segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O homem que virou navio


Gustavo Maia Gomes





Conhecida pela facilidade com que troca de nome, a atual capital paraibana começou a existir em 1585, como Povoação de Nossa Senhora das Neves. Logo depois, num sinal de progresso, ganharia o prestígio de cidade, sem conseguir melhorar de santa. Em 1600, viria a ser Filipeia; em 1817, Parahyba; em 1930, João Pessoa.

– Terminou?

Não. O atual nome homenageia um político de mérito e importância discutíveis. João Pessoa apoiara Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de março, sendo assassinado em julho de 1930. Sua morte violenta causou grande comoção, detonando o movimento que pôs fim à República Velha. O infortúnio e suas conseqüências imediatas, contudo, não bastariam para fazer dele a capital do Estado.

Em função disso, desde, pelo menos, 2003, alguns paraibanos tentam mudar o nome de sua capital. Uma enquete via internet, em curso, já teve 501 respondentes, dois terços deles favoráveis à mudança. A pergunta e os percentuais das respostas são os seguintes:

Você aprova a mudança do nome da capital do Estado da Paraíba?
NÃO. A homenagem ao interventor morto é justa e devida
24,35%
SIM. Prefiro voltar o nome "Filipeia de Nossa Senhora das Neves"
5,59%
SIM. Prefiro o nome "Cabo Branco", pela referência marcante do ponto geográfico
31,74%
SIM. Prefiro o nome "Sanhauá", nome do rio que banha a cidade
2,20%
SIM. Prefiro o nome "Tambaú", principal balneário da região
1,00%
SIM. Mas prefiro Parahyba como era até 1930
35,13%

Generalizando...

Sem que fosse sua intenção, os paraibanos deram um bom exemplo a muitos outros brasileiros. Não deveriam os cariocas iniciar um movimento para tirar o nome Antonio Carlos Jobim do seu aeroporto internacional? Afinal, depois de passar uma vida criando músicas para nosso deleite, o grande compositor é diariamente enxovalhado pelos jornais: “Chileno acusado de furtar passageiros é preso no aeroporto Tom Jobim” (O Dia, 22/11/11); “Caixa realiza leilão de duas mil peças apreendidas no aeroporto Tom Jobim” (Monitor Mercantil Digital, 22/11/11). Etc., etc.

E os pernambucanos? No Recife, havia, a “estrada da Imbiribeira”, que alguém, no tempo dos militares, achou por bem renomear “avenida Marechal Mascarenhas de Morais”. A intenção de bajular produziu resultado desastroso: o homem tornou-se um grande congestionamento cheio de buracos. Se antes era desconhecido, passou a ser odiado. O “Beco da Facada”, de todos familiar, virou “rua Guimarães Peixoto”. Nem o Google nos leva lá. Mais recentemente, batizaram um túnel “Augusto Lucena”. Uma impropriedade. Muito melhor teria sido associar seu nome a um mictório público, que o velho prefeito tanto quis construir e jamais conseguiu.

Nesse clima, leio, hoje, a seguinte notícia: “A presidenta Dilma Rousseff destacou a retomada de produção da indústria naval, com a construção do navio Celso Furtado. Ela esteve no Estaleiro Mauá, para fazer a entrega da embarcação”. (Agência Brasil).

Por um momento, na imaginação, voltei à Paraíba, terra onde Celso Furtado nasceu. Foi um grande economista, mas, como navio, sei não...





(Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com, 28 nov 2011)

domingo, 20 de novembro de 2011

Sermão de Montaigne


Gustavo Maia Gomes


Há poucos dias, noticiou o site G1, da Globo.com:
A estimativa dos economistas dos bancos [sempre os bancos] para o crescimento do Produto Interno Bruto de 2011 caiu de 3,20% para 3,16%. Para 2012, a previsão do crescimento da economia brasileira permaneceu estável em 3,50%.
Se ficássemos apenas com o ano corrente, menos mal. Meros 45 dias nos separam de 31 de dezembro; portanto, este “futuro” já está, em larga medida, determinado. A probabilidade de um erro significativo é pequena. Apesar disso, a precisão da estimativa – não mais 3,20% e, sim, 3,16% – merece registro. Ainda que o número seja uma média de palpites, alguém fez os cálculos e divulgou o resultado. Supostamente, querendo ser levado a sério.
Mas, e quanto ao próximo ano?
Deveríamos responder que não sabemos em quantos por cento a economia brasileira, estrangeira, ou sobranceira irá crescer, decrescer ou ficar parada, em 2012, 2013 ou 2014. Mas isso não contentaria o mercado. Portanto, inventamos números, que o tempo irá desmentir. Lembro-me de uma reflexão de minha mãe: há os enganadores porque existem os que querem ser enganados – e estes são muito mais numerosos.
Em 1580, ou seja, 200 anos antes de Adam Smith, o francês Michel de Montaigne escreveu, num ensaio sobre os índios brasileiros:
O profeta prediz também o futuro e o que [os selvagens] devem esperar de seus empreendimentos, incitando à guerra ou a desaconselhando. Mas importa que diga certo, pois, do contrário, se o pegam, é condenado como falso profeta e esquartejado. Por isso não se revê jamais quem uma vez errou.
É o sermão de Montaigne.


REFERÊNCIA:
Michel de Montaigne, Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. Abril Cultural, São Paulo, 1972, pág. 107.

Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (21 nov 2011)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pernambuco precisa de uma nova cidade


Gustavo Maia Gomes
Assim como acontece no entorno dos portos de Pecém (CE) e Suape (PE), o Litoral Norte pernambucano vive a expectativa otimista de uma revolução econômica. A montadora de automóveis Fiat está prestes a ali se instalar; a construção de um porto e um aeroporto é uma possibilidade real; vários outros empreendimentos, alguns, grandes, outros, enormes, também foram anunciados. Com a Fiat, virão dezenas de fornecedoras; com o complexo logístico, será atraído um número ainda maior de empresas. Mais renda, empregos, oportunidades.
Por um lado, parabéns; por outro, uma nota de cautela. Há trinta anos, situação semelhante se produziu no mesmo lugar. A grande esperança, então, era o turismo. Mas a realidade jamais confirmou as promessas. Ao contrário, o Litoral Norte foi ficando para trás. Em tudo, não somente no turismo. Será possível que uma nova decepção esteja a caminho? Se assim for, como evitá-la?
ABORTO TURÍSTICO
Até o início dos anos 1980, o prometido Eldorado do turismo pernambucano era a ilha de Itamaracá e outras praias da região, como Janga, Pau Amarelo, Conceição e Maria Farinha, em Paulista; Pontas de Pedra, em Goiana; Casa Caiada, em Olinda. Cada um desses lugares parecia destinado a abrigar, em pouco tempo, segundas residências da classe média de maior poder aquisitivo, assim como pousadas e hotéis de luxo, além de restaurantes de alto padrão e casas de diversão variadas. Um hotel sofisticado, para a época, (o Quatro Rodas) chegou a se instalar em Casa Caiada.
Mas erros graves foram cometidos, a partir de então. As poucas verbas do primeiro Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste) que vieram para Pernambuco foram aplicadas, todas, no Litoral Sul. Além disso, houve a localização de duas cadeias em Itamaracá, um forte fator de desincentivo aos que procuravam aquela praia. Corria, inclusive, a lenda de que, à noite, os presídios liberavam os internos – ocasiões que eles aproveitavam para roubar os turistas. Mesmo durante o dia, os assaltos se sucediam, com as consequências negativas que se poderiam esperar.
Esse problema com os presídios, contudo, era só de Itamaracá e o aborto turístico ocorreu, na verdade, também em Goiana, Olinda e Paulista. A principal explicação para isso parece ter sido a irresponsabilidade das prefeituras, que permitiram a mais anárquica ocupação das áreas sob sua administração. Naquela época, era comum alguém comprar um terreno “à beira-mar” – em Rio Doce (Olinda), em Itamaracá e noutros lugares –, e ser surpreendido, alguns meses adiante, com a construção de uma casa em frente à sua. Às vezes, lhe impossibilitando até mesmo o acesso à praia.
CAOS URBANO
Em pouco tempo, as condições de habitabilidade e de simples acolhimento aos visitantes se deterioraram profundamente. A maioria dos turistas procurou outros locais; os que ficaram tinham baixo poder aquisitivo, como os beneficiários de invasões ou os comerciantes instalados em barracos irregulares. Pode até ter sido democrático, no curto prazo; com a passagem do tempo, mostrou-se desastroso. Pois a irresponsabilidade dos prefeitos contribuiu para o colapso econômico no Litoral Norte. E ninguém, seja pobre ou rico, se beneficia da decadência.
Como as atividades turísticas exercem óbvio efeito sobre a renda local, sua retração afetou todo o setor serviços e, por extensão, explica uma parte não desprezível da queda brusca na participação do Litoral Norte no PIB pernambucano. Um dado impactante, a esse respeito: em 1985, as “despesas com salários nas atividades do comércio total” (uma medida relacionada com a atividade turística) no Litoral Norte correspondiam a 51,2% da mesma variável no entorno de Suape (Jaboatão, Cabo e Ipojuca); em 1996, essa relação havia caído para 16,1%. (Fonte: IBGE). Não por coincidência, poucos anos depois de inaugurado, o hotel Quatro Rodas fechou.
São erros que podem voltar a ser cometidos agora. Pois, com os investimentos anunciados para o Litoral Norte, haverá um enorme afluxo de pessoas procurando residir na região. Se o poder público reagir com a mesma incompetência anterior, a atual revolução das expectativas se transformará em um pesadelo urbano irreversível que inviabilizará, até mesmo, a expansão econômica posterior.
DESAFIOS, OPORTUNIDADES
Mas desafios são, também, oportunidades. O atual governo de Pernambuco bem pode vir a ser considerado, no futuro, o melhor que o Estado teve em sua História. Em parte, isso dependerá de como ele tirar proveito dos ventos favoráveis que hoje sopram. No caso específico do Litoral Norte, o governo deveria erigir, do zero, nas vastas regiões inabitadas que ainda existem ali, uma nova cidade. Planejada. Bonita. Inteligente. Sustentável. Não será necessário gastar um centavo, agora. Basta criar o marco legal que torne possível a essa aglomeração de gente – que surgirá, com ou sem governo – crescer de uma forma ordenada. Tenho até um nome para a nova cidade: Duarte Coelho.
Se, com o primeiro capitão donatário, Pernambuco foi o centro da economia colonial, no século 16; com a cidade que receberá seu nome, o Estado poderá ter a mais exemplar aglomeração urbana do Brasil, no século 21. É pegar ou largar.


(Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com, 14 nov 2011)

domingo, 6 de novembro de 2011

Juntar três letras não é explicar o mundo


Gustavo Maia Gomes


“No princípio, era o verbo”, diz a Bíblia, descrevendo a criação do mundo; “no princípio, era a verba”, dizem os políticos, justificando a ocupação dos ministérios. Já os economistas, se quisessem produzir uma frase comparável, talvez dissessem: “no princípio, era o PIB”. No princípio, talvez; hoje, não mais. Pois temos o PIB, o IGP, o IPC, o IDH... Com três letras, explicamos o mundo.
– Ah, tem um com quatro: o IFDM...
– Como assim, IFDM?
É o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal. Com um número para cada município, ficamos sabendo tudo sobre ele. Esta semana, foram divulgados os resultados de 2009. Deu na TV Globo e em todos os jornais. Um sucesso. Firjan, para quem não sabe, é a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Ela nos informa que o
IFDM acompanha três áreas de desenvolvimento: Emprego&Renda, Educação e Saúde e utiliza-se exclusivamente de estatísticas públicas oficiais. Sua leitura é simples, o índice varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade.
– Entendi.
REFERÊNCIA
Segundo a Firjan, seu índice de quatro letras está “consolidado como referência para o acompanhamento do desenvolvimento socioeconômico brasileiro”. Deve ser verdade, embora um distraído perguntasse como é que o “desenvolvimento socioeconômico brasileiro” poderia ser “acompanhado” sem qualquer informação sobre insegurança pública, níveis de corrupção, intolerância com minorias, práticas antidemocráticas, restrições à informação, exposição à imbecilidade cultural, entre outras.
Na verdade, o índice Firjan “utiliza-se exclusivamente” das estatísticas que abrangem todos os municípios e são divulgadas anualmente. Não são muitas. Esta é a chave para entender a exclusão de tantos aspectos, obviamente, relevantes para “acompanhar o desenvolvimento socioeconômico dos municípios brasileiros”. Nada contra a Firjan calcular seu índice de quatro letras; mas ele deveria ser apresentado como mais uma informação, possivelmente interessante, sobre a situação dos municípios. Referência de nada.
DIVIDIDO EM DOIS
Olhando desde um prisma regional, qual foi a grande descoberta do IFDM? De acordo com seus próprios autores, esta:
Os níveis de desenvolvimento encontrados nos 5.564 municípios brasileiros em 2009 continuam dividindo o Brasil em dois. Por um lado, as regiões Sul e Sudeste — que juntas possuem 51% dos municípios brasileiros — mantiveram a maciça predominância entre os 500 maiores IFDMs com 91,2% de participação em 2009. Por outro lado, Norte e Nordeste — onde estão 40% dos municípios brasileiros — permaneceram dominantes entre os 500 menores, com participação de 94,4% nessa faixa do ranking.
Por um lado, ótimo; confirma o que já sabíamos. Por outro, é uma informação preocupante. Pois, se o Brasil tem cinco regiões e, quando ele é dividido em dois, uma delas desaparece, ficamos sem saber se o Centro-Oeste já declarou a independência ou se, apenas, a Firjan se esqueceu de contá-lo como parte do país.
Felizmente, não foi uma coisa, nem outra:
Nesse cenário, destaca-se a movimentação do Centro-Oeste que, além de ter conquistado alguns lugares entre os 500 maiores IFDMs, se consolidou como um novo Sudeste ao apresentar distribuição dos municípios por grau de desenvolvimento similar a essa região.
Ou seja, a Firjan sabe que o Centro-Oeste existe e até que se “movimentou” direito. Foi, talvez, por causa de tanta movimentação que o IFDM não o achou em canto nenhum, quando dividiu o Brasil em dois pedaços.
AGORA, FALANDO SÉRIO...
Qualquer instituição tem todo o direito de produzir seus índices e, se as pretensões forem mantidas em limites razoáveis, tais exercícios podem, sim, contribuir para nosso conhecimento do mundo. Mas, em última análise, o problema com esses indicadores – e o divulgadíssmo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU) merece a mesma crítica – é sua arbitrariedade.
Educação, saúde, renda são aspectos importantes do bem-estar ou mal-estar social, mas se eu inventar um índice que multiplica a renda pela raiz quadrada da saúde e pelo quadrado da educação terei, no fim, um número, mas não um significado. Porque não o quadrado da renda somado com o logaritmo da educação e multiplicado pelo cubo da saúde?
No fim das contas, o conhecimento que se dane. Três letras juntas, como IDH, ou quatro, como IFDM, são vendidas à opinião pública para promover seus criadores. Nisso, sim, são um sucesso.

Referências:
Firjan, “IFDM: Índice de Desenvolvimento Municipal, 2009”, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em http://www.firjan.org.br/IFDM/download/IFDM_2009.pdf (As citações são das páginas 1 e 2)

(Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com, 6 nov 2011)