segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Penedo, Alagoas, no alvorecer do século XX: dez jornais e uma receita de mulher

Gustavo Maia Gomes
Penedo (possivelmente) em 1869. Foto de A. Coutinho;
acervo da Biblioteca Nacional
Quem duvidar, consulte o acervo da Biblioteca Nacional na internet: entre 1902 e 1912, Penedo, a cidade alagoana do Baixo São Francisco, chegou a ter dez jornais em circulação. Não todos ao mesmo tempo; a maioria não sobreviveu ao primeiro ano. Abria um, fechava outro. Relaciono os que encontrei em uma breve pesquisa no site http://bndigital.bn.br/acervo-digital/. (Nas citações, mantenho a grafia original.)
O mais antigo (1902) dos velhos jornais de Penedo, dentre os digitalizados pela Biblioteca Nacional, foi “A Fé Christã”, que se apresentava como “hebdomadario dedicado aos interesses da religiao catholica”. Circulou até 1907. Não era feito para debiloides mentais, como o título poderia sugerir. Ali se discutia filosofia – o positivismo, por exemplo; e política – o jornal se congratulou, em seu primeiro número, com a rejeição de um projeto de lei que instituía o divórcio no Brasil. Vamos lembrar que a República, dominada, na origem, pelos positivistas, tinha apenas doze anos de vida, quando “A Fé Christã” apareceu.
Em 1909, quatro jornais nasceram e morreram na cidade: “A Flor: orgam dedicado ao bello sexo”, “O Cruzeiro”, “O Monitor” e o “Germinal: orgao litterario e noticioso”. Um ano depois, foi a vez do “Alvorada: orgam dedicado a defesa e educacao da mulher”, “A Escola: litterario e recreativo”, órgão do Externato José Batinga, “A Thesoura: orgao critico e noticioso” e “O Vadio: orgam popular”. Este último aguentou dois anos, vindo a fechar apenas em 1911. Finalmente, o “Jornal do Penedo: orgam do Partido Republicano Conservador” existiu entre 1912 e 1914.
Dos dez jornais mencionados acima, dois tinham a mulher como centro de atenção: “A Flor”, dedicado ao “belo sexo”, e o “Alvorada”, que se propunha defender e educar a mulher. O Germinal, por sua vez, se subintitulava um "órgão literário e noticioso". Nem um pouco especialmente preocupado com a mulher, aparentemente. Apesar disso, no seu primeiro número (25 de julho de 1909), apareceu a matéria seguinte, sem assinatura de autor. Mais uma vez, mantenho a grafia (nem sempre coerente, ao longo do texto) e os lapsos de concordância tais como os encontrei no original.
Concelhos para escolher esposa
Não sejam as leitoras egoísta, e permita-nos que insiramos aqui, um conselho para os homens que segundo nos parece é muito aproveitável.
– Quando uma mulher te agradar, leitor benévolo e houver de tua parte disposição para o casamento, procura primeiro que tudo, se possível for, surprehender uma mulher na cosinha – o que já é de muito bom agoiro. Se ella se não desculpar, se não se envergonha de ser surprehendida em trabalhos grosseiros, fica certo que possue um juízo são e um raciocínio bem orientado.
– Procura depois vêl-a sahir em dia de mau tempo: se se emvolve cuidadosamente n’um simples casaco de abafo ou de borracha, levando na cabeça um chapéu do inverno passado, evidentemente para não innutilisar com o aguaceiro o chapéu de que ultimamente fez acquisição, essa mulher não te arruinará, com certeza, em vestidos espaventosos e chapeos caros.
– Se a vires arranjar carinhosamente as flores n’um vaso, compor a prega mal feita de uma cortina, dispor as cadeiras e os moveis d’um modo cômodo e gracioso; essa mulher ama infalivelmente o lar domestico, o interior da sua casa simples e modesta; não correrá a bailes, não gostará de festas, será o anjo da família, a tua felicidade em suma; desposa-a se te agrada e não procures indagar se é rica ou pobre.
O ponto está em que assim a encontres.

(“Germinal”, ano 1, número 1. Penedo, Alagoas, 25/7/1909)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O dia em que minha mãe viajou no Penedinho

Este é o Comendador Peixoto, vapor contemporâneo, porém maior que o Penedinho. Afundou no início da década de 1960, quando já não fazia mais a linha regular Piranhas-Penedo.

Há um episódio que me diz respeito pessoalmente e tem a ver com a velha navegação a vapor (1867-1979) no Baixo São Francisco, entre Piranhas e Penedo, Alagoas. Envolve o navio Penedinho, sobre o qual minha mãe contava muitas histórias. Ela foi passageira daquela embarcação -- uma única vez, e por razões as mais imprevisíveis. (Como informa Etevaldo Amorim, historiador, em seu blog, “o vapor Penedo -– também conhecido por Penedinho -– operou até finais da década de 1950”.)
Minha mãe se impressionou, sobretudo, com os milagres de aproveitamento de espaço nos minúsculos camarotes do Penedinho. Também falava muito da informalidade da viagem, que incluía, com frequência, paradas não programadas, para compartilhar intermináveis almoços oferecidos aos viajantes pelos habitantes dos lugarejos ou das fazendas ribeirinhas. Nessas ocasiões, parecia que o tempo parava, ninguém tinha pressa. Nem mesmo o comandante do navio.
-– Mas como, afinal, minha mãe foi parar no Penedinho?
Provavelmente, no final de 1941 ou início de 1942, Stella Cardoso Pedrosa, que viria a ser minha mãe, viajou em férias ao Rio de Janeiro, na companhia de sua prima Carmita. Ambas, à época, solteiras, com idades próximas a 24 anos. Do Recife ao Rio de Janeiro, elas podem ter ido de avião ou de navio. Desconheço qual tenha sido a escolha.
Pouco depois de chegarem à capital da República, entretanto, foram surpreendidas com o início, em fevereiro de 1942, do torpedeamento sistemático de navios brasileiros pelos submarinos da Alemanha e da Itália. (Ao todo, 33 navios brasileiros foram afundados, parte nas costas do Brasil, parte nas dos Estados Unidos e em outros mares.) Como medida de precaução, as viagens de navios pela costa brasileira foram suspensas ou, pelo menos, grandemente limitadas. Lembro-me de Stella haver feito referência a estes fatos, como prelúdio às suas histórias sobre o Penedinho.
A suspensão das viagens de navios criou um problema para o retorno ao Recife de Stella e Carmita. Por causa da guerra, não havia vagas para civis na aviação comercial: os assentos eram sempre requisitados pelos militares. Tampouco existia a possibilidade de se vir, exclusivamente, por terra, pois as estradas de rodagem ou de ferro que havia não conectavam o Sul (hoje diríamos Sudeste) ao Norte (ou seja, ao Nordeste). Não ao Recife, com certeza.
Como, então, as duas conseguiram chegar a Piranhas, para, dali, embarcar no Penedinho? Não sei. Podem ter ido por terra do Rio a Pirapora, Minas, e dali ter tomado um vapor que as levaria a Jatobá (hoje, Petrolândia), em Pernambuco. De Jatobá a Piranhas, se podia ir de trem, usando a ferrovia de Paulo Afonso (1883-1964). Uma alternativa, que me parece, levemente, mais provável, seria elas terem ido de trem do Rio de Janeiro a Salvador e, desta cidade, seguido até Juazeiro, também de trem. De Juazeiro a Jatobá, de onde poderiam continuar em ferrovia até Piranhas, é uma distância, relativamente, curta.
Pode ter sido de um jeito ou de outro. Não tenho lembrança de Stella falar sobre esta parte de sua viagem. Em contraste, os dias que ela passou embarcada no Baixo São Francisco, fugindo dos submarinos alemães, foram marcantes. A ponto de o Penedinho ter-se tornado, em casa, quase uma pessoa da família.
Gustavo Maia Gomes

(20/1/2014)