quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A gripe espanhola em Manaus (1918-19)

Gustavo Maia Gomes

De agosto de 1918 a junho de 1919, o mundo foi assolado pela gripe espanhola, em cujo rastro entre 20 e 40 milhões de pessoas morreram, duas a quatro vezes mais que na primeira guerra mundial. Ao Brasil, a epidemia veio de navio, aportando, primeiro, no Recife, em setembro. O Norte foi atingido um mês depois. Fortemente: em Belém, o número de casos fatais alcançou 575; em Manaus, 858 pessoas foram mortas pela doença. Uma tragédia de vastas proporções.

O Instituto Benjamin Constant foi um das últimos lugares atingidos pela gripe espanhola. Caíram doentes 143 alunas e sete irmãs religiosas, mas não houve vítimas fatais.

Era governador do Amazonas o médico Pedro de Alcântara Bacellar. Ele deixou à posteridade impactante relatório sobre os estragos causados pela doença. Eis um resumo do documento.

A 22 de outubro (de 1918), passou por Manaus o navio S. Salvador, vindo do Pará, do qual desembarcaram pessoas gripadas. Ainda de Belém, entrou, a 24, o Valparaíso, com 17 enfermos. Dada a existência de casos ambulatoriais, foram suspensos os ensaios no Teatro Amazonas e, nos dias seguintes, as diversões em outros lugares, tornando-se cada dia mais aflitiva nossa situação. Foram, então, prestados os primeiros socorros à população, em grande parte, desprovida de recursos e, na sua generalidade, tomada de pânico pela propagação assombrosa da doença.

Como uma rajada, a investida do mal varria a cidade. Deixou de ser feita a comemoração aos mortos; adiaram-se os cultos religiosos; à Santa Casa não foi mais possível admitir gripados. Instalaram-se postos sanitários da Cachoeirinha, Vila Municipal, São Raimundo e Vila Barroso. O número de doentes ia avultando diariamente. A 7 de novembro, o desenvolvimento da epidemia já era assustador. Desorganizaram-se os serviços; por toda parte, a desolação, o pavor e o luto.

A 13 de novembro, a Associação Comercial fez um apelo a todas as classes para o auxílio à população. Organizou-se um comitê que instalou postos na capital. Fecharam-se as casas comerciais, os veículos deixaram de circular, e houve dificuldade no transporte de cadáveres, sendo preciso que o governo contratasse caminhões para esse trabalho e providenciasse os enterramentos. Mas, os obreiros da cruzada iam caindo também, atacados do mal. A classe médica, abnegada e heroica, socorria os atingidos pelo flagelo, mesmo desfalcada de elementos que a epidemia prostrara.

Naquele mesmo mês, a gripe atingiria sua maior intensidade. Doloroso momento; doloroso e indescritível. O Estado forneceu, além das receitas aviadas nas farmácias da capital à população pobre, a distribuição domiciliar de dietas e medicamentos. Expandia-se, por esta forma, o trabalho já iniciado pela Diretoria do Serviço Sanitário. Além disso, as medidas de socorro foram estendidas ao Interior. Para todos os municípios foram remetidas ambulâncias, sendo postos auxílios monetários à disposição das intendências, para distribuição de dietas e medicamentos.

O estoque de medicamentos esgotou-se, nesse tempo, sendo, então, publicadas pelo governo informações sobre o aproveitamento de plantas de nossa flora no tratamento da influenza. Boletins contendo medidas preliminares para a cura da doença foram distribuídos pelo interior. Quase todo o funcionalismo público sofreu o ataque da pandemia.

Em 6 de dezembro, chegávamos à quinta semana angustiosa e de incomparáveis provações. Cessara, entretanto, desde o dia 3, o ruído terrificante e sinistro dos caminhões se dirigindo para o cemitério. A epidemia declinava, diminuía o terror. Em 31 de dezembro, a epidemia foi considerada extinta na cidade.

O trânsito direto de navios de Belém ao território do Acre, sem obediência às prescrições exigidas, veio, porém, mudar a face das nossas condições sanitárias. Assim, o hospital flutuante Santa Bárbara, que havia sido fechado em 10 de janeiro, teve de ser reaberto em 11 de fevereiro, em virtude da chegada de gripados procedentes do Acre. Em 15 de março, entretanto, o número de doentes nos hospitais flutuantes havia se reduzido sensivelmente. A 5 de abril, os serviços do último desses hospitais de emergência, funcionando no vapor Marapatá, deixaram de ser necessários.

Devido, ainda, à chegada de enfermos do interior do Estado e do território do Acre, reapareceram, depois, nesta capital, alguns casos e a 8 de março irrompeu a moléstia no Instituto Benjamin Constant, que permanecera imune até então. Foram atacadas 143 educandas e sete irmãs religiosas, não se verificando óbito algum. Em maio e junho, houve casos no interior e em Manaus, mas, neste momento (julho de 1919) parece extinta a gripe pandêmica, em todo o território do Estado, após o ciclo devastador de sua apavorante duração.

(Fonte: Mensagem lida perante a Assembleia Legislativa na abertura da primeira sessão ordinária da décima legislatura, pelo Exmo, Sr. Dr. Pedro de Alcântara Bacellar, governador do Estado, a 10 de julho de 1919. Disponível na internet em Center for Research Libraries / Brazilian Government Documents)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Esse governo vai cair. Sua inépcia supera a imaginação"

Gustavo Maia Gomes

(Entrevista com Zamuk Amin sobre o momento político brasileiro)


Há cientistas políticos que não são uma coisa nem outra. Não é o caso de Zamuk Amin. Nascido no Ondéquistão, ele tem ideias claras sobre o Brasil, país que jamais visitou e cuja existência, até recentemente, desconhecia. Entrevistei-o após as manifestações a favor do-impeachment desse domingo (13/12/15). A seguir, um resumo da conversa.

E o povo não foi às ruas na quantidade esperada. Por quê?
Mesmo que abaixo da expectativa, a quantidade de pessoas nas ruas, ontem, deve ter sido duzentas vezes maior do que em qualquer das manifestações de apoio a Dilma. É algo significativo. Mas, o baixo comparecimento, admitamos isso, ainda mais numa hora em que o processo de impeachment vê-se ameaçado de extinção por manobras políticas e processuais, demonstra que a maioria das pessoas não está, realmente, muito interessada no assunto. Protestar contra a corrupção escrevendo em redes sociais é uma coisa; tomar um ônibus num domingo e aguentar o calor, em vez de permanecer em casa bebendo cerveja, é outra.

O descrédito da classe política pode também ser responsável pelo ainda baixo interesse popular no impeachment de Dilma?
Certamente, é um fator. Há tanta lama que as pessoas não acreditam mais nas instituições políticas, administrativas, e da Justiça, nas quais incluo o governo, estritamente falando, o Congresso, e os tribunais. Isso é muito perigoso. Uma crise política, com suas repercussões destrutivas sobre a economia, como a que vocês estão vivendo, só comporta duas soluções: a democrática, conduzida pelas instituições políticas dentro da normalidade constitucional e a violenta, imposta, geralmente, pelas forças armadas. Já estudei um número suficiente de ditaduras militares, inclusive a brasileira de 1964 a 1985, para não recomendar essa segunda alternativa a ninguém.

Mas, Collor caiu porque as ruas assim exigiram. Então, havia interesse popular na queda do presidente, em 1992, e não há, hoje?
Não concordo com nenhuma das duas assertivas. Embora as ruas tenham tido um peso importante no final, Collor não começou a cair porque os meninos pintaram o rosto. Os meninos pintaram a cara porque ao presidente faltaram respaldo ideológico e um aparato partidário e institucional que ele pudesse acionar. Antes de perder nas ruas; ele perdeu as ruas, por carecer dessas duas vacinas contra a condenação pública e política.

E quanto ao desinteresse relativo das pessoas no impeachment de Dilma?
Eu não acho que o desejo das pessoas derrubar Collor tenha sido maior do que o existente hoje contra Dilma. Antes de o processo dele entrar na reta final, o entusiasmo devia ser tão ou mais baixo do que é hoje. Quem disse que as manifestações ocorridas durante o impeachment do presidente alagoano foram maiores que as de ontem? Que a quarta onda de protestos contra ele superou a primeira? Que os jovens de 1992 pintaram a cara em tantas cidades quanto as que já se mobilizaram contra Dilma? O comprometimento das pessoas com o impeachment de Collor pareceu enorme – e, no final, realmente, foi – simplesmente, por não ter aparecido ninguém e nenhuma instituição de peso para defendê-lo.

O senhor falou que Collor carecia de respaldo ideológico e de um aparato partidário e institucional a seu favor. Poderia detalhar isso?
Fernando Collor trouxe um discurso novo e adequado ao tempo. Refiro-me às ideias de maior abertura da economia, mais competição, redução do Estado. Pode ter sido apenas oportunismo (provavelmente, foi), mas, se a intelectualidade brasileira tivesse se convencido de que aquela era a ideologia adequada ao país, e não o esquerdismo anacrônico e o coitadismo que ela ainda hoje defende, o presidente não teria sido derrubado com tanta facilidade. A UNE e a OAB, por exemplo, teriam se posicionado a seu favor, não contra. Os professores universitários, idem. Teriam dito, como dizem hoje, que impeachment é golpe. Nessas condições, dificilmente haveria grandes movimentos de rua contra o presidente (poderia haver, sim, a favor!) e os deputados pensariam duas vezes, antes de prosseguir com o pedido de impeachment.

E quanto ao aparato partidário e institucional?
O PT, apesar de ter perdido a eleição, já era um partido consolidado e com forte base social. Controlava os sindicatos, tinha as simpatias da Igreja Católica, dos estudantes, de movimentos sociais, de muitos jornalistas, e de quase todos os intelectuais que faziam a opinião pública brasileira. Quando surgiu a oportunidade de uma revanche, após a derrota de 1989, esse povo todo se mobilizou, no Congresso e fora dele, para criar um ambiente favorável ao impeachment. E o que Collor tinha em seu arsenal para combater aquela gente ressentida e organizada? Nada.

O fato é que o povo saiu às ruas e o movimento empolgou muita gente.
No final, sim. No começo, duvido que as adesões tenham sido espontâneas. Não tenho informações concretas, mas desconfio que as manifestações de rua da época foram infladas por multidões trazidas do interior em ônibus fretados. Já observei muitos processos semelhantes e posso afirmar com tranquilidade: na maioria dos casos, se há uma multidão na praça, existirá, também, uma fila de ônibus estacionados em ruas próximas. Os ônibus são fretados pelos partidos, sindicatos, movimentos sociais. É assim que se produzem as multidões gritando slogans a favor ou contra, não apenas no Brasil. É, também, o que está faltando aos que defendem o impeachment de Dilma Rousseff. Acho notável que, apesar disso, ainda se consiga juntar tanta gente nas ruas.

Já sabemos que as manifestações a favor de Dilma são regadas a mortadela.
E pelo fornecimento de transporte e a vinculação da presença ao recebimento de benefícios como a inscrição em programas governamentais. Sindicatos e organizações “sociais” tipo MST são braços do governo. Os partidos ideológicos como o PT, PSTU, PSOL, PCdoB, idem, mesmo quando tentam negar. Algumas entidades, a exemplo da OAB e a UNE, igualmente. Como diria Fernandinho Beira-Mar, “está tudo dominado”. Apesar disso, esse governo vai cair.

Por quê?
Sua inépcia supera a imaginação e a maioria das pessoas não suportará indefinidamente ver a inflação pipocar, seus empregos sumirem e o país ser destruído. Para piorar as coisas, a inacreditável sucessão de roubalheiras envolvendo o PT tem efeitos desmoralizadores. Assim, fica difícil aos defensores do governo mobilizar uma reação efetiva contra os que pretendem derrubá-lo. A cada dia, um novo petista vai preso ou é denunciado: dois ex-presidentes do partido, dois ex-tesoureiros, deputados, o líder do governo no Senado, o amigo de Lula, seus filhos e uma nora, a namorada do ex-presidente... Nada disso ajuda o governo, ao contrário, imobiliza-o numa posição delicadíssima, o que contribui para o cada-dia-pior que se tornou a rotina do noticiário econômico.

E então?
Nessas condições, se Dilma escapar do atual pedido de impeachment, cairá mais adiante. Por renúncia, por um segundo pedido de impeachment, até mesmo por um golpe civil ou militar. Nessa última hipótese, um belo dia, ela chegará ao seu escritório em Palácio subindo as escadas (pois os ascensoristas se recusarão a transportá-la) apenas para receber voz de prisão de alguém sentado na cadeira presidencial, enquanto o povo, reunido na Praça dos Três Poderes, a vaiará intensamente ao vê-la escoltada pelo “japonês bonzinho” da Polícia Federal.

Que cenário, dentre os que apontou acima (impeachment agora, impeachment mais adiante, renúncia, e golpe civil ou militar) o senhor considera mais provável?
O primeiro, a menos que o Supremo dê um cheque mate no processo. Pode demorar um pouco, pois esse governo, pelas razões que expus, é duro na queda, mas o atual caminho que leva ao impeachment já me parece irreversível. É a segunda saída menos dolorosa da situação caótica a que o Brasil foi levado pelos governos petistas – não apenas o de Dilma, mas também o de seu mentor Lula. A primeira, naturalmente, seria a renúncia, que me parece improvável. A não ser que a presidente consiga colocar a pasta de dentes de volta ao dentifrício, como ela pediu que Obama fizesse, alguns meses atrás. Não vai acontecer. A renúncia seria um gesto de grandeza e Dilma Rousseff é desprovida de qualquer traço de grandeza. De inteligência, então, nem falo.


domingo, 29 de novembro de 2015

Homenagem à professora Lourdes Barbosa, da UFPE

Íntegra do discurso pronunciado pela professora Viviane Santos Salazar em homenagem a Maria de Lourdes de Azevedo Barbosa por ocasião da solenidade comemorativa dos 20 anos de criação dos cursos de Hotelaria e Turismo da Universidade Federal de Pernambuco. O evento teve lugar no auditório do DHT-UFPE na noite de 27 de novembro de 2015
Vinte anos de Hotelaria e Turismo na UFPE (27/11/15). Da esquerda para a direita: Isabella Jarocki, Alan Machado, Laura Carvalho, Lourdes Barbosa, Isabele Almeida e Viviane Salazar.

Magnífico Reitor Professor Anísio Brasileiro, demais autoridades presentes, professores, ex-professores, alunos, ex-alunos, funcionários, ex-funcionários, demais convidados:

Hoje estou emocionada e muito honrada por ser a porta-voz de ex-alunos, alunos, professores e amigos nesta homenagem à minha querida ex-professora, hoje colega de trabalho e amiga Maria de Lourdes de Azevedo Barbosa, a LUDOCA.

No dicionário, agradecer significa mostrar ou manifestar gratidão, render graças, reconhecer. Gratidão é um sentimento de reconhecimento, uma emoção por saber que uma pessoa fez uma boa ação. A gratidão traz junto dela uma série de outros sentimentos, como amor, fidelidade, amizade (sentimentos esses que permeiam esta comemoração, este discurso e este momento) sendo esta exatamente a nossa intenção: agradecer a você, Lourdes, pelos 20 anos de dedicação à UFPE e especialmente ao curso de Hotelaria.

Se o curso de Turismo é filho dos professores Djaílton de Araújo, Carlos Eduardo e Helena Pedra, o curso de Hotelaria foi criado por uma mãe solteira !!! E este fato já demonstra a personalidade de Lourdes: uma mulher forte, altiva, cabeça feita e bem à frente de seu tempo. Filha caçula de uma família numerosa de oito irmãos (talvez por isso tenha aprendido cedo a conviver com a diversidade, a dividir e a seguir regras), sempre nos conta (de uma maneira divertida) como era o dia-a-dia de uma casa com oito filhos e apenas um banheiro !!! Luís Paulo (médico em São Paulo), João Batista (corretor de imóveis em Belém), Maria Placidina (juíza militar, hoje servindo no Rio de Janeiro), Inácio (engenheiro, São Paulo), Francisco. (engenheiro e empresário, Belém), Carlos (administrador de empresas, São Paulo), Joana (estilista) e, finalmente, Lourdes.

O pai, Armênio Barbosa, era paulista de Taubaté. Foi para Belém convidado por uma empresa internacional de pneus, entre 1943 e 1944. A ideia inicial era que ele fosse para Manaus, mas terminou em Belém. Lá conheceu Maria de Lourdes Azevedo, que pertencia a uma família de muito prestígio no Pará. Seus antepassados, especialmente, o avô, havia sido um grande comerciante e banqueiro da borracha, nos tempos áureos. Logo se vê que a elegância e o requinte de nossa Lourdes vêm de berço !!!!!

Graduou-se em turismo pela Universidade Federal do Pará (1985), fez especialização em Administração Hoteleira pela Universidade Federal de Juiz de Fora, teve um restaurante em Belém, e era professora da UFPA. Quis o destino que ela viesse para o Recife em 1994 e, como não havia curso de Turismo na UFPE, na época, ela foi para a Escola Técnica Federal de Pernambuco (onde tive a honra de conhecê-la). Em 1995, veio para a UFPE para implantar e coordenar o curso de Hotelaria.

Se já a admirava naquele tempo, hoje que sou professora e estou coordenadora do curso de Hotelaria, a minha admiração e respeito só aumentaram. Durante quase 15 anos foi nossa coordenadora e hoje (quando já podia ter dito NÃO, disse SIM novamente e é minha vice-coordenadora).

Não deve ter sido fácil. Junto com Carlos e Djaílton, fizeram de tudo um pouco: de carregar cadeira a planejar e operacionalizar encontros acadêmicos; de fazer matrícula (sem o SIGA) a participar de banca de concurso para professor. Durante este período, ainda teve coragem e garra de fazer mestrado e doutorado em Administração no Propad [UFPE] (conciliando com a coordenação, sendo substituída apenas por um período pela nossa querida Silze Anne). Ao longo deste período construiu uma sólida e reconhecida trajetória profissional e pessoal.

Não teve filhos biológicos (sempre nos disse que ter filhos é uma loucura !!!!), mas a vida lhe deu muitos filhos: nós, seus ex-alunos e alunos; os cinco enteados filhos do querido professor Gustavo Maia Gomes (a quem agradeço a ajuda para escrever este discurso) e Antônio, seu lindo e amado sobrinho !!! Na época em que cursava Hotelaria, lembro muito de toda tarde, nos intervalos, ir à Coordenação, abrir a porta e olhar para você. Saber que estava ali era muito bom !!! As conversas que tínhamos eram e continuam a ser inspiradoras. Lembro também dos conselhos dados, de sua visita a São Paulo para supervisionar o meu estágio curricular, das festas que fomos, das farras que fizemos, ... enfim dos momentos felizes que tivemos juntas.

Lourdes, construímos uma relação bem maior que a de professora-alunos. Você se tornou AMIGA de muitos de nós e INCENTIVADORA DE TODOS !!! Sua casa, especialmente, a cozinha, funcionou como uma INCUBADORA de novos talentos. Lá nasceram projetos de sucesso como o Reteteu e a Analu Cupcakes. Aliás, sua casa até hoje é um reduto de muito amor e carinho. Nossos encontros lá são sempre especiais. Obrigada por nos ensinar o verdadeiro sentido da HOSPITALIDADE que é o bom ACOLHIMENTO.

Muito obrigada por ser nossa amiga, ser ponderada e nos “chamar” para a realidade, por ser uma inspiração para a nossa vida profissional e pessoal, por saber ler nossa alma e nos aconselhar, por enxergar muito além das aparências !!!

Obrigada por ter acreditado no curso de Hotelaria. Obrigada por ter construído uma cultura de respeito, hospitalidade, companheirismo e amizade (hoje mesmo um aluno de Hotelaria estava às seis horas da manhã aqui na UFPE fazendo os buracos para colocarmos as tochas de decoração. Ele fez isso por amizade, companheirismo, respeito e por vivenciar esses sentimentos DIARIAMENTE !!!) É claro que um curso superior não se faz sozinho. Somos gratos também a várias pessoas e instituições (que aqui foram lembradas no discurso do professor Carlos Eduardo) mas sem você, Lourdes, hoje não estaríamos aqui.

Por tudo isso o nosso MUITO OBRIGADA !!!!! Saiba que honraremos o seu legado e JUNTOS faremos deste curso e deste departamento referência no cenário nacional e mundial. Porque quem faz HOTELARIA FAZ SUCESSO !!!!!


Amamos você.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dilma na Conferência do Clima

Gustavo Maia Gomes
Fontes completamente inconfiáveis informam que a presidente Dilma ainda não preparou o discurso de improviso que fará na Conferência do Clima, em Paris, na próxima semana. O Itamarati está otimista, acreditando que ela não irá falar nada, mas, por precaução, comprou farta quantidade de tapa-ouvidos para distribuir com os presentes ao encontro.
Desfalcada de seu tesoureiro, ora estagiando em Curitiba; preocupada com o Primeiro Amigo, que há três dias não recebe empréstimos do BNDES; e tendo de visitar o líder do governo na Papuda, a presidente Dilma estaria "sem cabeça" para atividades intelectuais. -- Melhor assim, tranquilizou-se o ministro Dedinho Silva.
O queise de sucesso que a presidente apresentará em Paris é a política pública dos governos petistas cujo objetivo, afinal cumprido, era tornar marrom uma enorme área do Oceano Atlântico. “Nunca antes na história deste país isso havia sido feito”, aduziu Pequenininho Silva, assessor de Dedinho. Menorzinho Silva, assessor do assessor, balançou...
Bem, quero dizer, balançou.

(Publicado no Facebook, 26/11/15)

Perigos da abundância

Gustavo Maia Gomes
Neste fim de semana, circulei de carro por interiores do Nordeste, no percurso Recife-Natal. Deixei o rádio sintonizar o que encontrasse. Impressionou-me descobrir FMs com transmissão cristalina e assuntos variados em municípios dos quais eu nunca ouvira falar.
Em Cacimba de Dentro (PB), por exemplo, um programa atrás do outro critica o prefeito. Bom mesmo é Nelinho, candidato da Oposição nas próximas eleições. Alguém espalhou que Nelinho tem um pendura antigo na mercearia, mas seus aliados negam veementemente.
Em Campina Grande, Artur Bolinha é candidato a prefeito. Roberto Freire, presidente do partido que abrigou Bolinha, estava lá. Foi duas vezes chamado de Roberto Jefferson, não sei se por ironia. (Freire é aquele deputado que gostava de Marx e Lênin. Desiludiu-se com o comunismo após perder os votos que nunca teve.)
Uma faculdade de João Pessoa anuncia ser a única reconhecida pelo Ministério de Educação da Espanha. Em nenhum momento diz ter crédito semelhante no Brasil. Pensei comigo: deve só ensinar espanhol. Ledo engano. Será que exporta mão de obra para a Europa? Quizás. El ascensorista siempre pregunta: vás pra riba?
Mas a melhor história veio mesmo de Natal, a bela capital potiguar. Era um programa desses que abrem os telefones, e-mails, whatsapps, facebooks, etc, na esperança de que alguém lhes tire do anonimato. Pois, não é que aconteceu? Falou uma mulher nervosa, reclamante, indignada.
Deduzi que, dois dias antes, o mesmo programa havia ensinado como tirar manchas do sofá. Receita simples: “pegue uma porção de fixador para cabelos tingidos e aplique com abundância sobre a mancha”. Por que, então, a mulher tinha tanta raiva?
– A senhora aplicou o fixador? – perguntou o radialista.
– Sim.
– Com abundância?
– Sim, como o senhor mandou.
– E a mancha não saiu?
– Nadinha, tá lá. Mas o pior não foi isso.
– O que foi?
– Digo não, tenho vergonha.
– Mas, senhora, assim não vou poder lhe ajudar.
– O pior foi com a bundância.
– Não entendi.
– Ficou preta retinta. Já passei tudo que é sabão e nada dela clarear.

(Publicado no Facebook, 23/11/15)

Não nasci no Rio Doce

Gustavo Maia Gomes
Em texto publicado n'O Globo de ontem (22/11/15), ou anteontem, a excelente jornalista Miriam Leitão revela ter nascido entre Minas Gerais e o Espírito Santo, assim como o Rio Doce. Está triste, revoltada, com o mar de lama que destruiu suas melhores lembranças.
Fernando Gabeira, também brilhante, igualmente, mineiro, em artigo publicado no mesmo jornal, um dia antes, mostra-se perplexo. Homem de TV, ele fez, há pouco tempo, programa sobre a cidade de Rio Doce, onde o rio nasce e, há meio século, ninguém morre assassinado.
Eis que mataram o Rio Doce. E vinte pessoas. E um pedaço de Mariana, a cidade. E todos os peixes. E a água nas torneiras. E as lembranças de Miriam Leitão. Eu não nasci lá, nem fiz programa de TV sobre uma terra sem crimes. Mesmo assim, me sinto atingido. Quem matou o Rio Doce?
Eu sei quem matou Odete Roitmann. Eu conheço o assassino de Kennedy. Eu sei que Par Tido acabou com o Brasil. Eu fui informado de qual grupo terrorista executou aquela covardia em Paris. Até quantas balas mataram João Pessoa, eu sei. Eu só não sei quem matou o Rio Doce.
Terá sido a empresa mineradora, que construiu uma represa insegura e não cuidou de sua manutenção? É possível. Terão sido os sucessivos governos, que emitiram licenças indevidas, fecharam os olhos para o desastre iminente, e apenas contaram os mortos, quando veio o pipoco? Provavelmente, sim.
A propósito: Odete Roitmann foi personagem de uma telenovela, tem lá seus vinte anos. Saber quem a tinha matado tornou-se a principal preocupação dos brasileiros, por um tempo. O mistério só foi resolvido no último capítulo. Quem matou Odete Roitmann foi..., foi... FHC.
(Publicado no Facebook, 23/11/15)

Sobre a proposta de cortar parte dos recursos do Bolsa Família

Gustavo Maia Gomes
(Pergunta do jornal O POVO, Fortaleza): O corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família, proposto pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), é uma medida viável dentro do ajuste fiscal?
 SIM 
O que pretendia o governo Dilma Rousseff ao enviar ao Congresso uma proposta orçamentária com um buraco de R$ 30 bilhões? Duas coisas: pressionar deputados e senadores a aprovarem mais impostos, especialmente, a CPMF, e passar a imagem de que é bonzinho e não cortaria despesas sociais. Deu um tiro no pé, mas isso pouco altera a situação de quem já não tem mais pé. Nem cabeça.
Logo ficou claro que a sociedade brasileira não aceita pagar mais impostos para financiar a demagogia. Deputados e senadores não são ingênuos. Sabem que, se forem contra o sentimento popular, perderão os votos. Portanto, não aprovarão a CPMF. É, igualmente, óbvio que aprovar um orçamento deficitário num momento em que a dívida pública federal está explodindo constituiria demonstração 
de insensatez.
Resta o quê? Cortar despesas. É cristalino, aritmético, ululante. O deputado relator da proposta orçamentária deve ter analisado umas dez vezes as cinco mil linhas de gastos que o governo mandou para o Congresso, antes de concluir que não será possível eliminar o déficit sem cortar, também, despesas sociais. Portanto, está recomendando podar um pouco o Bolsa Família. Simples assim.

Não creio que o deputado quisesse cortar despesas sociais. Acho que ele apenas percebeu não existir outra saída. Esse governo irresponsável vendeu, durante anos, a ideia de que poderia produzir riquezas gastando um dinheiro de que não dispunha e nem tinha como tirar da sociedade. Ao invés de riquezas, produziu dívidas, que agora terão de ser pagas. 
Mais impostos, ninguém quer e nem aceitará, sem reagir. O Bolsa Família, ou algum outro programa de gastos, terá de ser cortado. Não devíamos brigar com a aritmética. Devíamos, sim, arranjar outro governo. Quanto mais cedo, melhor.
(Publicado em O Povo, Fortaleza, CE, 13/11/15)

Assassinatos de mulheres ou lavagem cerebral?

Gustavo Maia Gomes
Fiquei chocado com as conclusões do estudo sobre o assassinato de mulheres no Brasil. É notícia de hoje (9/11). Somente em 2013, ano mais recente pesquisado, foram 4.762. Não terá sido muito diferente em 2014. Terrível, lamentável. Mais uma prova de que o capitalismo, assentado na exploração dos trabalhadores, gera opressão, crime e miséria.
Depois de expressar minha revolta com a ênfase possível, resolvi dar uma olhada nas estatísticas. Queria aumentar meu ódio ao sistema, que já não é pequeno. Achei isso no G1 (27/7/15): no Brasil, em média, são assassinadas 143 pessoas por dia, homens e mulheres juntos. Os dados se referem a 2014.
Como aprendi a fazer contas de multiplicar com Dona Inês, descobri que 143 mortes por dia vezes 365 dias por ano equivalem a 52.195 mortes de homens e mulheres em doze meses, no Brasil. Subtraindo 4.762 mortes de mulheres desse total, deduzo que, por ano, são assassinados 47.433 homens.
Quer dizer: no Brasil, morrem assassinados, por ano, DEZ VEZES mais homens do que mulheres. Mas essa cambada de intelectuais de m., esquerdizóides, marilenas-chauís da vida, acha que o problema é o assassinato de mulheres.
O problema, meus caros (e baratos) é o assassinato. Deviam ter vergonha de fazer demagogia com um assunto tão sério.
(Publicado no Facebook em 10/11/15)

Estranho mundo da tecnologia

Gustavo Maia Gomes
Precisando eu me comunicar com Maria Placidina Barbosa, para saber notícias do primeiro sobrinho, Antonio, tive a ideia de estacionar o carro e usar o burrofone. Atendeu uma voz feminina: "Seu mal é pensar que isso aqui funciona. Nunca ouviu falar de mim, quero dizer, da Tim? Só falo quando quero e, quase sempre, em gravação."
"Tenho problemas com celulares", pensei, no exato momento em que via um orelhão. Com as fichas descobertas no cinzeiro, tentei de novo falar para o mundo. Nada feito. Voltei para o carro e apressei a marcha, ouvindo do rádio as únicas notícias que a CBN dá aos domingos: o treino do Náutico, a derrota do Bela Vista, o gol em impedimento de Zéca Olho.
Já em casa, pelo Skype, contactei Lourdes Barbosa, que está em Breda, Holanda. Teria eu anotado o número errado? Não. "Espere um pouco, respondeu-me. Vou mandar um whatsapp para ela". Cinco minutos depois, tocou o telefone fixo, relíquia que me prende ao passado. Era Hugo Barbosa, o primo inter primus. Estava trazendo Antonio.
Conclui que a tecnologia, afinal, me havia socorrido, do Recife até Breda, ida e volta. Ledo engano. Hugo não recebera mensagem nenhuma. Tinha vindo por que viria de qualquer forma, seguindo instruções antigas. Na porta da casa onde Antonio ora reside, inventou um jeito de se comunicar comigo, pois o interfone daqui emudeceu, desde ontem.
Fechando a história, clico de novo o Skype, buscando Lourdes. Debalde. Tóim, tóim, tóim -- e nada. Lembro-me do Facebook. Quem sabe, ela está no Facebook? Mundo novo da tecnologia. Enquanto isso, meu avô ainda espera que sua carta à namorada, enviada em 1943, seja respondida. Acho difícil, mas, quem sabe, se a Tim assumir os Correios?
(Publicado no Facebook, 8/11/15)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Família em tempos modernos

Gustavo Maia Gomes

No início, era homem, mulher, filhos e uma tia solteira. Os filhos, quando adultos, saíam de casa para formar a própria família. A primeira reforma veio com a supressão das tias. De um lado, elas se casavam mais frequentemente; de outro, mesmo quando não era esse o caso, iam ganhar a própria vida, sem agregações.
Enquanto as tias desapareciam, as separações dos casais, frequentes e múltiplas, iam misturando as coisas. Criou-se a figura dos três irmãos, dois dos quais não são irmãos entre si. E a dos meninos e meninas com vários pais, sucessiva e simultaneamente. Além disso, como uma pitada de sal, tornaram-se comuns os filhos que ficam velhos sem deixar a casa dos pais.
Ampliados, os modelos de família continuariam a ser. Por que não casais do mesmo sexo? Pode? Não pode? Ficou podendo. É a marcha da história, mais determinística que a imaginada por Marx e Engels. Mas, e os filhos? Serão adotados, clonados, proveteados, inseminados, enxertados. Nada que a ciência moderna ou uma ONG financiada pelo governo não saibam fazer.
A invenção dos casais de mesmo sexo multiplicou por três os modelos de família, definida por seu núcleo inicial. Agora são homem-mulher; homem-homem; mulher-mulher. Isso, se não quisermos pensar em combinações mais imaginosas, como gay e lésbica, travesti e sapatão, assexuado e transexuado.
A seguir, vieram os “casais” de três. Temos, então, sete combinações: as três anteriores e mais homem-mulher-mulher, homem-homem-mulher, homem-homem-homem, mulher-mulher-mulher. E já se imaginam os casais de quatro, cinco, seis participantes. Administrar esses aglomerados vai ser um pesadelo, mas quem liga pra isso?
O próximo passo será incluir os cachorros, gatos, papagaios e outros bichos na família oficial, legalizada, com alvará e tudo. Aí sim, vamos ter novidades. Divórcio litigioso entre a mulher e o cachorro. Iniciativa dele. Lei Maria da Penha estendida às muriçocas. Bullying na escola: chamaram o menino de Rex. Pensão alimentícia para uma ninhada de gatos.
Com quem ficarão as pulgas? Decidirão os veterinários. E se o papagaio contar piadas imorais sobre a vara da família? O juiz vai absolvê-lo. Como será chamado o filho da minhoca com a borboleta? Borbonhoca, se voar; minhoqueta, se ficar cavando o chão.

(Publicado no Facebook, 24/10/15)

Os hotéis de Manaus em 1900

Gustavo Maia Gomes

Os anos 1890-1910 foram de máxima prosperidade para a região Norte: a borracha chegou a ser o segundo mais importante produto nas exportações brasileiras perdendo, apenas, para o café. A população de Manaus passou de 38 mil para 50 mil habitantes, entre 1890 e 1900; a de Belém aumentou ainda mais, de 50 mil para 96 mil, entre os mesmos dois anos. No Brasil de 1900, somente o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e o Recife eram maiores que Belém.
Os imponentes teatros da Paz (Belém, 1878) e Amazonas (Manaus, 1896), trouxeram ares europeus a uma terra ainda quase selvagem. No caso do Estado do Amazonas, em especial, os relatórios anuais dos governadores à Assembleia Legislativa (à época chamada “Congresso de Representantes”) documentam a enorme elevação das rendas públicas, ano após ano. O que não significava que a situação fiscal fosse sempre confortável; as despesas, com frequência, cresciam ainda mais rapidamente.
Tanto Belém quanto Manaus se conectavam com o resto do Brasil e a Europa por linhas de navios a vapor e pelo cabo telegráfico submerso no oceano Atlântico e no rio Amazonas. Os negócios em alta atraíam visitantes; os espetáculos teatrais – óperas, inclusive – traziam caravanas de artistas. Era preciso ter hotéis que os acolhessem. E os hotéis apareceram. Em 1900, a estatística oficial relacionou 30 deles, com seis mil hóspedes ao longo do ano, na capital do Amazonas.
O mais famoso hotel de Manaus na época de maior prosperidade da borracha foi o Cassina. Mas também havia, dentre os grandes, o hotel Restaurante Central, o do Porto, o da França, o Francês, o Café Central, o Dois Irmãos Unidos, o Duas Nações, o Luso Brasileiro, o Madeira, o Sal e Pimenta e o Nova Esperança. De médio porte, destacavam-se os hotéis Popular, Adamastor, Rio Negro, Vasco da Gama, dos Artistas, América, Dois Amigos, do Comércio, Internacional, Familiar, American e Souza.
Outra fonte mostra que o número de visitantes a Manaus foi muito maior que os seis mil notificados pelos hotéis. O “Mapa demonstrativo do movimento de embarcações e passageiros entrados no porto desta capital durante o ano de 1900” registrou 48.931 passageiros “entrados” na cidade, dos quais 3.713 eram estrangeiros vindos do Exterior. Onde dormia tanta gente, se os hotéis só recebiam seis mil pessoas, não sei. Possivelmente, em pousadas informais, nas casas dos comerciantes com quem vinham fazer negócios, ou nos próprios navios, durante sua estada no porto.
Podemos imaginar o que esse intenso movimento de pessoas significava na vida de uma cidade que, naquele último ano do século 19, tinha quase o mesmo número de residentes que de visitantes.
(Em 1900-04, o governador do Amazonas foi Silvério José Nery. As estatísticas citadas no texto - exceto as referentes à população das duas cidades -- foram colhidas na sua Mensagem ao Congresso de Representantes em 10 de julho de 1901.)

Publicado no Facebook, 23/10/15

Árvores caindo, canoas balançando (Manaus, 1888)

Gustavo Maia Gomes

Fui buscar a informação nos relatórios oficiais. Em 12 de junho de 1888, o “Excelentíssimo Senhor Coronel Doutor” Presidente Francisco Antonio Pimenta Bueno passou a administração da Província do Amazonas ao “Excelentíssimo Senhor Tenente Coronel” Antonio Lopes Braga, segundo Vice-Presidente. Em meio a tantas excelências, o menos excelente, mas Ilustríssimo Secretário de Polícia Sebastião José de Magalhães Braga apresentou os “fatos acidentais e ocorrências notáveis” em Manaus, nos primeiros meses de 1888, segundo o Secretário:
• A 20 de janeiro, no lago Monguba, foi morto por um tiro casual de espingarda Roque Bentes de Santana, devido a um ato de sua própria imprudência, conforme ficou provado pelas averiguações procedidas.
• No lugar Tacana, segundo distrito de São Paulo de Olivença, um índio foi esmagado pela queda de uma grande árvore.
• A 27 de janeiro, pelas dez horas da noite, indo o português de nome João Inácio Caminha, negociante no Mercado Público desta capital, a bordo do vapor Santarém levar um baú com gêneros, caiu no rio, desaparecendo em seguida.
• Em Itacoatiara, desapareceu Raimundo Belchior da Silva, tendo sido encontrada no lugar Taboal a canoa em que o mesmo se achava embarcado contendo apenas alguns objetos de seu uso. Supõe-se ter Silva morrido afogado.
• A 8 de março, no povoado Careiro, próximo desta capital, desapareceu Maria Rufina quando estava banhando-se no rio. Das averiguações procedidas, ficou provado ser casual esta morte
• No dia 4 de abril, morreu esmagado por uma árvore o lenheiro Manoel Germano de Freitas.
• A 16 de abril, foi vítima de um pau na derrubada que fazia em terreno para roça, Antonio Pedroso.
• No mesmo mês, no distrito de Guajaratuba, morreu afogado, em data de 22, Daniel Braga que, em estado de embriaguez, caiu de uma canoa ao rio, tendo logo desaparecido arrebatado pela correnteza que no lugar era fortíssima, acrescendo mais ter-se dado o fato à noite.
Tirando fora o infeliz caso de Roque Bentes de Santana, que se espingardeou a si mesmo, os acidentes em Manaus aconteciam ou quando as árvores em queda esmagavam os seus cortadores, ou quando canoas ou vapores faziam movimentos bruscos e os bêbados caíam no rio.

(Publicado no Facebook, 20/10/15)

"Sou de esquerda", disse o cego

Gustavo Maia Gomes

Era uma reunião de amigos, ex-colegas de lutas estudantis nas décadas de setenta, oitenta, por aí. "Os filósofos explicaram o mundo; trata-se, agora, de transformá-lo", repetiam eles, à época. E transformado o mundo seria. Talvez, não na direção que aqueles jovens, hoje velhos, imaginaram.
– “Sou de esquerda”, disse o cego.

– “O mundo marcha para o socialismo”, declarou o paraplégico.
– “A crise é a contrarrevolução”, falou o sindicalista corrupto.
– “A política burguesa é podre”, afirmou o deputado ladrão.
– “Che Guevara não morreu”, declarou o doente de Alzheimer.
– “O culpado é o FMI”, ajuntou o professor da Unicamp.
– “Odeio a classe média”, retorquiu o bancário em greve.
– “Mais uma cerveja”, gritaram todos.

(Publicado no Facebook, 18/10/15)

Nobel de Economia para Branquinha (AL)

Gustavo Maia Gomes

Com a pequena cidade de Branquinha, na Mata Norte de Alagoas, tenho relações incestuosas. Ali viveram meu pai, avós, bisavós. Ali nasceu meu irmão Ivan. Era onde passava parte das férias, quando menino. Tenho-na visitado com mais frequência. Ou transitado pela estrada que lhe dá acesso.
Fizemos isso (IvanElisaLourdes, Antonio e eu) há dois dias (12/10). Já tinha observado que Branquinha reescreveu Pero Vaz Caminha de uma forma perversa: ali, em NÃO SE PLANTANDO, nada dá. A cana sumiu, não há açúcar, nem afeto. Produção zero. Paraíso petista.
Já não existe atividade econômica em Branquinha. Os jovens passam a vida embaixo de uma castanhola, esperando a Bolsa Família chegar. Os velhos têm sua aposentadoria. Quem pensa que trabalha, é empregado da Prefeitura, cujo prédio não sabe onde fica, nem precisa.
Agora descubro que não só de esmolas vivem os branquinhenses. Eles também invadem fazendas. E ganharam sua casa própria. (A região entre Murici, Branquinha e União dos Palmares, ao longo da BR-104 está cheia de conjuntos residenciais do Minha Casa, Tua Dívida).
Nas invasões, vimos sinais de progresso: famílias com seus carros à porta. Não que tenham plantado um pé de milho, ou criado uma galinha. Os automóveis, provavelmente, são uma acumulação anterior, resultante de um lote invadido, desapropriado, recebido de graça e revendido.
É assim que o Brasil vai pra frente, sob o comando de Lula, Lulinha e a mulher mandioca. Todos movidos a petróleo, claro.
(Publicado no Facebook em 14/10/15)

Um túnel no fim do túnel?

Gustavo Maia Gomes
Para onde estamos indo? Todos queremos saber, ninguém sabe. Muito menos, eu. Arrisco-me, apesar disso, a dar alguns palpites. O mais fundamental é que, sem o afastamento da presidente (por cassação, impeachment, renúncia, ou outras possibilidades) não haverá solução para a crise econômica e política.
Por que? Porque esse governo É A CRISE. Todas as dificuldades que estamos vivendo são consequência da desonestidade (Petrolão, vendas de MPs, pedaladas fiscais, mentiras da campanha eleitoral, fraudes contábeis, etc) e da incompetência (descalabro fiscal, congelamento de alguns preços, ré-regulamentação caótica do setor elétrico, etc) de Dilma e seus comparsas.
Mas, em nenhum momento, eles acham que erraram. Portanto, não podem se credenciar, nem diante do povo, nem diante do Congresso, nem diante dos investidores do Brasil ou do Exterior, como portadores de uma saída para a crise. Perderam os últimos vestígios de credibilidade. E, sem credibilidade, nenhuma saída será, jamais, construída.
Os demais palpites, eu os agrupo em três cenários.
CENÁRIO UM: DILMA CONTINUA NA PRESIDÊNCIA. Crise econômica se aprofunda, por falta de apoio político (inclusive, do próprio governo) para o ajuste fiscal, que só poderia vir pelo aumento de receitas (CPMF). Dólar continua a subir. Capitais externos deixam de vir e, ao contrário, saem. Inflação cresce acima das expectativas mais pessimistas. Clima de incerteza reduz o investimento interno. Juro se eleva para tentar reverter saída de capitais. Renda das pessoas cai. Desemprego aumenta. Todo esse processo se autoalimenta, mas, como se não bastasse, o governo continua piorando as coisas fazendo tudo errado. Torna-se cada dia mais claro que, com Dilma na presidência, a crise ficará sempre pior.
CENÁRIO DOIS: TSE CASSA A CHAPA DILMA-TEMER. Grande incerteza política. Crise econômica continua. Instabilidade se prolonga até às próximas eleições presidenciais (que podem acontecer em três meses ou em dois anos). Probabilidade de aparecer um candidato forte do PSDB, talvez tendo um vice do PMDB. Probabilidade, por outro lado, de aparecer um forte candidato porra-louca, à lá Collor 1989. Se ganha chapa PSDB-PMDB podem ser recriadas condições de governabilidade. Um programa sério de ajuste fiscal, inclusive com aumento de impostos, poderia ser tocado. Melhoria de expectativas levaria a lento retorno à normalidade econômica, via entrada de capitais externos, queda do dólar, alguma recuperação do investimento interno. Se ganha o porra-louca, caminhamos para a hiperinflação com a economia ainda estagnada, alto desemprego e renda por habitante em queda.
CENÁRIO TRÊS: IMPEACHMENT. Temer pode se tornar um líder, se não houver denúncias contra ele, diante da necessidade de todos nós nos ampararmos em qualquer possibilidade de salvação que tenha um mínimo de credibilidade. O "cheque em branco" que ele receber poderá ser usado para cortar mais despesas, recriar a CPMF, fazer algumas compensações não muito caras para acomodar os mais prejudicados com o ajuste. A confiança se restabeleceria. Os capitais externos voltariam. Diminuiriam as pressões de aumento do dólar. A inflação deixaria de aumentar. Uma frente política ampla (PMDB, PSDB, PPS, PSB, DEM) poderia ganhar legitimidade elegendo o PT como o inimigo público número um. Petistas seriam processados em série, reabrindo casos como o Sanguessuga, a morte de Celso Daniel, a participação de Lula no Mensalão, etc). A recuperação da governabilidade permitiria a retomada do investimento interno. A economia começaria a reagir, com a volta do crescimento.

(Publicado no Facebook, 11/10/15)

sábado, 10 de outubro de 2015

Indireitos trabalhistas

Gustavo Maia Gomes

Pessoa a quem conheço bem planejou montar um restaurante daqueles que levam a comida à casa do freguês. Precisaria, portanto, contar com os serviços de um motoqueiro ou de empresa especializada em fazer entregas.
Descobriu que as empresas cobram, por entrega, mais do que o valor de cada prato. Isso a fez descartar a alternativa. Não seria possível vender por 31 reais macarronada que custa 15 se comprada no restaurante. Resolveu contratar um motoqueiro.
Teria ela, então, encontrado a solução do problema?
Longe disso. Os motoqueiros são sindicalizados e têm um piso salarial superior ao mesmo salário mínimo que sobe todo ano, quer a economia cresça ou decresça, quer a produtividade do trabalho aumente ou diminua.
Além disso, o contratante é obrigado a pagar o aluguel da moto, a gasolina, fazer seguro, assegurar férias, pagar horas extras, protetor solar, FGTS, auxílio maternidade, INSS, adicional de periculosidade, indenização pela fumaça, adicional por trabalho noturno ou diurno (tanto faz), vale transporte, vale engarrafamento, vale gás, décimo terceiro, plano de saúde, plano frontal inclinado, etc, etc, etc.
Aí, minha amiga compreendeu por que as empresas cobram o valor de um prato para entregar o dito cujo na esquina mais próxima. E abandonou seus planos de montar um restaurante que faz entregas. Resolveu estudar para concurso público.
Não foi assim que o partido dos ladrões prometeu resolver os problemas do Brasil?

(Publicado no Facebook, 24/9/15)

Vegano, salvo engano

Gustavo Maia Gomes

Conto uma história real. Passou-se em Londres, 1988. À época, eu vivia em Cambridge, também na Inglaterra. Altero os nomes das pessoas, pois não lhes pedi autorização para divulgá-los.
Roberto, um colega da Universidade de Cambridge, me convida a acompanhá-lo a Londres, onde haveria recepção em casa de certo brasileiro, Jáder, que vivia há muitos anos na Inglaterra, trabalhando na Rádio e Televisão BBC. Decido ir.
Chegamos a Londres. Na casa, muitas pessoas estão reunidas, formando diversos grupos. Noto que, naquele onde ficou Roberto, há uma jovem mulher de aspecto, digamos, não convencional. Vim a saber que era filha do dono da casa.
Passa o tempo, os grupos se desfazem, outros se formam, e eis-me conversando com a mesma jovem mulher. Era vegana, embora a palavra nem existisse, ainda. Aconteceu o seguinte diálogo, no qual a primeira pergunta foi dela.
— Você teria coragem de fisgar um peixe e comê-lo?
— Não apenas "teria coragem", como já o fiz varias vezes.
— É uma traição. Você usa de astúcia. Coitado do peixe.
— Sim, mas o que a senhora come?
— Urtiga e trigo. Nada mais do que essas duas coisas.
— Trigo, vá lá, mas "urtiga"? Aquilo arde pra diabo.
— Eu a cozinho, antes.
— Mas, a urtiga levou milhões de anos para desenvolver um sistema de defesa: não me coma, que eu ardo. Aí vem você e destrói todo aquele trabalho, cozinhando-a? Não seria astúcia?
— Nunca tinha pensado nisso.
Na volta para Cambridge, contei o episódio a Roberto, que me revelou o teor de sua própria conversa com a mesma mulher:
— Eu a convenci de que comer trigo dá câncer.

(Publicado no Facebook em 7 de outubro de 2015)

Morrendo em Manaus (1884)

Gustavo Maia Gomes

Em 12 de julho de 1884, o presidente do Amazonas, Teodoreto Carlos de Faria Souto (1841-1893), entregou o cargo. O documento com que oficializou a saída, contém o “Mapa demonstrativo dos óbitos na capital, desde 1/1 até 30/6/1884, excluídos os variolosos”. Ficamos sabendo, assim, de que morriam os manauaras no último quartel do século 19.
Convido meus amigos médicos (sei que os há muitos) interessados em História (já não tenho tanta certeza) a lerem a relação de “moléstias” abaixo. Se puderem esclarecer o que significava, por exemplo, “febre cerebral”, “cachecia palustre” e “garrotilho”, já me ajudarão bastante.
{Os números entre parênteses (...) são a quantidade de mortes atribuída a cada moléstia. As palavras entre colchetes [...] são palpites meus sobre os correspondentes atuais das palavras antigas.}
Febre biliosa (36)
Febre amarela (17)
Febre intermitente (5)
Febre palustre (3)
Febre tífica [tifoide?] (2)
Febre perniciosa (2)
Febre maligna (1)
Febre puerperal (2)
Febre renitente (1)
Febre cerebral (1)
Tuberculose pulmonar (15)
Tuberculose laringar (1)
Gastroenterite (11)
Congestão pulmonar (8)
Congestão cerebral (4)
Pneumonia (7)
Pneumonia dupla (1)
Tísica (7)
Convulsões (6)
Desinteria (6)
Gastro Hepatite (4)
Tétano (4)
Cachecia [?] palustre (4)
Hepatite crônica (3)
Beri-beri (3)
Abcesso (3)
Asfixia por submersão (3)
Interite ulcerosa (2)
Clome [?] (2)
Cancro (2)
Úlcera cancerosa (2)
Tosse convulsa (2)
Enterocolite (2)
Crepitude (2)
Apoplexia (1)
Lepra (1)
Chisose [cirrose?] hepática (1)
Hidropesia (1)
Ferida gangrenosa (1)
Coração (1)
Ferimento profundo (1)
Lesão cardíaca (1)
Ferimento de cabeça (1)
Intoxicação anêmica (1)
Aneurisma (1)
Garrotilho (1)
Gastrite (1)
Ferimento de punhal (1)
Anemia (1)
Queimadura (1)
Moléstia ignorada (62)

(Publicado no Facebook, 9 de setembro de 2015)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Os produtos do Alto Amazonas (1861)

Gustavo Maia Gomes
A pesca do pirarucu (peixe que pode atingir 200 kg de peso) era uma atividade econômica importante no Amazonas do século 19. (Foto colhida na internet; Instituto Ciência Hoje / UOL)

Em 1861, o governo de Pedro II organizou a Exposição Nacional da Indústria, no Rio de Janeiro. As províncias foram convidadas a participar e o Amazonas, efetivamente, lá esteve mostrando o que produzia. Em outra matéria, falei das ervas medicinais. Agora trato dos “produtos agrícolas”.
Na verdade, a despeito do eufemismo, praticamente, não havia agricultura – apenas, extrativismo – no Amazonas. Além disso, o Anexo ao Relatório do Presidente da Província Manoel Clementino Carneiro da Cunha à Assembleia Legislativa (1862) que, em parte, transcrevo a seguir, também relaciona objetos artesanais.
Com essas ressalvas, copio seletivamente do “Relatório sobre os produtos agrícolas do Alto Amazonas” (Manaus, 23 de outubro de 1861), assinado por Antonio Gonçalves Dias. Mantenho a ordem em que os vários itens aparecem no documento.
CAFÉ, CACAU, PIRARUCU...
Café. O melhor, antigamente, era o de Coari e Teffé, no Solimões. Seu uso é bem conhecido. Consome-se algum na província e o restante é exportado para Belém do Pará. É para lamentar não só que seja péssimo o sistema de fabricar o café, como também que a cultura de tão importante ramo do comércio vá caindo em total abandono, quando há na província excelentes terras para ela.
Cacau. Os usos do cacau são bem conhecidos. Figura em matéria médica, na escala dos gêneros alimentícios, no fabrico de sabão, etc. Mas na Província, o pouco que se consome emprega-se apenas no chocolate e manteiga; o restante é exportado para Belém. Esse ramo do comércio prospera, mas não sua cultura; há muito cacau silvestre na Província. O fabrico da seringa, peixe, manteiga de ovos de tartaruga, e castanha rouba o tempo à população e não permite que ela se entregue à lavoura.
Pirarucu. Peixe grande (há até de dez palmos) dos rios da Província, cuja salga lhe fornece um de seus principais ramos de comércio. O peixe é pescado de três modos, ordinariamente: flechado com sararaca, arpoado e fisgado. Uma ou outra vez também o pescam em redes fortes preparadas especialmente para pesca dele e do peixe-boi.
Atendendo-se ao grande consumo deste gênero na Província e a quantidade exportada, vê-se que vai em grande aumento e no futuro provavelmente virá a substituir, ao menos nas províncias do Norte, o bacalhau, que não lhe é superior.
Favas de Cumaru. São sementes de uma árvore monocotiledônea. Seu fruto é semelhante ao ovo de galinha achatado dos lados. Tem cheiro muito agradável e dá excelente óleo. É quase todo exportado para o Pará. Há muitos anos a exportação desse gênero varia de dez a quinze arrobas. Não é cultivado.
TABACO, GUARANÁ, BORRACHA
Antonio Gonçalves Dias, autor do “Relatório sobre os produtos agrícolas do Alto Amazonas” prossegue:
Salsa. Raízes da planta salsaparrilha do México, Peru e Brasil. Dela fazem uso terapêutico e, em países frios, a higiene. Muito pouca se consome aqui, vai quase toda para o Pará, donde é exportada para dentro e fora do Império. Este ramo do comércio tem sido, há trinta anos, estacionário.
Tabaco. O mau amanho [arte ou técnica de cultivar ou lavrar a terra] do tabaco atualmente vai fazendo-o perder certas qualidades que lhe davam a primazia sobre muitos outros conhecidos; dessa infelicidade não escapa nem o fumo de Borba. A precipitação que há no fabrico deste gênero e a falta de braços roubados pelo fabrico de outros, especialmente da seringa, duplicam a decadência desse ramo do comércio.
Taquari. Tubo por onde se fuma em cachimbo. É uma taboca fina pintada com mais ou menos gosto e de diversos tamanhos, desde palmo e meio até cinco ou seis.
Anil. Goma das folhas do arbusto de mesmo nome. Hoje, o pouco que se prepara é aqui mesmo consumido; antigamente, porém, exportava-se algum. É empregado pelas engomadeiras em corar de azul a roupa branca.
Casca de Umeri. Casca de uma árvore deste nome, de que se extrai óleo muito aromático. Não é gênero de comércio.
Guaraná. Suco gomo resinoso do arbusto Paul linia Sorbilis, planta do Amazonas. Nesta província, só no distrito de Maués prepara-se o guaraná tal qual aparece no mercado. Aí os regatões ou mascates da Província e negociantes vindos do Mato Grosso pelo Tapajós e Madeira o compram todo. Esse ramo do comércio vai em aumento, conquanto a extração da seringa não permita à sua cultura o desenvolvimento de que é digna.
Seringa [Borracha]. Goma resina da seringueira. Tal qual vem ao mercado, obtém-se golpeando a árvore, recebendo o líquido em pequenas vasilhas de barro ou de folha de Flandres, que se pregam na árvore abaixo do golpe e reunindo-o em vasilhas grandes. Não se faz dela uso na Província, sendo toda exportada para o Pará. O fabrico desse gênero na província data de dez a doze anos e começou no rio Madeira, cujas terras estão cobertas de seringais.
Castanha. Fruto do castanheiro (Castanha do Maranhão, impropriamente chamado nas províncias do Sul). Alta e frondosa árvore da América do Sul. Faz da castanha grande uso na Província a arte culinária, em substituição ao coco, que é raro e cujo gosto é muito semelhante. Esse ramo de comércio vai em grande aumento, mas a população não planta um castanheiro; limita-se a colher no tempo próprio.
Puxeri. Semente de uma árvore do egapó (baixa alagada) dicotiledônea. Retrograda muito este ramo do comércio. Pouco fica na província, sendo quase todo exportado para o Pará.
Sementes de Mamona. Sementes de mamoneira, planta muito conhecida. Extrai-se seu óleo, de que vai uma amostra, pelo processo comum. Não figura no mercado como ramo de comércio, nem é cultivada.
Caruru – Sal Vegetal. É uma das maravilhas do Rio Negro, uma espécie de caruru que cresce nas pedras das cachoeiras quando com a seca vão ficando descobertas. É excelente salada o espernegado. Comem-na também cozida com peixe, ao qual fornece o sal comum. Deste caruru sabem os índios extrair o sal com processos mais grosseiros, sem dúvida, mas na essência os mesmos que outros mais civilizados poderão empregar.
OVOS DE JACARÉ, TARTARUGA, TRACAJÁ
Continuo a citar o Relatório escrito em 1861:
Ipadu. Pó das folhas do arbusto do mesmo nome. Prepara-se torrando as folhas, pilando-as e juntando-lhes um pouco de tapioca ou de cinza. Os indígenas fazem grande uso dessa preparação, conservando, como os mascadores de fumo, no canto da boca, um pouco dela. Creem que os alimenta, porque lhes tira o apetite e reduz o estômago ao estado de inércia.
Urucu. Sementes da árvore do mesmo nome. Da infusão n’água deixa uma tinta encarnada, muito linda, com que os indígenas pintam suas manufaturas e algumas tribos a si próprias. Usa-se também na arte culinária. Conquanto haja algum na Província, não é exportado, nem tem preço de mercado.
Ovos de Jacaré. Não têm serventia na Província, conquanto a casca seja excelente lixa.
Ovos de Tartaruga. Matéria prima da manteiga chamada de ovos de tartaruga, ramo do comércio desta Província. Prepara-se cavando nas praias os ovos que as tartarugas aí depositam na vazante dos rios; enchendo deles uma montaria (canoa pequena); esmagando-os com os pés, como fazem em outros lugares os amassadores de barro de olarias pouco aperfeiçoadas; deitando-lhes um pouco de água; e deixando à natureza o trabalho de separar das outras matérias que entram na composição do ovo a parte gordurosa, a qual fica na superfície, donde é tirada para se depurar em tachos ao fogo.
Serve a manteiga para iluminação particular, para conserva de diversos gêneros alimentícios, a que chamam mexiras, e para condimento. Os ovos, além de servirem de matéria prima para a manteiga, são alimento da população. Vai em decadência esse ramo do comércio.
Ovos de Tracajá. Ovos de um anfíbio semelhante à tartaruga, porém menor. Servem de alimento à população e são preferidos aos de tartaruga, por serem mais saborosos. Pode-se fazer manteiga seguindo-se o mesmo processo que para a dos ovos de tartaruga, todavia não a preparam porque, havendo poucos ovos desse animal, e sendo mais saborosos que os outros, preferem comê-los.
Amostras de algodão em Capucho (de Castanheiros e de Manaus). Gênero de pouco produto e de nenhuma exportação da Província, posto que as terras do Rio Negro, Madeira e provavelmente a de muitos outros afluentes do Solimões sejam convenientemente próprias para essa cultura. [As] amostras [remetidas ao Rio de Janeiro foram] apanhadas ao acaso e mal dão uma ideia do que seria o produto quando fosse mais bem cultivado e preparado. Capuchos abundantes, senão muito grandes, fibras lustrosas resistentes e destacando-se com facilidade do caroço”.
FARINHAS E RALOS
O Relatório continua a enumerar os produtos que o Amazonas enviara à Exposição Nacional da Indústria, no Rio de Janeiro:
“Uma peça de tucum, uma dita de dito grosso, uma maqueira [rede de dormir] de tucum entrefina, uma dita de miriti, uma dita de Miranhas (Jupurá), uma dita emplumada, cordas de uaicima para rede, ditas de tucum dita, cordas de cabelo (Rio Branco), um pote (dos índios do Içana), quartinhas de Barcelos, jarro e prato de louça pintada, um par de bilhas [vaso de barro com gargalo curto e estreito] pintadas, um alguidar (do Amazonas), um prato (do Amazonas), panelas (do Rio Negro), polvilhos, araruta, tapioca, farinha d´água (branca), farinha d´água (amarela), tipiti para mandioca”.
O “tipiti”, instrumento inventado pelos índios, servia para espremer a massa de mandioca ainda crua, de modo a extrair-lhe parte do caldo venenoso, mas aproveitado na fabricação do molho tucupi.
A Farinha de Mandioca merece extensas considerações de Gonçalves Dias:
“É fabricada de duas maneiras na Província, donde provêm as denominações farinha d´água e farinha seca ou branca”. Na primeira, “põe-se a mandioca no molho durante quatro ou cinco dias, depois, amassa-se com água e aperta-se no tipiti para extrair o caldo. Feito isso, peneira-se a massa na gurupema e coze-se em fornos de barro. Quase sempre, junta-se um pouco de massa fresca a mandioca puba. É a farinha d´água”.
“Para preparar-se a farinha seca”, prossegue o Relatório, “ralam as raízes da mandioca, depois de limpas, em ralos de mão, junta-se água, e levam a massa ao tipiti para enxugar; peneira-se e coze-se. O caldo da mandioca deixa-se em repouso por algum tempo, para que se deposite a tapioca, que é lavada duas ou três vezes para então secar-se ao sol e ser levada ao mercado com o nome de goma, ou ao forno para cozer-se a farinha de tapioca. O caldo da mandioca depois de fervido denomina-se tucupi e é aproveitado para molho depois de bem fervido”.
“Há na Província 14 qualidades de mandioca”, informa, ainda, Gonçalves Dias, “umas amarelas, outras brancas, umas que chegam ao completo desenvolvimento em seis meses, outras em dez e doze. Os naturais aproveitam as vazantes para, pelas margens dos rios, que ficam a descoberto pelo verão, plantarem a mandioca de seis meses”.
Mais produtos são enumerados: “tipiti para óleos, balaios sortidos, urupemas ou gurupemas, frutos de ouricuri (com cujo fumo solidificam a goma elástica), pacarás, chapéus do Rio Negro, chapéus de grelo de tucumã, chapéu feito por um gentio Cucama, tupês ou esteiras, ralos de Uaupés”.
Esses últimos, os Ralos de Uaupés, recebem descrição demorada. “É um invento curioso dos índios do Uaupés de uso frequente em todo o Rio Negro para o fabrico de farinha e de exportação como objeto de curiosidade. Engastam na madeira escavada e curvas uns como dentes de sílex rigíssima [rigidíssima?], aos quais dão desenhos variados, concluindo por dar-lhes uma mão de breu de sorva para as segurar melhor. São de diferentes tamanhos”.
“Esse ramo da indústria dos índios do Uaupés”, informa Gonçalves Dias, não é tanto um objeto de curiosidade, como à primeira vista nos poderíamos persuadir, porém de uso frequentíssimo. É raro encontrar-se uma palhoça, por mais miserável que seja, que, em falta de maqueira, não tenha um desses bancos para oferecer aos seus hóspedes. Há alguns deles monstruosos e outros que são como miniaturas de bancos, porém os de mediana grandeza podem custar de [novecentos a mil réis]”.
ONÇAS, VEADOS, ISQUEIROS
Mais produtos continuam a ser relacionados por Gonçalves Dias:
“Peles de onça, ditas de peixe-boi, ditas de veado, boi e cabra; estopa de Castanheiro, betas [?] de piassaba, sobre-cordalhas, corda de curauã, curauã de comércio, piassaba em rama, cipó uambé, feijão de Borba, milho de Maués, línguas de pirarucu (serve para grosa), escamas do dito (serve para lixa), mandubi [peixe do Amazonas], tauari em rama (branco), dito em rolo (vermelho), cuias, abanos, cera de abelha, favas de cumandauassé [?], maugarataia [?], batata doce, pajurá (para comer, dito coró; o caroço para tinta), pacova do mato, para grude e laçar; isca de tracuá”.
Esta última merece de Gonçalves Dias dois parágrafos de explicação.
“Hábil em fazer fogo, que é a grande dificuldade da vida selvática, o nosso índio prepara o isqueiro, de que andam por via de regra munidos, com algodão em rama, cordas, trapos e outras matérias, mas, sempre que o podem conseguir, preferem a isca de tracuá (amostra que acompanha um isqueiro da terra)”.
“Tracuá é a formiga que prepara essa matéria. Encontram-se esses ninhos em maior abundância e porventura de melhor qualidade no Solimões, donde vêm para o Rio Negro. Têm muito consumo porque o índio, tendo quase sempre necessidade de acender o fogo ao ar livre, mesmo em suas casas prefere com sobeja razão o isqueiro ao fósforo”.
Dito isso, continua o Relatório a discriminar os produtos do Amazonas: “vassouras, peixe-boi seco, colher de molongó (mulungu), ditas diversas, hiapuá (mandioca do mato, para fazer goma; outros a comem também desfeita em farinha, tendo o cuidado de lavar a massa repetidas vezes em muitas águas), carás diferentes, cauixi”.
Cauixi, esclarece Gonçalves Dias, “é a matéria que no Rio Negro e em outros, mas só nos de água preta, se aglomera nas raízes das árvores das margens desses rios. O cauixi apresenta a forma de esponja e tem propriedades cáusticas. Os naturais utilizam-se da cinza do cauixi para fabricarem louça misturando-o com argila”.
GESSO, GARRAFAS, EMBAÚBA
A relação continua: “gesso cristalizado, garrafas de cumatê (tinta), crajurá (tinta), mexira de peixe-boi, ananás silvestre, mel de cana, dito de abelha, jalea de cubio [?], doce de figo, dito de caju, fava de baunilha, bengala de muirapinima, régua de saboarano, dita de pão cruz, dita de muirapiranga, facas de muirapinima, um toro de guariuba (tinta amarela), caju silvestre, cascos de tartaruga, ditos de jabuti, ditos de matá-matá, chapéu pequeno boliviano (usam semelhantes a esses no Rio Negro, para chuva), castanha de caju, pelo de tamanduaí, uarumá (de que fazem paneiros, balaios, etc), uru, fava branca, breu natural, dito de frecha, sementes de copaíba, cola de bucho de piraíba, paliteiro de muiracoatiara, maços de cigarros de tauari, cera de embaúba”.
A embaúba, acrescenta o Relatório, “abunda extraordinariamente nas ilhas e margens do Amazonas, Solimões, Madeira e outros rios. Uma pequena abelha faz o cortiço, de preferência na parte superior da árvore, e produz cada um oito litros de cera”.
E continua: “A dificuldade de transporte do litoral do Peru para o interior, além dos Andes, obrigou os habitantes dessa parte do país a lançarem mão da cera de embaúba, que foi extraída em grande escala até estabelecer-se a navegação a vapor do Amazonas. A liberdade que se concedeu aos índios já havia enfraquecido a produção de cera. Pelo Amazonas, a cera preparada na Europa chega mais barata do que a que se prepara no país, onde há gêneros que sem trabalho dão preços extraordinários”.
Mais produtos embarcados para a Exposição do Rio de Janeiro: “manteiga de cacau, vainas [?] de mate, uma cobra de muirapinima, casca de cumatê, pão de cumatê, milho d’Angola, talo de miriti (vai só um talo do leque partido em pedaços, para facilidade de remessa)”.
“Da casca do talo [de miriti]”, informa Gonçalves Dias, “se fazem venezianas e tupês, ou esteiras, que têm a vantagem de ser de trabalho rápido, levíssimas e de tomar lustro com facilidade. Da medula fazem rolhas e afiadores de navalhas. Do talo inteiro se podem fazer, como em outras províncias do Império, excelentes jangadas e embonos [?] para embarcações. Do grelo do miriti fabricam-se maqueiras. O processo consiste em colher o grelo verde; põe-se logo de molho, bate-se depois, extrai-se a fibra, fia-se e tece-se”.
“O fruto, excessivamente oleoso, mas inocente, é gênero alimentício”, continua, “que em outras províncias mata a fome à pobreza durante alguns meses do ano. Os que, por algum tempo, fazem uso excessivo desta polpa tomam uma cor amarelada, como os que sofrem de icterícia, mas nem por isso gozam de má saúde. Da polpa fazem tijolos para guardar e transportar, quando a não comem ou simples, ou com farinha, ou desfeita em água. A utilidade desta planta acresce neste caso à beleza de seu porte. O miriti é uma das mais belas entre as monocotilidoneas”.
Finalmente, mais uma dúzia e meia de produtos são relacionados no documento escrito por Gonçalves Dias: “tatacajuba (galho e rama e uma sola curtida com ela), feijão do Rio Negro, casca de caraipé, fava de baunilha dos Purus, um perfumador de barro, uma colher de pau, trabalho de lã e croché das alunas da professora de Manaus Libânia Teodora Rodrigues Ferreira, folhas de caroá, ditas de ananás silvestre (vai em porção para que delas se possa extrair a fibra), pele de lontra, temiana de Manaus (composição de raízes e plantas aromáticas de que as mulheres fazem uso), duas mesas de saboarana, uma arroba de fumo de Borba, uma garrafa de cachaça do Paraná da Eva e duas ditas de aguardente”.

Eis aí um belo retrato, embora parcial, da economia amazonense em meados do século 19. Não havia agricultura, nem pecuária, nem indústria, estrito senso. Havia extrativismo. Naturalmente, alguns serviços (embora não pudessem amostras deles ser embarcadas para o Rio de Janeiro). Sem que Gonçalves Dias, em seu Relatório, faça menção disso, também havia no Amazonas governo e, claro, empregos públicos.