terça-feira, 30 de agosto de 2016

Viagem açucareira imaginária de São Paulo a Alagoas

Gustavo Maia Gomes

Em 19 de agosto último, promovi um encontro de parentes em Maceió, interessado que estava em reunir informações para dar conteúdo ao capítulo sobre o último Gomes (Manoel Gomes dos Santos, meu bisavô, 1841-1925) e os primeiros Maia Gomes (especialmente, José Maia Gomes, 1874-1947) do livro que estou escrevendo. 

Falamos, principalmente, sobre a Usina Campo Verde (já extinta, localizava-se em Branquinha, Alagoas), que pertenceu a José, e sua história tumultuada, até que minha prima Vânia me perguntou se as dificuldades intermináveis da atividade açucareira (incluindo as que levaram ao fechamento da Usina Campo Verde) não teriam como explicação parcial, mas importante, um componente político.

Respondi-lhe que, em minha opinião de economista e, no passado, estudioso do setor, influência política houve, sim, e muita, mas (sobretudo, desde os anos 1930) ela explica mais a sobrevida da cana e do açúcar nesta região do que seu declínio. Veio-me à mente, alguns dias depois, que havia escrito bastante sobre este mesmo assunto, quase 40 anos atrás. E que havia trabalhado no setor, em São Paulo, durante pouco mais de três anos. Quem sabe, esta não é a hora de recordar um pouco isso?

ANOS PAULISTAS

Em janeiro de 1973, com os créditos do mestrado em Economia completados na Universidade de São Paulo, mas ainda sem defender a dissertação, comecei a trabalhar na Copersucar, Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo. Permaneci no emprego até meados de 1976. O escritório ficava na Rua Boa Vista, edifício Jockey Clube, em pleno centro financeiro antigo da capital paulista.

Lá estavam Marcio Diniz Gotlib, nosso chefe (grande figura humana, assim como os demais integrantes da Assessoria Econômica), Reinaldo de Barros Alcântara, Norberto Antônio Batista, Diogo Galhardo, José Santana, Akio Tanaka. Um ano depois, chegaram Júlio Maria Borges, meu colega de mestrado na USP e grande amigo, até hoje, Eduardo Palma, Ênio Rodrigues de Souza e Fernando Coutinho.

Foi uma experiência importante e um tempo de muito aprendizado. Com direito a momentos de descontração. Por exemplo: entre 1971 e 1973, devido aos preços astronômicos então alcançados pelo açúcar no mercado internacional, a Copersucar se tornara a maior empresa brasileira em faturamento. Tinha tanto dinheiro que até inventou de construir e patrocinar um carro de Fórmula Um, a ser pilotado por Wilson Fittipaldi Jr. Foi um desastre. Aquela droga mal saía do canto. E nós, os colegas e eu, fazíamos piadas a cada fiasco do Belo Antônio.

Mas, não ríamos de nossas tarefas diárias, que eram muitas. No meu caso particular, especializaram-me em redator de cartas anônimas (que, entretanto, o presidente da empresa assinava) para os então ministros do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, e da Fazenda, Mário Henrique Simonsen. Sempre pedindo vantagens para os usineiros. E, para minha surpresa, quase sempre, sendo atendido. Eles, não eu.

Explico. Na década de 1970, o setor açucareiro no Brasil continuava a ser fortemente controlado pelo governo. As exportações, em particular, eram monopólio do Instituto do Açúcar e do Álcool. O IAA comprava o açúcar a preços tabelados e o exportava. Quando as cotações internacionais estavam altas, essa transação dava lucro ao Instituto; em épocas de preços baixos lá fora, ocorria o contrário.

Para permitir a estabilização dos preços pagos aos produtores, fora criado o Fundo Especial de Exportações (FEE). Era onde o governo depositava os excedentes que obtinha vendendo açúcar no estrangeiro a um preço mais alto do que o pago internamente. E de onde o IAA sacava, nos anos em que ocorria o inverso.

Acontece que os preços externos do açúcar obtidos partir de 1971 (e até 1975, inclusive), de tão altos, eram absolutamente inéditos. Em alguns casos, mais de dez vezes superiores aos pagos pelo governo aos produtores. Em tais condições, o FEE, rapidamente, virou um cofre de Tio Patinhas, abarrotado de moedas fundamentais e, sobretudo, de dólares.

Aquela fortuna que não parava de crescer logo despertou a cobiça dos usineiros, algo facilmente explicável e, nas condições vigentes, justificável. As relações entre empresários do açúcar (na época, o álcool tinha menos relevância) e o governo passaram a ser do tipo: “eu peço, tu me dás”. Não sei se “passaram a ser”; acho que sempre foram. A diferença era que, dessa vez, havia muito dinheiro para ser distribuído.

Num determinado momento, um dos participantes desse jogo descobriu que eu sabia escrever interessantes cartinhas pedindo favores para os usineiros paulistas (e, por decorrência, também os alagoanos, pernambucanos...), sob justificativas mais ou menos plausíveis. Desde então, uma parte de meu tempo na Copersucar passou a ser empregada nesta atividade. Devo dizer que a empresa me pagava bem, mas terminei cansando daquilo, sendo esta uma das razões que me fizeram voltar para o Recife, em 1976.

Parei, assim, de redigir cartas anônimas que me rendiam um bom dinheiro para virar escritor de livros técnicos e reminiscências familiares que não me dão dinheiro nenhum. Mas, não me arrependo.

OS PREÇOS LOUCOS

Para ser fiel aos fatos, também produzi estudos mais substanciais, naquele tempo. Um deles, a análise histórica do mercado internacional do açúcar. Em tese, este trabalho deveria ter sido apresentado num congresso sobre o assunto que a própria Copersucar promoveu, em 1975. Na época, os preços internacionais do açúcar ainda estavam muito altos, mas já davam sinais de queda.

Ocorreu que minha participação foi cancelada, diante da coincidência de o presidente do IAA, general Álvaro Tavares Carmo, haver escolhido o mesmo tema para adornar o discurso que faria e fez no conclave. Devo esclarecer aos mais jovens que, no regime militar (1964-85), cada tanque de guerra tinha seu general e cada general, o seu tanque. O de Tavares Carmo era o IAA. Não que ele entendesse de açúcar tanto quanto devia entender de ordem unida.

Mas lhe tinham arranjado aquele emprego e ele se sentia na obrigação de dizer alguma coisa sobre o assunto. E ele disse ser impensável que os preços internacionais do açúcar voltassem jamais para níveis inferiores a 500 dólares a tonelada. Do meu assento de ouvinte, sorri: em toda a história, os preços do açúcar somente haviam ultrapassado 500 dólares em 1974. Mesmo 100 dólares eram uma marca altíssima, poucas vezes atingida. O general devia ter um plano secreto para transformar o excepcionalíssimo em ultranormal.

Se tinha, não o pôs em prática. De 1975 até hoje – ou seja, passados 41 anos! –, os preços internacionais do açúcar (sem descontar a inflação dos Estados Unidos acumulada no período) somente ultrapassaram os 500 dólares a tonelada em dois anos: 2011 e 2012. Em termos de dólares com o poder de compra que eles tinham em 1975, que são os que interessam, nunca mais os preços chegaram nem perto daquilo: os valores correspondentes a 2011 (USD 137/t) e a 2012 (USD 121/t) pouco ultrapassaram os 100 dólares a tonelada.

Mesmo em 1980, no auge do segundo choque do petróleo, o açúcar foi vendido a USD 314/t (se medirmos este preço pelo valor que o dólar tinha em 1975). Nessa pisada, poucos meses após a fala do general no congresso da Copersucar, desmoronou toda a política açucareira (fusões, incorporações, relocalização e modernização de usinas) financiada com crédito abundante e juros subsidiados, que havia sido montada desde o início da década, na expectativa – garantida pelo general Tavares Carmo – de que os preços do açúcar nunca mais cairiam abaixo de 500 dólares a tonelada. E eu voltei para o Recife, com muitas lições aprendidas, por vontade própria, não em decorrência da nova conjuntura internacional do açúcar.

E A PERGUNTA?

Mas isso está me afastando da pergunta de Vânia. Encurto, pois, os entretanto, para mais rápido chegar aos finalmente, como diria Dias Gomes. Já no Recife, em 1978, aproveitando minha experiência de São Paulo, elaborei proposta de uma nova política açucareira, a pedido de assessores de Marco Maciel, que seria o próximo governador de Pernambuco.

A política continuaria a ser federal, mas Maciel, se quisesse, poderia utilizar a proposta como bandeira política, pressionando os generais presidentes a mudarem um pouco a abordagem tradicional para o setor, que se tinha revelado ineficaz. O estudo, assim como as proposições dele derivadas, foram, previsivelmente, ignorados já no âmbito estadual, de modo que deles ninguém ouviu falar, fora de Pernambuco. (A não ser um público seleto de acadêmicos, pois publiquei vários artigos técnicos a respeito do assunto, entre 1979 e 1981.) 

E aqui me reencontro com a pergunta de Vania Bahia Maia Gomes: “teriam as dificuldades permanentes da atividade açucareira, como explicação parcial, mas importante, um componente político?”

Em 1979, dei publicamente uma resposta a questões essencialmente similares a essa, aproveitando o que havia aprendido com a experiência na Copersucar e, em seguida, com os estudos sobre o assunto feitos para atender o pedido da equipe de Marco Maciel. Copio de mim mesmo, nos próximos parágrafos. Escrevi isso em 1979.

“A política do IAA [a política de longo prazo, digamos assim] foi bastante eficiente no que toca à sua tarefa fundamental de adequar os níveis de produção de açúcar e de álcool aos respectivos níveis de demanda, interna e externa, pelos mesmos produtos. (...) Algo muito diferente ocorre quanto aos objetivos de aumento de eficiência. Neste ponto, os êxitos têm sido extremamente reduzidos, quando não se dá o caso de que os indicadores de produtividade se comportem exatamente em sentido contrário ao desejado. ”(Gustavo Maia Gomes, “Caráter e Consequências da Intervenção Estatal no Setor Açucareiro do Brasil". Estudos Econômicos, São Paulo, Fipe-USP, vol. 9, n. 3, 1979)

Vale lembrar que o IAA foi criado durante a grande crise econômica internacional dos anos 1930, quando os preços internacionais dos produtos vendidos por países como o Brasil (o açúcar, inclusive) caíram a níveis extremamente baixos. Naquele momento, houve um perigo real de fechamento em larga escala de usinas, especialmente, no Nordeste, região mais dependente do comércio internacional do produto do que sua concorrente (São Paulo, sobretudo).

A intervenção do IAA evitou isso, distribuindo os custos de uma redução não-catastrófica da produção entre agricultores e industriais de São Paulo e do Nordeste, seus credores e o próprio governo. O “Reajustamento Econômico” decretado por Vargas (1933), mesmo não sendo uma política específica para o setor açucareiro, reduziu em 50% a dívida da usina Campo Verde. (Não só dela, claro.)

Desde uma perspectiva mais ampla, entretanto, equilibrar a produção e o consumo e evitar uma quebradeira geral de usinas não era tudo o que interessava: “Pode-se ver, assim, acompanhando a história da política de preços (um instrumento fundamental de intervenção do governo no setor açucareiro) o delineamento de um padrão: enquanto os fatores estruturais responsáveis pela debilidade da economia açucareira (nordestina, em particular) não são nunca enfrentados, o governo passa a ministrar paliativos destinados a evitar o colapso do setor. Nenhuma medida efetiva é tomada para incrementar a produtividade da agroindústria nordestina”. (Idem.)

“Ora, esse padrão de política, não acompanhada de um esforço em atacar as raízes dos problemas tem, pelo menos, dois defeitos graves: de um lado, já que as causas estruturais da deterioração da economia canavieira nordestina não são nunca enfrentadas, a política não consegue mudar o curso dessa tendência, resultando daí que a distância absoluta, em termos de eficiência técnica e econômica, entre o Centro-Sul e o Nordeste só faz aumentar a cada ano”. (Idem.)

De outro lado, e isso era ainda mais fundamental, “Como faz parte da filosofia mesma justificadora da intervenção não deixar o setor sucumbir, ao contrário, amparando-o, a periódica ministração de paliativos, na forma de crédito paternalista, termina criando nos empresários açucareiros a certeza de que suas empresas nunca irão quebrar e que, em consequência disso, eles não precisam se preocupar seriamente em melhorar a eficiência com que produzem”. (Idem.)

AINDA VALEM?

Velhas de 37 anos, as conclusões deste artigo perderam, em grande medida, a atualidade. Há hoje, por exemplo, maior liberdade de os empresários fixarem preços e quantidades produzidas, do que no tempo de José Maia Gomes, virtual dono da Usina Campo Verde. Mas, não a perderam totalmente. Talvez, nem essencialmente. Persiste viva, sobretudo, a relação clientelista entre governo e empresários do açúcar e álcool, mormente os do Nordeste. 

Não fosse assim, não encheriam os usineiros os vôos para Brasília, pelo menos, uma vez por mês. Correspondentemente, ainda devem existir muitos escritores de cartas anônimas espalhados pelo Brasil, a pedir o impossível e ser atendidos, como por milagre.

A resposta, portanto, à pergunta de Vânia, me parece ser esta: a política foi, sim, um dos fatores explicativos do que aconteceu ao setor açucareiro de Alagoas, do Nordeste e do Brasil. Essencialmente, a intervenção governamental permitiu que usinas econômica e financeiramente inviáveis seguissem existindo pela vida afora.

Nada de decisivo foi tentado para corrigir as fraquezas estruturais; apenas se protelava a vida das menos eficientes. Mas – tanto para o setor, como um todo, quanto para a usina dos Maia Gomes, em particular – essa tolerância teria um custo e, algum dia, um fim, exemplarmente ilustrado pela situação atual de Murici e Branquinha, Alagoas. 

Em 1946, quando José Maia Gomes ainda era vivo, os dois municípios (que, na época, eram um só) tinham cinco usinas em seu território: Alegria, Bititinga, Campo Verde, Mucuri e São Simeão. Hoje, não têm nenhuma.


Sabem o que foi colocado no lugar delas? Bolsa Família e invasões de terras.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Da multidão, ouviu-se um grito

Gustavo Maia Gomes

A Olimpíada nem começou e já me causa tédio. (Seja isso o que de pior poderei dizer, quando ela tiver terminado.) Vou logo avisando: não desdenho saltos em altura, com ou sem vara; nado de peito ou despeito; futebol, voleibol, chá preto ou pente. Ao contrário.

Até defendo a inclusão de outras modalidades, como a "Dois Quilômetros de Costas": os atletas começam a prova na fita de chegada e se põem a correr em marcha a ré, como video tapes rebobinando, para chegar no início da raia antes que o pistoleiro ali postado dispare sua arma contra um urubu ocasional.

Incomoda-me, sim, ouvir mentiras repetidas à exaustão. O "legado das Olimpíadas", por exemplo. Este, se houver, será um conjunto de equipamentos indubitavelmente caros e duvidosamente úteis, destinados a se tornarem gigantescas vacarias. (Há os úteis, claro, mas estes independem dos jogos. Ninguém precisa reunir cem mil atletas durante 30 dias para construir uma linha de metrô.)

Quanto ao evento, propriamente dito, já antevejo o clímax da abertura olímpica. Alguém da multidão vai gritar, para um bilhão de telespectadores: "Atocha a tocha, prefeito". Atochar, diz o dicionário, quer dizer "fazer entrar com força; entalar, enfiar". Não é coisa que se deseje, sequer, a inimigos, mas, que vai acontecer, vai.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Nelson Rodrigues na Noruega

Gustavo Maia Gomes
Reeditaram "A Cabra Vadia: Novas Confissões", de Nelson Rodrigues (3ª edição, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016). São crônicas de jornal, escritas em 1968, que ainda se leem com grande prazer. Nelson não apenas escreve maravilhosamente bem, ele ensina.
Algumas de suas tiradas são impagáveis; a impiedosa crítica da esquerda cai como uma luva nos dias de hoje. “Só o gênio fundaria uma fortuna juntando guimbas. Tirava o fumo das guimbas e fazia cigarros inteiros. Seu império nasceu de uma colossal pirâmide de tocos”, disse de Onassis, o milionário grego que casou com Jacqueline Kennedy. “A pior solidão é a companhia de um paulista”, escreveu, após reencontrar um amigo meio mudo vindo de São Paulo.
Em 1968, éramos todos ferrenhos adversários da ditadura militar. Somente Nelson Rodrigues, ou ele e meia dúzia de outros desviados, teria e teve a coragem de escrever assim: “Na confissão de ontem, falei de um dos pronunciamentos mais claros de d. Helder [Câmara]. Sem nenhum disfarce, declara: – Respeito aqueles que, em consciência, sentem-se obrigados a optar pela violência; não a violência fácil dos ‘guerrilheiros de salão’, mas a daqueles que provaram sua sinceridade com o sacrifício de suas vidas”.
Nelson reage: – “Não. Aí não está dito tudo. Provaram a sinceridade morrendo, por azar, e matando, por querer. Antes de morrer, Guevara matou. E, repito, morreu sem querer e matou querendo”.
Lá pelas páginas 140 do livro, encontro esta joia: “Getúlio Vargas foi o último grande enterro do Brasil. (...) Façamos um censo de possíveis defuntos. E chegaremos à conclusão de que ninguém, no momento, justificaria um grande enterro”. Conclui, num suspiro: “Como é árida a época que não consegue dar um defunto monumental”.
Ou, então, pouco adiante: “O Brasil tem 80 milhões de marxistas. Hoje, o não marxista sente-se marginalizado, uma espécie de leproso político, ideológico, cultural, etc. etc. Só um herói, ou santo, ou louco, ousaria confessar, publicamente: Meus senhores e minhas senhoras: Eu não sou marxista, nunca fui marxista. E mais: considero os marxistas de minhas relações uns débeis mentais de babar na gravata”.
Sou admirador de Nelson Rodrigues. Também gosto de escrever. Quem sabe, poderia homenageá-lo com uma crônica minha? Vou tentar. Atenção.
Serafina Trombose casou com Espiridião Catarinense. Os dois são de Branquinha, Alagoas. Têm um filho, Irineuzinho. O pai trabalha em Maceió. É cabo da PM. Queria morrer trocando tiros com bandidos, só assim seu nome sairia no jornal. Irineuzinho mora com ele; a mãe está há três anos na Noruega articulando negócios, sempre na iminência de se realizarem. Transformou altos objetivos profissionais em profissão.
Se lhe perguntam o que faz, responde: – “Persigo altos objetivos profissionais”. Por ora, reconhece, quando conversa em norueguês com suas amigas brasileiras, a maior vantagem de viver na Europa é que lá ela não é esposa de um cabo. Nem liga para o detalhe de que todas as suas despesas têm financiamento militar.
Acontece que o Irineuzinho vem crescendo, como costuma acontecer, e o pai enfrenta dificuldades dia-a-dia maiores em cuidar sozinho do filho, enquanto trava – ele, Espiridião – lutas mortais contra bandidos alagoanos. Queixa-se à mulher: – “Está ruim na escola. Vê fantasmas. Diz que também vai para a Europa”. Serafina ameniza, mas as pressões vindas do Hemisfério Sul não diminuem.
À beira do colapso, Espiridião dá seu lance final. Não aguenta mais. – “Está querendo que eu largue tudo e volte?”, pergunta Serafina. O marido não entende: – “Largar, largar...? Mas, o quê você está segurando aí?” Após um instante de hesitação, a mulher revela sua mais recente atividade profissional: ela e o sócio vão abrir uma empresa de segurar mandiocas. Ao que o marido retruca: – “E tem mandioca na Noruega?”
Nelson Rodrigues que o diga.