, propiciou aos novos governantes a oportunidade de inaugurar uma era de desenvolvimento impulsionada pela entrada de capitais estrangeiros direcionados para setores intensivos em tecnologia e pela exploração das vantagens logísticas de Cuba. Nada muito diferente do que o Japão já tinha feito e a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura estavam fazendo ou logo viriam a fazer.

Fidel Castro e seus idiotas latino-americanos, entretanto, seguiram outro caminho. Desorientados pelo evangelho marxista, fizeram da matança dos adversários a marca inaugural e permanente de seu regime. Na economia, ao invés de aprofundar o capitalismo, destruíram-no com o confisco de propriedades e restrições à livre-iniciativa. Nestas condições, naturalmente, os capitais, ao invés de virem, se foram. A riqueza se evaporou; a geração de renda caiu; as pessoas empobreceram. E os Estados Unidos se indispuseram com a nova classe dirigente da ilha.

A opção socialista de Fidel Castro, embora viesse a significar, no longo prazo, o desastre econômico, teve consequências políticas, aparentemente, favoráveis. O mundo se atolava na guerra-fria, a temível disputa retórica, mas sempre a um passo de se tornar sangrenta, entre os EUA e a União Soviética. Cuba, por um lado, desafiara o país gigante e vizinho do Norte, ao confiscar propriedades de seus cidadãos. A URSS, por outro lado, estava ávida por colocar uma pedra no sapato de seu maior inimigo. Nascia a aliança entre Castro e Khruschov, entre os governos cubano e soviético.

O que tinha a URSS a oferecer a Cuba? – Petróleo, bens industriais e respaldo político-militar. O que tinha Cuba a oferecer à URSS? – Por um lado, o mesmo e velho açúcar, cuja produção declinava; por outro, muito mais importante, a realidade de um país comunista instalado a poucos quilômetros do território americano. Isso, na guerra fria, valia ouro.

Foi o casamento do desespero com a conveniência. Cuba passou a exportar seu açúcar para a Rússia e satélites, recebendo por tonelada muito mais do que o preço vigente nos mercados livres; a URSS passou a vender seu petróleo para Cuba, cobrando por ele uma fração do que o produto valia nas transações não políticas. Embutidas nesse comércio, as transferências anuais de renda do primeiro país para o segundo chegaram a cinco bilhões de dólares da época. (Várias fontes, por exemplo, Clyde H. Farnsworth. “Soviet Said to Reduce Support for Cuban Economy”, Special to The New York Times, March 16, 1988.)

Ou seja, durante anos a fio, o governo e a população cubana se sustentaram das doações soviéticas, somadas às receitas de exportação do mesmo açúcar que a ilha já produzia, antes de se tornar comunista. Foi com base nesse negócio de pai para filho, e também devido a muita repressão, que Fidel Castro conseguiu implantar, como reforço à estabilidade política, uma espécie de Estado do Bem Estar dos miseráveis.


DO COLAPSO À EXPORTAÇÃO

Mas, o arranjo com a URSS não duraria para sempre. Era um pacto entre duas economias socialistas: uma, enorme; outra, pequena; ambas, tremendamente ineficientes. O gigante soviético começou a dar sinais de colapso ainda nos anos 1980; iria desmoronar na aurora da década seguinte. Com o fim da URSS, cessou a transferência de renda de que Cuba se nutria. Sobreveio o caos econômico absoluto. O que fazer?

Produzir mais estava fora de cogitação. O conjunto dos países de economia socialista que deram certo é vazio – não existe nenhum, em outras palavras – e aqueles líderes escondidos atrás de barbas haviam ganho a vida enganando o povo com o discurso que nega o pão e oferece a propaganda aprendido em Marx, Lênin e Stálin. Não tinham como dar meia volta-volver. Faltava-lhes, até mesmo, o pragmatismo cínico (mas, eficaz) de um Deng Xiao Ping. O que fazer?

Alguém teve a ideia salvadora: “vamos fazer os cubanos trabalharem em países amigos e confiscar dois terços de seus salários”. Ou, em linguajar mais claro: “vamos escravizar nossos homens e mulheres, para que eles ganhem dinheiro no Exterior e nos enviem compulsoriamente a maior parte da grana”. Assim, Cuba inventou a escravidão estatal no século XXI. E disso tem vivido, pois a comunidade dos países amigos do socialismo e inimigos de seus próprios povos é vasta e unida. O Brasil petista acolheu os médicos escravos cubanos e assim financiou, durante anos, a ditadura comunista na ilha.

Precisou que aparecesse um Jair Bolsonaro para pôr o dedo na ferida. Não queremos mais isso. Não somos escravocratas; não apoiamos países que vivem de explorar sua própria gente. Readmitir com respaldo oficial o trabalho escravo no nosso país foi, apenas, mais um crime cometido pelos governantes petistas contra a humanidade. Deveriam ser processados também por isso.