sábado, 29 de dezembro de 2012

Frederico Pernambucano de Mello entre anjos e cangaceiros


Gustavo Maia Gomes
Com certo constrangimento, confesso: de Frederico Pernambucano de Mello eu só tinha lido, até a semana passada, Guerreiros do sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil (São Paulo, A Girafa Editora, 4ª edição, 2005). Excelente. Agora acrescento Benjamin Abrahão: Entre anjos e cangaceiros (São Paulo, Escrituras Editora, 2012). Tão bom quanto.
Já me programei para ler Estrelas de couro: A estética do cangaço (São Paulo, Escrituras Editora, 2ª edição, 2010), além de outros livros seus, mais antigos. Se os que ainda me são desconhecidos forem tão bons quanto os dois que citei primeiro, de sua leitura terei muito a aprender – e a desfrutar.
Benjamin Abrahão, biografado por Frederico Pernambucano, é um personagem marcante. Entre suas façanhas estão ter sido assistente pessoal de Padre Cícero (em parte dos anos 1920, até a morte do sacerdote, em 1934) e ter realizado, em 1936, filmagens com Lampião e seu bando. A intimidade com Padre Cícero é tanto mais notável porque Abrahão – que dizia ter nascido em Belém, à época parte da Síria – chegou a Juazeiro com a cara e a coragem. Em pouco tempo, havia cativado o Padim.
A associação com o Padre Cícero rendeu muito a Benjamin Abrahão – em dinheiro, contatos, influência. Mais tarde, ele se valeria disso, de sua audácia, e charme pessoal para registrar em filme o cotidiano do mais famoso e perseguido bandido do Brasil, à época. Sobreviveram ao tempo e à censura policial apenas quinze minutos de suas extensas tomadas cinematográficas Preciosos quinze minutos, incorporados, em 1997, ao longa metragem Baile Perfumado.
As notícias do filme em que apareciam Lampião e seu bando deram notoriedade a Benjamin Abrahão. Poderiam, também, ter-lhe rendido uma fortuna, não tivesse sua exibição sido proibida pela ditadura de Getúlio Vargas, em 1937.
No final da vida (ele morreu, brutalmente assassinado, em 1938), o sírio (ou libanês?) envolveu-se com a promoção de vaquejadas, um esporte de raízes longinquamente ibéricas, mas incorporadas à cultura brasileira. Das vaquejadas – que alguns nacionalistas achavam poderiam tomar o lugar que ia sendo ocupado pelo importado football – sobraram, para Benjamin Abrahão, dívidas impagáveis.
Essa é, num drástico resumo, a história contada por Frederico Pernambucano de Melo. A história, como narrativa, mas também a História como tentativa de relacionar o enredo às estruturas políticas, sociais e ambientais que caracterizavam o Brasil, em geral, e o Sertão nordestino, em particular, nas primeiras décadas do século XX.
Um livro – Benjamin Abrahão: Entre anjos e cangaceiros – que merece ser lido.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Apenas para quem gosta de matemática ou lógica


Gustavo Maia Gomes

Tenho uma solução para o problema das doze bolas. Trata-se de identificar a bola diferente dispondo apenas de três pesagens numa balança de braços iguais. A utilidade do exercício é zero, mas me diverti com ele. Provavelmente, muita gente já encontrou soluções para o mesmo problema, antes. Não as consultei e nem tenho pretensões de originalidade.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Mea Culpa de Mino Carta, o quase-petista arrependido


Gustavo Maia Gomes

Os que acompanham o jornalismo (ou deveria dizer, no caso, revistismo?) brasileiro sabem que Mino Carta nos deu importante contribuição. Sua carreira inclui passagens, em posições destacadas, por publicações como Quatro Rodas, Veja e Istoé – todas revistas de alta qualidade técnica e duradouro sucesso comercial. Nos últimos anos, entretanto, na minha particular avaliação, o homem tornou-se, apenas, um chato a mais, no meio de tantos.

Comercialmente falando, sua revista Carta Capital é uma anã, comparada às outras que ele ajudou a construir. Posso admitir que não seja por isso – mas por fidelidade a elevados princípios – que Mino Carta apoia Lula da Silva e morre de amores por Dilma Roussef. 

Também pode ser falsa a suspeita de que conveniências pecuniárias expliquem suas repetidas demonstrações de admiração pelas realizações do PT, assim como os panos quentes que sempre coloca nas repetidas evidências de corrupção generalizada praticada pelos petistas.

Esta semana, finalmente, Mino Carta entregou os pontos. Sua atitude merece elogios. Sobretudo, se ela tiver sido motivada pela sua fidelidade aos elevados princípios da decência e moralidade.

Copio, abaixo, alguns trechos do Editorial da Carta Capital. Eles não representam adequadamente o inteiro teor do texto – pontilhado de mais-mais-menos-menos, como é próprio de quem não queria dizer o que está dizendo – mas são os mais significativos, dada a história de quem os escreveu.

“O PT não é o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes.”

“Era o PT uma agremiação de nítida ideologia esquerdista. O tempo sugeriu retoques à plataforma inicial e a perspectiva do poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e resguardos plausíveis. Mantinha-se, porém, a lisura dos comportamentos, a limpidez das ações. E isso tudo configurava um partido autêntico, ao contrário dos nossos habituais clubes recreativos”.

“O PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles que partidos nunca foram”.

(Todos os trechos aspeados são de Mino Carta, “Editorial”. Carta Capital, 4/12/12)

sábado, 27 de outubro de 2012

Quem era racista? Monteiro Lobato? Nelson Ferreira?


GUSTAVO MAIA GOMES

Dois dias atrás, postei no meu blog diálogos imaginários alusivos à perseguição movida contra os livros de Monteiro Lobato por entidades supostamente defensoras da igualdade de direitos raciais
. (Para quem não leu “O encontro de Jeca Tatu com a Nega do Cabelo Duro” e pode se interessar, ele está logo abaixo deste texto.)

Hoje, acrescento a informação que o grande maestro pernambucano Nelson Ferreira, autor da música Operação Macaco (1959) -- a mais “politicamente incorreta” das quatro que citei no texto de anteontem --, ERA NEGRO, como pode ser visto na foto. Atenção: ele ERA NEGRO. Chamá-lo de “afro descendente”, além de beirar a frescura, constitui flagrante anacronismo. (Nelson morreu em 1976.)

Teria Nelson Ferreira chegado ao absurdo de ser racista contra a sua própria raça? Claro que não. O que vem acontecendo é que essas entidades "defensoras dos direitos raciais" (mais bem seriam chamadas "promotoras do racismo") estão usando as lentes de hoje para julgar as manifestações artísticas e literárias de ontem. 

Neste processo, quando têm êxito, elas realizam as profecias de George Orwell, no livro “1984”, no qual um regime totalitário vivia apagando a história, de modo a reescrevê-la de acordo com os preconceitos e as conveniências dos que eram, naquele momento, poderosos. É para onde estamos caminhando?

(Foto de Nelson Ferreira colhida em http://www2.uol.com.br/JC/imagens/nelson.jpg)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O encontro do Jeca Tatu com a Nega do Cabelo Duro

Mais uma obra de Monteiro Lobato é questionada por suposto racismo: após Caçadas de Pedrinho, entidade quer barrar distribuição de Negrinha. (g1.globo.com, 25/9/2012)



GUSTAVO MAIA GOMES


Acusado de racismo, Monteiro Lobato está preocupadíssimo. Não com ele, a quem o Biotônico Fontoura sempre protegeu. Com alguns dos seus amigos compositores. Demorou um pouco, mas terminou achando quem ele queria encontrar. 

-- Babo, como era mesmo aquela sua música do carnaval de 1931? 

Embevecido com a lembrança, Lamartine Babo não se fez de rogado. 

-- Fomos eu e os Irmãos Valença, do Recife, que fizemos. 

O teu cabelo não nega, mulata,
Porque és mulata na cor,
Mas como a cor não pega, mulata,
Mulata eu quero o teu amor 

-- Pois mude a letra, imediatamente. Por muito menos, estão querendo queimar meus livros. Tenho uma sugestão salvadora. Diga se gosta: 

A tua penugem da cabeça não desmente os fatos, afrodescendente, filha de caucasiano,
Porque és afro descendente, filha de caucasiano, na pigmentação da epiderme,
Mas como a pigmentação da epiderme não é transmissível por contato direto,
Afro descendente, filha de caucasiano, eu quero o teu amor

-- “Eu quero o teu amor, pode ficar”, disse Lobato, "se você acrescentar isso:" 

Mas só depois de saber
Que você é maior de idade,
E foi ao cartório dizer
Que me ama de verdade 

Lamartine virou uma fera. 

-- Ah, Lobato, nem os versos são meus e nem eu faço música pra alguém botar nela uma merda dessas. Se quiser, fale com os Valença, quem sabe? Eu prefiro continuar morto. 

*** 

Decepcionado com esse primeiro fracasso, Monteiro Lobato encontrou David Nasser e Rubens Soares. Não só eles, também os Anjos do Inferno. Estavam todos juntos. Com certeza, já sabiam do que se tratava: 

-- Mas que prazer revê-los! É sobre aquela música que vocês dois fizeram, em 1942, e os Anjos gravaram... 

-- “É isso aí, Monteiro. Grande sucesso. Quer que a gente cante?”, falou um dos anjos. 

-- Por favor, o caso é urgente. 

Nega do cabelo duro
Qual é o pente que te penteia ?
Qual é o pente que te penteia ?
Qual é o pente que te penteia ?


-- Não, isso não. Por favor, jamais. É perigoso. Vocês precisam mudar a letra. 

Para surpresa do escritor, apareceu uma voz conciliadora: 

-- “Tem razão, Lobato”, interveio David Nasser. “Veja se fica bem assim:” 

Jovem senhora distinta, elegante, respeitadora das convenções sociais
Portadora de uma cabeleira com qualidades naturais as mais recomendáveis
Qual é o pente que te penteia ?
Qual é o pente que te penteia ?
Qual é o pente que te penteia ?


-- Não pode, David, não pode. Vocês não estão entendendo nada. Já andaram falando até do meu Jeca Tatu, imaginem. 

Mas David Nasser só admitia ir até ali. “Qual é o pente que te penteia?” ele não ia tirar de jeito nenhum. 
*** 
Monteiro Lobato encerrou a conversa naquele momento. Agora, só lhe restava um encontro. E era logo com Ari Barroso, o mais ranzinza de todos. 

-- Ari, amigo. É sobre aquela sua música de 1943, Terra Seca. 

O compositor já respondeu cantando: 

Trabalha, trabalha, nego
Trabalha, trabalha, nego
Nego tá molhado de suor
As mãos do nego tá que é calo só


-- É o seguinte, Ari, não sei se você acompanha as notícias. Estão perseguindo quem fez coisas desse tipo. Negro não existe mais, no Brasil. Agora, só afro descendente... 

Ari Barroso interveio de súbito, bem ao seu estilo: 

-- Parece coisa de veado. 

-- “Não importa”, retrucou Lobato. “Você tem de mudar a letra.” 

-- Trocar, eu não troco, mas, se alguém vier me dizer que não é pra negro trabalhar, eu lhe darei uma gravação da Aquarela do Brasil. 

Brasil, meu Brasil brasileiro 
Meu mulato inzoneiro... 

Desta vez foi Monteiro Lobato quem interrompeu, sem pedir licença. 

-- Nada feito, Ari. Inzoneiro até dá pra passar, mas mulato, em hipótese nenhuma. 

-- “Nesse caso, estamos conversados”, retrucou Ari Barroso. “Vou rever os jogos do Flamengo. Agora, pra você não me achar mal agradecido, tome aqui um presente.” 

*** 
Era um velho disco de 78 rotações por minuto, da Fábrica Rozenblit, daqueles que quebravam ao cair. Continha uma música, “Operação macaco”, dos pernambucanos Nelson Ferreira e Sebastião Lopes, sucesso no carnaval de 1959. 

Monteiro Lobato conseguiu um jeito de fazer sua vitrola rodar de novo e ouviu os primeiros versos: 

Dizem que em sessenta
Negro vai virar macaco
Vejam só a grande confusão
Se é verdade o que diz o profeta
Penca de banana vai custar um milhão


“Desisto!”, pensou o escritor, em cuja obra os idiotas do dia vêem racismo. E balbuciou, desesperançado: 

-- Essa aí não tem no mundo quem conserte.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Eu te dei vinte mirreis prá tirar três e trezentos / você tem de me vortar dezessete e setecentos...


Gustavo Maia Gomes


O título foi copiado de uma música antiga de Luís Gonzaga, mas a história tem a ver com acontecimento de ontem. Minha filha foi tirar a segunda via da sua carteira de identidade. Teve de pagar R$ 15,05. Espantaram-me os cinco centavos. Cinco centavos são um terço de um por cento de R$ 15. Este é o percentual da receita que seria perdida se a taxa fosse fixada em redondos R$ 15,00. Na verdade, nem isso precisaria ser perdido.

Se um caixa de banco ganha R$ 3.000 por mês, seu custo mensal, para o empregador, contando todos os encargos, está muito próximo a R$ 6.000 ou, num cálculo aproximado, 1 centavo por segundo. Estimo que as complicações decorrentes de contar centavos para o troco impliquem, em média, dez segundos a mais de tempo por operação. Portanto, ao receber um boleto de R$ 15,05 (ao invés de R$ 15,00) o banco gasta dez centavos para cobrar cinco centavos.

Uma boa negociação entre governo e banco poderia levar ao seguinte acordo:

(1) o custo para o cidadão passa a ser R$ 15,00, mas, para cada boleto recebido, o banco pagará ao governo um adicional de sete e meio centavos.

(2) O banco terá feito um bom negócio, pois economizou dois centavos e meio de custos salariais em cada boleto recebido;

(3) o governo estará satisfeito, pois receberá dois centavos e meio acima dos R$ 15,05 que recebia antes;

(4) O cidadão estará feliz e propenso a votar no governador para presidente, porque pagou cinco centavos a menos do que paga hoje.

Além de tudo isso, no caso particular, eu, o pagador da taxa em nome de minha filha, também ficaria contente, pois não teria de carregar meio quilo de moedas no bolso pelo restante do dia.

domingo, 14 de outubro de 2012

Espetáculo degradante


GUSTAVO MAIA GOMES
Fui porque se tratava de evento em homenagem a um amigo falecido. Infelizmente, era uma missa. Não frequento essas cerimônias medievais (assim como não iria ver padres assar gente ou assediar meninos, outros de seus hábitos antigos), mas, até ontem, eu admitia ir àquelas em memória de pessoas muito queridas. Só até ontem. Não mais.

Peço desculpas aos amigos, conhecidos e familiares que venham a morrer antes de mim, mas, em face dessa resolução, não irei às suas missas de corpo presente, ausente, sete dias, trinta dias, um ano, duas décadas... Em compensação, os sobreviventes estão dispensados de ir às minhas, pois estas, de acordo com instruções expressas que deixei escritas e assinadas, não existirão.
Uma gota d’água fez o pote transbordar: a agressão moral que senti ao assistir o espetáculo degradante de uma missa. (No caso, carismática, imagine.) Não quero insultar ninguém, apenas constatar fatos. Degradar quer dizer rebaixar e, na missa, pouca coisa ouvi, além de um discurso de rebaixamento humano.
“Somos miseráveis pecadores”. “Nada valemos”. Nossa existência é uma desgraça, mas, não obstante isso, temos de estar eternamente gratos a quem nos criou, dando-nos, portanto, a graça de ter uma vida desgraçada. E, se quisermos passar desta vida ruim, mas certa, para uma boa, mas duvidosa, só nos resta suplicar para que Deus tenha piedade de nós. Ouvi isso e muito mais, numa torrente de frases feitas, constantemente repetidas.
Pois bem, se eles querem se degradar, que o façam, mas não na minha presença. Foi, sobretudo, por isso que decidi não mais frequentar missas, nem mesmo aquelas em memória de pessoas queridas. De espetáculos degradantes, estou farto. Daqui por diante, só entro em igrejas como turista ou participante de eventos culturais – um concerto em sol maior, por exemplo. Até canto gregoriano eu topo, em nome do prazer estético. Missas, muito obrigado.
ANTIGO OU MODERNO?
Não é apenas no discurso que os padres agridem a dignidade humana, nem são somente eles que o fazem, e nem é esse o único aspecto intolerável das missas. Na verdade, porque as religiões se alimentam do que há de pior nas pessoas (medo, ignorância, fé, estupidez, fanatismo), a degradação está embutida em todos os aspectos de todas as cerimônias de todas as religiões. Mas não tratarei do tema em geral. Apenas quero destacar duas ou três coisas que presenciei ontem.
Uma delas foi a exótica combinação de elementos antigos e modernos feita pelos católicos carismáticos. Antigos: não é um padre sozinho a comandar o espetáculo, mas um verdadeiro cortejo que, no início e no final da missa, sai do altar e faz uma espécie de procissão dentro da igreja, soltando fumaça, enquanto os fieis se atropelam para tocar um objeto mágico carregado pela comissão de frente. Modernos: cantorias mil; palco cheio de gente; axilas expostas, minuto sim, minuto não; o público aplaudindo cada vez que é mandado; todo mundo se abraçando, numa falsa solidariedade a ser esquecida no instante seguinte.
A combinação do antigo com o moderno não deixa de ser uma salada russa, mas faz sentido, quando se tem em conta seu objetivo: recuperar uma parcela do mercado religioso, antes monopólio dos católicos, mas que hoje lhes escorre das mãos, gradualmente conquistado pelos evangélicos. Seja dito que os padres e pastores não brigam por ninharias: o faturamento conjunto das igrejas no Brasil se mede na casa dos muitos bilhões de reais por ano. E, o que é melhor, livres de impostos.
PROFUNDEZAS DO INCONSCIENTE
Por que o elemento antigo? Porque impressiona. Os carismáticos sabem que, nas profundezas do inconsciente, as pessoas têm apego aos rituais místicos, carregados de símbolos indecifráveis, povoados de gente com roupas brancas fingindo apaziguar espíritos terríveis. Isso não é de hoje. Quem ler as cartas do padre Manuel da Nóbrega, mandadas do Brasil para Portugal ainda no século XVI, vai saber que uma das formas de os jesuítas impressionarem os índios era juntar um punhado de padres e sair pelas ruas vestindo batinas, carregando estátuas, empunhando velas, cantando cânticos em latim e fazendo discursos incompreensíveis.
Mas, no mundo de hoje, apelar apenas para os símbolos do passado não seria suficiente. Afinal, os evangélicos estão bombando na praça, em parte, por terem inventado uma coreografia inteiramente nova e movimentada para suas próprias cerimônias degradantes. E aí os católicos antigo-modernos lhes imitam, fazendo seus fieis cantarem ininterruptamente; mandando-os levantar os braços a torto e a direito (com as consequências odoríficas que se podem imaginar); estimulando aplausos entusiásticos, como se aquilo tudo fosse um grande show do Chiclete com Banana. A combinação exótica deve estar surtindo efeito, pois a igreja estava lotada, num dia que não era nem domingo, nem feriado.
Os carismáticos só não sabem ainda arrancar dinheiro dos fieis com a mesma competência dos seus rivais evangélicos. A coleta das contribuições é tímida, envergonhada, meia boca. Tal tibieza é resquício da milenar dubiedade católica em relação aos bens materiais: ao mesmo tempo em que acumulava riquezas estonteantes, a Igreja de Roma nunca deixou de associar o dinheiro ao pecado e à danação eterna. Já os evangélicos, herdeiros da Reforma, não têm qualquer escrúpulo a respeito: para eles, quanto mais grana, melhor. Sem qualquer necessidade de arranjar desculpas para meter a mão na bufunfa.
FUMACINHA
Três outras ocorrências da missa carismática merecedoras de registro são a volta do fumacê, a exibição da carteira de identidade pelo senhor sentado à minha frente, e o momento em que o padre manda a plateia fazer seus pedidos a Deus.
Todos de branco, menos um, o cortejo de padres e outros embatinados circula duas vezes pela igreja, em procissão. A primeira é na abertura do espetáculo degradante. Oito ou dez componentes carregam cruzes, brasões, lanternas e graves problemas mentais, perceptíveis nas suas feições tempestuosas.
Essa primeira procissão não tem fumaça. A segunda, já próxima ao final da missa, tem até demais, como se o arcebispo tivesse mandado dedetizar o recinto no momento mesmo em que a igreja estava lotada. Perguntado, o vizinho me informa que é incenso, excluindo a possibilidade de tratar-se de outra coisa ainda mais estimulante. A fumaça, suponho, afugenta os maus e atrai os bons fantasmas. Se for assim, vá lá, embora fosse possível conseguir o mesmo resultado sem transformar a audiência em uma multidão de fumantes passivos.
PEDIDO
O homem sentado à minha frente – desacompanhado, de meia idade, aspecto pobre, pele escura – participa entusiasticamente de cada ato. Quando o padre sinaliza ser hora de levantar os braços, ele não só obedece como se supera, traçando semicírculos com as mãos e fazendo gestos como os de quem abana um fogão a lenha. Tudo isso enquanto segura, com a mão direita, uma pasta contendo papeis; e, com a esquerda, uma carteira de identidade, certamente, a dele.
Foi minha mulher quem matou a charada. A pasta devia conter as cartas das lojas cobrando prestações vencidas; a carteira de identidade era para assegurar que o poder celestial não se enganasse quanto ao nome e CPF do solicitante. O homem tinha ido à igreja para saldar seus papagaios sem despender um centavo. Porque, com certeza, um centavo ele não tinha, embora tenha deixado vários reais de oferta para o padre.
Quando já havia passado muito mais tempo que o tolerável, desde o início da missa, o padre convidou os crentes a fazer seus pedidos às autoridades celestiais. O fiel ao meu lado, um homem forte e alto, que bem poderia se chamar Zé Grande, estava impaciente e rezou para que a missa terminasse em meia hora. Eu, mais otimista, cravei vinte minutos. Perdi por nove.
– Deu Zé Grande.


(Alto do Céu, Recife, 12 out 2012)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Poema do sempre certo


GUSTAVO MAIA GOMES

Houve num tempo um país
Onde os soldados marchavam
Zezinho também marchava
E Maria mãe dele olhava
Diziam marchem assim
Assim marchavam os soldados
Mas Zezinho marchava assado

Vejam todos diz Maria
Só Zezinho marcha direito
Os soldados estão errados
Porque não marcham com ele
A oposição está errada
Porque não marcha com ele
Os jornais estão errados
Porque não dizem igual a ele
Os juízes estão errados porque
Não dizem ele marchou direito
O mundo todo errado
Menos Zezinho o certo

No mundo de Zezinho estará
Quem marchar igual a ele
Os soldados marcharão
Se marcharem igual a ele
A oposição não marchará
Porque não marcha igual a ele
Os jornais não dirão nada
Porque não dizem igual a ele
Os juízes serão calados
Porque não disseram igual a ele

No mundo de Zezinho
Ele ganha o que perdeu
Tomara que o mundo dele
Fique bem longe do meu

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A arte de fazer cinquenta vezes a mesma coisa


Em 2002, a Prefeitura do Recife construiu “o corredor do transporte coletivo” da Avenida Caxangá, fingindo desconhecer que essa coisa já existia. O que mudou foi muito pouco, quase nada.
Dez anos depois, o Governo do Estado está construindo, na mesma avenida, o “Corredor Leste Oeste”. Esse “corredor” já existe, com outro nome, claro. O que vai mudar será muito pouco, quase nada.
Portanto, as obras atualmente em curso são a terceira vez em que se constroi a mesma coisa, na Avenida Caxangá.
Garanto que não será a última.
(Publicado no Facebook, em 28 set 2012)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Dois candidatos a vereador

O olhar, principalmente, o olhar!

Ao caminhar, hoje pela manhã, ao lado da Avenida Rui Barbosa, deparei-me com dois exemplos notáveis de propaganda eleitoral.
1. Por meio de um carro de som, Fulano de Tal dizia que já era vereador há vinte anos, tendo apoiado todos os prefeitos que lhes foram contemporâneos, independentemente de partidos. Concluí que irá apoiar também o próximo, qualquer que seja ele. É como disse Groucho Marx: “esses são meus princípios; se não gosta deles, tenho outros”.
2. O candidato mostrado na foto ao lado também chamava a atenção dos transeuntes. A firmeza do olhar, denotando sinceridade; a postura naturalmente ereta; o gesto decidido de quem irá atravessar a rua, mesmo que ele esteja cheia de carros – tudo isso me impressionou. Se ganhar, tenho certeza que, na Câmara, fará um papelão.
 (Publicado no Facebook em 27 set 2012)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O começo do fim do PT?

Gustavo Maia Gomes

Em São Paulo, o candidato do PT começou do zero, foi crescendo e hoje tem 16% das intenções de voto, segundo o Ibope. Mas não passa do terceiro lugar. No Recife, o petista Humberto Costa, também imposto por Lula, percorreu a trajetória inversa: começou com 36 e hoje tem 16%, segundo o INPM (Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau). Quase certamente, estará fora do segundo turno.

Maurício Romão, um dos responsáveis pelas pesquisas do IPMN, nos dá uma informação preciosa:

“A questão que se coloca hoje é a possibilidade de Humberto Costa cair ainda mais. (...) Um forte indício dessa vontade popular está expresso na resposta que o eleitor tem dado à pergunta: ‘Em sua opinião, o PT merece continuar à frente da prefeitura do Recife?’ No início de julho, 56% responderam que sim e 40%, que não. Agora, nos dias 20 e 21 de setembro, 24% disseram que sim e 70%, que não!”

Considerando os duvidosos padrões morais recentemente escancarados pelo Partido dos Trabalhadores (Mensalão, pacto com Maluf, imposição de candidato biônico no Recife...) essa é uma boa notícia. Faz a gente acreditar que, afinal, o eleitor não é tão burro quanto alguns pensam.



(Publicado no Facebook, 24 set 2012)

domingo, 23 de setembro de 2012

Ferreira Gullar nas Páginas Amarelas da Veja

A entrevista de Ferreira Gullar (Veja, 26/9/2012, págs. 17 e ss) é irretocável. Mostra como uma pessoa inteligente reage ao mundo exercitando sua capacidade de raciocinar, avaliar, assumir posições e, quando for o caso, revê-las. Recomendo fortemente a leitura do texto integral, mas destaco dois trechos. 

Sobre Marx, capitalismo, socialismo: “O que está errado é achar que quem produz a riqueza é o trabalhador, e o capitalista só o explora. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro.” 

E Cuba? Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver [nem] admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. 

Uma reprodução mais longa, embora, ainda, parcial, da entrevista está em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/ferreira-gullar-quando-ser-de-esquerda-dava-cadeia-ninguem-era-agora-que-da-premio-todo-mundo-e/


Gustavo Maia Gomes

(Publicado no Facebook, 22 set 2012)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Maomé, dinamites, e a mulher de Jesus

Gustavo Maia Gomes
Enquanto ouço o melhor da música popular brasileira, tento escrever sobre Maomé e Jesus. Ambos frequentaram a mídia, esta semana. O primeiro, pelas razões habituais: incapazes de admitir opiniões diversas daquelas em que são obrigadas a acreditar, multidões de muçulmanos atearam fogo em tudo, a propósito de nada. Do segundo, descobriu-se que, além dos doze apóstolos, teve uma mulher.
Dessa vez, Maomé ganhou de Jesus por muitas dinamites. Paradoxalmente, o filminho irrelevante contendo críticas à sua religião (A Inocência dos Muçulmanos compara o Islã a um câncer), que deflagrou os protestos, teria passado em branco, não fossem as arruaças subsequentes: já eram 25 mortos, até ontem. Dentre eles, o embaixador dos Estados Unidos na Líbia.
Permitir que uma crítica ao Islã seja feita está fora de cogitação. Em contraste, ninguém morreu por dizer que Jesus era casado, embora isso também divirja da ortodoxia católica. Ótimo. Mas, antes de o leitor concluir que os cristãos respeitam (e os maometanos, não) as divergências, aponto para a legenda que coloquei na figura: os muçulmanos matam embaixadores porque podem; os cristãos assavam infiéis porque podiam. O que é igual não é diferente.
Esqueci da música? Não. Apenas compreendi que misturar as três coisas num mesmo texto seria difícil, pois melodias evocam refinamento e convidam ao amor, ao passo que os ensinamentos dos dois líderes religiosos enaltecem a ignorância e justificam o ódio.
MAOMÉ E A INTOLERÂNCIA
Maomé não foi um homem culto. Menos ainda, tolerante. Muitas das aberrações perpetradas hoje pelos islâmicos têm sua origem lá atrás, no profeta. Dou quatro exemplos, tirados do noticiário sobre o filme A Inocência dos Muçulmanos.
Sudão bloqueia You Tube para impedir difusão do filme anti-Islã
No Sudão, o ditador Omar Al-Bashir tomou o poder em 1989, por meio de um golpe. Destruiu a oposição e mandou matar milhões de adversários. Não satisfeito, roubou nove bilhões de dólares. Claro que os sudaneses tinham de proibir o filme. Sem problemas a resolver, pois a leitura do Corão e as orações diárias lhes bastam, com que mais iriam eles se preocupar?
Paquistão pede que EUA retirem filme anti-Islã do You Tube
Do Paquistão, vem a notícia de que uma garota de 14 anos, analfabeta e com problemas mentais, está presa há três semanas, acusada de queimar papeis com versos do Alcorão. O crime é tão grave que ela pode pegar prisão perpétua. Enquanto o mundo pede ao Paquistão que liberte a garota, o Paquistão pede aos Estados Unidos que retirem um filme do You Tube. Eles acham isso importante; aquilo, não.
Corte de Los Angeles nega remoção de vídeo
De vez em quando, os Estados Unidos nos fazem lembrar que não são somente a terra dos Mac Donald’s, das pipocas no cinema, da debilidade mental disneylandina. (Conheço uma mulher que tremeu toda ao apertar a mão do Mickey Mouse. Ou seja: eles produzem a imbecilidade; nós a compramos.) Os norteamericanos são, também, um povo que respeita a liberdade de expressão. Ninguém iria botar na cadeia o diretor de Doze homens e uma mulher, com Jesus de personagem-título. Nem a Corte de Los Angeles vai mandar o You Tube bloquear o acesso à Inocência dos Muçulmanos.
Líder muçulmano rasga Bíblia em protesto contra filme anti-Islã
Queimar a bandeira dos Estados Unidos dá status – e já aconteceu no presente contexto. Agora aparece o líder muçulmano que destruiu a Bíblia. (Se o rapaz gosta tanto de rasgar livros, por que não pratica com as cinco mil páginas da Lista Telefônica de São Paulo?) Não que a Bíblia seja um grande livro, exceto como documento histórico. Em todos os demais aspectos, ela é um repositório de anedotas falsas e alucinações verdadeiras, tanto quanto o Alcorão. Mas entre reconhecer isso e rasgá-la vai uma grande distância.
JESUS E AS MULHERES
O respeito pela diversidade de opiniões tampouco foi o ponto forte de Jesus, que se considerava o único caminho para um único lugar. Suas ideias misturam amor e punição eterna, mas são, de qualquer modo, irrelevantes, tendo sido apropriadas e reinterpretadas pela Igreja, a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Por exemplo, não existe, no Jesus dos evangelhos, a ojeriza ao sexo que depois marcou tão fortemente a doutrina cristã. Omissão, sim, mas não repúdio.
Talvez por isso, quando divulgou o conteúdo do texto que cita Jesus falando “minha mulher”, a professora Karen King, da Universidade Harvard, tenha tido o cuidado de dizer que aquilo não era prova definitiva de que ele fora casado, mas, apenas, “a primeira declaração inequívoca de que teve uma mulher". Mesmo assim, os cristãos se sentiram chocados; o Vaticano já garantiu que não pode ser; a simples ideia de que Jesus teve uma esposa deixa os padres perplexos.
O paradoxo é que a ninguém jamais chocou a exclusiva convivência de Jesus com os doze discípulos, que bem poderia permitir ilações variadas. Não que a homossexualidade seja, hoje, motivo de escândalo. Mas já foi. Mesmo assim, a Igreja sempre preferiu deixar Jesus passeando em tempo integral com seus apóstolos a admitir que, nos intervalos, ele tivesse uma mulher.
E aí vem essa professorinha contar uma história nova. Deve ter deixado muita gente com saudades da Inquisição.

(GMG, 21/09/2012)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Secas no Nordeste: um ensaio grafo-visual


Gustavo Maia Gomes
Estamos em setembro e a seca continua assolando o sertão nordestino. Sobre o sofrimento de suas vítimas, muito já se escreveu. Mas as secas não causam apenas miséria: também inspiraram a criação de romances, músicas, pinturas, estudos científicos, teses acadêmicas e propostas de políticas. Além de terem sido bem documentadas fotograficamente, sobretudo, as mais recentes. É sobre isso que quero falar – com palavras e, sobretudo, imagens – neste breve ensaio que estou chamando de grafo-visual..

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Conflito e Conciliação: Políticas Regionais no Mundo


Gustavo Maia Gomes
Excertos da “Introdução” ao livro Conflito e Conciliação: Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo. Fortaleza, Banco do Nordeste, 2011. Versão digital em https://docs.google.com/file/d/0B_R9cylq9erzenJManB2dHlIX00/edit.
Os países se dividem em regiões e as regiões, vez por outra, querem se dividir em novos países. (Conflito...) Ou podem vir a querer. Quando a insatisfação se apresenta, real ou latente, alguma providência (... e conciliação) tende a ser tomada pelos poderes estabelecidos, para reduzir a ameaça de perderem a soberania sobre uma parte de seu território.
Dentre as opções, está a outorga de autonomia política parcial à região contestante; as transferências diferenciadas de recursos fiscais; a política de desenvolvimento regional; o apelo à mediação ou à arbitragem de um país estrangeiro; a repressão violenta; até mesmo, a secessão consentida.
Este livro trata da política de desenvolvimento regional, conjunto de ações de fomento à atividade econômica por meio das quais os governos procuram compensar desvantagens relativas e duradouras em qualidade de vida das populações residentes em algumas partes do seu território.
***
Amplamente praticada no mundo desenvolvido e nos países emergentes, a política regional também é rotineira nas nações que não estão emergindo para lugar nenhum. Mesmo assim, ela não deixa de enfrentar oposição. Uma razão para isso é que quase todas as políticas de desenvolvimento regional implicam em transferências de renda entre diferentes partes de um território. As regiões ricas, tipicamente, subsidiam o investimento privado nas áreas pobres, ou produzem os recursos que possibilitam aos governos realizar, nas regiões pobres, gastos públicos superiores aos que poderiam ser pagos com os tributos ali arrecadados. E isso, é claro, desperta reações.
Mas não é só. Os economistas da tradição ortodoxa não gostam desse assunto. Eles acham que, dado o tempo necessário e garantida a mobilidade dos trabalhadores, os salários das pessoas com idêntica qualificação se tornarão iguais, independentemente de onde elas vivam. Ou seja, que a questão regional, simplesmente, não existe. Mas essa tese, confrontada com os fatos, não apenas é enganosa; ela é, também, “percebida” como enganosa.
Para mencionar um exemplo brasileiro: no nosso país, temos mobilidade praticamente total dos trabalhadores e, desde a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, já se passaram 50 anos. A despeito disso, o produto por habitante da região mais pobre do país, em relação ao do Brasil, era, há cinco décadas, quase exatamente o mesmo que hoje: algo muito próximo dos 50%.
Alguém poderia contrapor: “mas vamos ver a qualificação dos trabalhadores; garanto que as diferenças de salários estão muito mais relacionadas aos graus divergentes de qualificação do que às regiões”. É, pode ser, mas não resolve, apenas transfere a dificuldade para um andar abaixo. Por que, então, as qualificações permanecem regionalmente desiguais há meio século, talvez, mais?
Há outro aspecto. Ainda que as forças de mercado pudessem, em algum dia do indeterminado futuro, eliminar as disparidades de rendimentos entre as pessoas vivendo em diferentes regiões, essa seria uma vitória de Pirro. A verdade é que as mulheres e homens têm apego ao lugar onde nasceram, pois é aí que elas e eles, provavelmente, desenvolvem os laços afetivos que perdurarão por toda a vida. Sendo assim, por mais “móvel” que seja o trabalho, sempre haverá uma demanda para que as oportunidades de ganho sejam criadas nos lugares em que as pessoas têm raízes.
Sempre haverá um clamor pelo desenvolvimento dessas regiões. Patativa do Assaré, poeta popular cearense, sabia disso, quando compôs “A Triste Partida”; Luiz Gonzaga, cantor pernambucano, migrante, que gravou a música, também:
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus

Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar...
Assim são as coisas: enquanto houver pessoas que hesitam em deixar para trás seu lugar de nascimento – “caro torrão” – ou que, se já estão longe, passam a vida fazendo “pranos de vortar”, as tartarugas e a política regional não morrerão. Mesmo que elas continuem apenas nadando, nadando... E nada.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo



Recebi hoje alguns exemplares do livro Conflito e Conciliação: Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo. Foi editado pelo Banco do Nordeste, que deve estar vendendo a edição em papel. 

Há uma versão digital disponível em https://docs.google.com/open?id=0B_R9cylq9erzenJManB2dHlIX00 

Memorial de Mauro Bahia


(Continua...)

(O texto completo, que pode ser de especial interesse aos que conheceram Mauro Bahia Maia Gomes, ou são seus parentes, está no Google Docs. Siga o link https://docs.google.com/file/d/0B_R9cylq9erzWmR0SVJ2bDNCM3M/edit )

domingo, 12 de agosto de 2012

Proletários do mundo, uni-vos: nada tendes a ganhar senão vários desastres


Gustavo Maia Gomes

Izaías, genro, e Claudia, filha, são professores universitários e médicos do PSF. (Não é um novo partido: quer dizer, como sabemos, Programa de Saúde da Família, uma fantástica inovação, introduzida em 1994, na forma de o estado brasileiro oferecer assistência médica à população.)
Mas não quero dar notícia e, sim, fazer uma reflexão. Considerando o idealismo dos dois, se tivessem nascido 50 anos antes, ambos seriam -- no pensamento, pelo menos -- revolucionários marxistas, como eu próprio fui, por um breve período. Ao invés disso, são "médicos da família" que sabem estar fazendo um grande bem à humanidade.
Meio século atrás, ofuscados por aquela ideologia idiota, rancorosa e totalitária, poucos de nós aprovaríamos em pensamento essa opção de vida, ou agiríamos em conformidade com ela. Somente a revolução seria capaz de libertar o povo, etc, etc, etc.
E o que aconteceu? Ao invés de melhoria nas condições de vida das pessoas, produzimos uniões soviéticas, alemanhas orientais, coreias do norte, chinas maoistas e cubas variadas. Todas, fracassos econômicos espetaculares; todas, ditaduras as mais sanguinárias. Quem se beneficiou disso?
Marx e Engels trituraram o que eles, desdenhosamente, chamavam de "socialismo utópico". Um século e meio depois, a História mostrou que, se havia um lado "certo" no debate entre os marxistas e pensadores como Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858) o lado certo era o dos socialistas utópicos.
Izaías e Claudia nunca pensaram nisso, acho eu.
(Publicado no Facebook, em 12 ago 2012)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mais fotos de "Bela Belém (e problemática, também)"

Gustavo Maia Gomes

Torno disponíveis outras fotografias legendadas e comentadas de Belém, além daquelas incluídas no texto divulgado ontem.


O link da matéria principal [Bela Belém (e problemática, também)] divulgada ontem é https://docs.google.com/file/d/0B_R9cylq9erzTlA2YjQ5aWlIYzg/edit 

Boa leitura e apreciem as fotos.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Bela Belém (e problemática, também)


Gustavo Maia Gomes


Os que, como eu, têm mais de 50 anos serão capazes de fazer comparações mentais, baseados em sua própria experiência, entre as cidades de meio século atrás e as de hoje. Para os menos vividos, o contraste entre fotografias ajuda a formar uma ideia das mudanças ocorridas.
Comparem, por exemplo, fotos antigas e atuais de Belém. O confronto é chocante. Onde, antes, reinava a calma equina dos cavalos e burrina dos burros -- e as pessoas andavam pelas ruas na maior tranquilidade, hoje prepondera a poluição visual (e atmosférica, embora fotos não mostrem isso) com um amontoado de automóveis mal conseguindo sair do canto ou encontrar pontos de estacionamento.
A expansão da frota de automóveis, em cidades que não foram preparadas para isso, provocou não apenas o trânsito caótico que todos nós conhecemos, mas também o encolhimento das praças, o estreitamento das calçadas, a derrubada de quarteirões inteiros (em muitos casos, com edificações preciosas indo ao chão). Tudo em nome do alargamento das velhas ruas e a abertura de novas. E o pior, sem grandes resultados.
Nem mesmo Brasília – que foi planejada para o carro – resistiu incólume à avalanche de veículos ocorrida desde sua fundação, em 1960.

(Excerto de reportagem / ensaio motivada por uma viagem a Belém do Pará. A matéria completa, com fotos, está em https://docs.google.com/file/d/0B_R9cylq9erzTlA2YjQ5aWlIYzg/edit)

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ainda sobre a criação e destruição do conhecimento (Um ensaio)


Gustavo Maia Gomes

O cidadão comum acalenta uma visão romântica da atividade científica. Para ele, a Ciência é movida por pessoas que têm por único objetivo descobrir a verdade, o que elas conseguem criando proposições e teorias e, em seguida, testando-as.

Será mesmo assim? Talvez, sim, em áreas do conhecimento como Física, Química ou Astronomia, mas não nas ciências sociais, onde os testes de validação ou rejeição das proposições dificilmente geram resultados indiscutíveis.

(Trecho de um ensaio relativamente longo sobre a produção e destruição do conhecimento científico, já publicado desde a semana passada. Apenas para quem tem interesse no tema e ainda não leu o texto, o link é https://docs.google.com/document/d/1QoW5QQz4WSzGYmarJls56WiSJTNZmxq8H4H4lCOYcVs/edit# )