Gustavo Maia Gomes
Osvaldo Bahia nunca existiu. Enganou a todos até nisso. Sem jamais ter existido, viveu a eletrizante, atribulada história que passo a contar. Foi o maior vigarista brasileiro em seu tempo, os anos quarenta e cinquenta do século 20. Em um de seus muitos disfarces, assumia-se irmão de minha avó Josefa, tio de meu pai Mauro, tio-avô deste que vos fala. Mas, Osvaldo Bahia nunca existiu. Badu, sim.
No Ceará
Em 17 de
outubro de 1947, um jornal do Rio de Janeiro, publicou a seguinte notícia:
Louco ou chantagista. Fortaleza, 17. A Polícia cearense acaba de prender um indivíduo
procedente de Alagoas. Trata-se de Osvaldo Brandão, do qual não se sabe ainda
se é louco ou chantagista, pois veio dizendo ser deputado alagoano, transferido
para a Assembleia cearense, e que o governador Silvestre Péricles [de Alagoas]
trucidara toda a sua família.[i]
“Aqui
chegado”, continua, “iludiu uma família de agricultores, dizendo que viera
cumprir uma missão de Deus, fazendo sessões espíritas nas quais apareciam almas
de urubus que aconselhavam a filha do agricultor a se casar com o enviado”. O
casamento realizou-se, mas, um dia, sentindo o espertalhão que a polícia estava
em seu encalço, “vestiu-se de luto e declarou que precisava regressar a Alagoas,
por ordem dos anjos”.
Debalde. Foi
preso. E iludiu a polícia. Seu nome do homem não era Osvaldo Brandão, nem
Osvaldo Bahia, nem Aluísio Brandão Bahia, nem Carlos Brandão Bahia, nem Osvaldo
Soares Malta, nem Osvaldo Soares Bahia, nem Osvaldo Brandão Vilela Bahia, nem
Manuel Vilela, nem Antônio dos Santos, nem Osvaldo Moreira, nem Antônio Malta,
nem Carlos Vilela, nem “Malta”, nem “Rocha”, nem José Malta, nem Mário Bahia...
Nos doze anos
de sua vida ativa que pude acompanhar pelos jornais, o “louco ou chantagista”
vindo de Maceió usaria todos esses nomes para se apresentar nos muitos lugares
por onde andou – Fortaleza, Crato, Recife, São Paulo, Santos, Santo André,
Presidente Prudente, Rio de Janeiro, Niterói, Campinas, Belém – quase sempre dando
golpes em gente de destaque. Quando, supostamente, morreu, assassinado na
capital paraense, o jornal A Noite
chamou-o “Rei dos Malandros”.
Digo
“supostamente” porque não estou certo de que Osvaldo Moreno (seu verdadeiro
nome, que ele nunca usava; Badu era o apelido de criança) morreu mesmo naquele
dia, ou se apenas inventou a história para, pela centésima vez, despistar os
perseguidores e continuar a vida escondido sob novos nomes, que ninguém mais
conseguiu descobrir. É estranho, por exemplo, que só um jornal tenha noticiado
o “fato”, mesmo assim, sem destaque, no meio de uma matéria que tratava de
outro marginal, o “Príncipe dos Malandros”.
Em fevereiro
de 1948, cinco meses depois do infortúnio cearense, portanto, o “louco ou
chantagista” declarou ao Diário de
Pernambuco (desta vez, estava preso no Recife) ter 17 anos de idade.
(Teria, portanto, nascido em 1930 ou 1931.) Acho que mentiu. Quando, em 1955,
Osvaldo teve a fotografia publicada nos jornais do Rio de Janeiro, após
consumar sua obra prima, ludibriando de uma só vez todos os deputados
estaduais, tinha a aparência de um homem de 35 anos, não de 24. Posso estar
enganado. Sua vida atribulada o teria feito parecer mais velho do que,
realmente, era. Em seu favor, há o fato de que ele sempre informou à polícia
idades que, em cada momento, eram compatíveis com a declarada em 1948. Talvez
esse tenha sido o único aspecto de sua biografia sobre o qual não inventou mil
versões diferentes.
Embora
notável pela sua audácia, Osvaldo Moreno era, frequentemente, capturado pelas
polícias dos estados por onde andou. Nesse sentido, não teve sucesso
inquestionável. Foi graças às repetidas passagens por delegacias que consegui
seguir suas pegadas, noticiadas nos jornais da época. Será que ele planejou
isso para, então, ganhar a notoriedade que se achou incapaz de atingir
trilhando caminhos menos convencionais?
É só uma pergunta.
Como o descobri
Desde a
infância, eu tinha algumas informações esparsas sobre um “parente” de meu pai que
passara a vida dando golpes. Ele falava nisso e sempre lembrava que a façanha
mais vistosa do vigarista fora ser recebido solenemente como deputado alagoano
na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. (Coisa que, claro, ele não era,
não tinha sido, nem viria a ser.) Fiz a referência em O Trem para Branquinha, meu livro sobre a história da família que
deve ser lançado em abril deste ano. Sucinta, naturalmente. Do único modo que a
minha ignorância de então permitia.
Ocorre que, à
época em que ouvi essas histórias, faltava-me capacidade de atribuir-lhes um
contexto. (Afinal, o esperto dizia ser filho de quem, neto de quem mais? Como
ele se relacionava, genealogicamente falando, comigo e com meu pai?) De modo
que elas me ficaram gravadas na mente apenas como anedotas. Nem eu, nem meu
irmão Ivan, conseguíamos recordar, sequer, o nome do malandro. Com tão poucos
dados iniciais, seria impossível fazer uma busca sistemática de informações
sobre ele.
Para minha
sorte, fui ajudado por uma frase recente de Vania Maia Gomes Lages, filha de
Helena, neta de Francisco da Costa Bahia e de Alice Soares Bahia. (Guardem
esses nomes. Eu sou bisneto de Francisco, mas não de Alice; minha bisavó
chamava-se Ernestina, primeira mulher de Francisco.) Vania me disse que um
menino pobre havia sido acolhido por Alice, então já viúva. (Seu marido morrera
em 1921.) Esse garoto viveu por um tempo na casa dela, em Viçosa, Alagoas.
Passou, depois, a se apresentar como Osvaldo Bahia, mas não era, de fato, um
membro da família.
Muito cedo,
começou a revelar o que viria a ser quando adulto. Pode ter saído da casa por
vontade própria ou expulso, mas o fato é que, durante um tempo, ele conviveu
com uma família importante, na então rica e progressista cidade alagoana. Ouviu
as conversas da casa, fez perguntas, recolheu informações que, mais tarde, lhe
seriam úteis para compor suas falsas (porém, para mentes receptivas,
verossímeis) histórias, onde ele sempre se apresentava como amigo ou parente
das maiores figuras de Alagoas. Mais do que isso, levado pelos Bahia, Osvaldo
Moreno teve acesso aos altos círculos políticos e intelectuais da Viçosa da
primeira metade do século XX. E isso não era pouca coisa:
Em terras viçosenses nasceram o menestrel Teotônio Vilela [que se
tornou nacionalmente célebre pela campanha contra o regime militar de 1964-85]
e seu irmão cardeal primaz do Brasil Dom Avelar [Brandão Vilela, a quem
encontraremos logo abaixo]. [Em Viçosa,] Graciliano Ramos [Vidas Secas, Memórias do Cárcere...] viveu e inspirou-se o para
escrever São Bernardo. É de Viçosa o
primeiro tradutor brasileiro do Manifesto
Comunista, o militante Otávio Brandão. Viçosa criou poetas da estirpe de
Manoel Neném e Zé do Cavaquinho, criou também a escola folclórica conhecida em
todo o Brasil com Théo Brandão [marido de Élide Bahia, neta de Francisco e Alice],
José Aloísio Vilela [casado com Laura, filha de Francisco e Alice], José
Pimentel e José Maria de Melo. Em Viçosa, na Serra Dois Irmãos, tombou o líder
guerreiro Zumbi dos Palmares.[ii]
A partir
dessas pistas iniciais, montei minha busca pelo personagem misterioso, o
parente que não era parente. O resto da resposta à pergunta sobre quem foi e
como descobri “Osvaldo Bahia” tem tudo a ver com os maravilhosos milagres
tecnológicos de nossa era. Um marco da investigação foi o seguinte: procurando
referências a Francisco da Costa Bahia nos jornais antigos coletados e
digitalizados pela Biblioteca Nacional (do Rio de Janeiro; eu trabalho no Alto
do Céu, Recife!), deparei-me com uma extensa matéria do Diário de Pernambuco (17/2/1948) relatando o caso do “tuberculoso
detido há 64 dias na Delegacia de Investigações e Capturas”.
Tratava-se de
um certo “Osvaldo Brandão Vilela Bahia”, segundo ele próprio, “natural de
Alagoas, filho de Francisco da Costa Bahia e Alice Brandão Vilela Bahia”. O
homem contou uma longa história, relatada na seção seguinte. Enganou o repórter
policial do Diário, que acreditou em
cada palavra dele. Iria se arrepender poucos dias depois. É que o duplo nome
“Brandão Vilela” não passou despercebido a um leitor especial: o então bispo de
Petrolina e futuro cardeal primaz do Brasil.
Dom Avelar
Brandão Vilela, como vimos, era da mesma cidade de Alagoas onde os Bahia
moravam há décadas. Mais do que isso, as famílias Brandão Vilela e Bahia se
haviam entrelaçado pelos casamentos de José com Laura e de Theo com Élide. O
bispo escreveu para o jornal dizendo saber quem era aquele jovem. Denunciou a
farsa, contou histórias de golpes dados pelo meliante, e deu outros nomes já
anteriormente usados pelo falso Osvaldo Brandão Vilela Bahia, na verdade,
Osvaldo Moreno.
Conhecendo
esses nomes e os demais que foram aparecendo nas notícias sobre o vigarista,
fui ampliando minha busca na coleção de jornais antigos. O que consegui reunir
é de estarrecer, mas, também, de provocar risadas. Osvaldo Moreno foi um gênio.
Se tivesse usado seus talentos para fins socialmente úteis, poderia ter-se
tornado não o “Rei dos Malandros”, mas um político de destaque, um romancista
dos bons, um jornalista demolidor. Candidato sério a orgulho da família, mesmo
não sendo ele um autêntico Bahia. Em verdade, no seu íntimo, suponho eu, o
menino criado por Dona Alice nem desejou essas glórias, cujo desfrute jamais se
compararia à felicidade que sentia ao fazer um otário acreditar em suas
histórias alucinantes. E ainda pagar por isso.
Em Pernambuco
O mais antigo
registro do nome Osvaldo Bahia que encontrei nos jornais é de 1945. Pelas suas
contas, ele teria, então, 14 anos. Estava no Recife. É uma notícia com poucos
detalhes; não dá para saber se é a mesma pessoa. (Afinal, Osvaldo Bahia não era
um nome assim tão raro.) Transcrevo:
Furto de Cr$ 50,00 e de uma
aliança de ouro. Branca
Cacilda Amorim de Oliveira, com domicílio à Rua de Santa Tereza n. 93, bairro
de São José [Recife], à tarde de ontem, procurou a polícia para queixar-se
contra Osvaldo Bahia. Afirmou que este penetrou em seu domicílio, furtando a
importância de Cr$ 50,00 e uma aliança de ouro com a inscrição interna
“Antônio”.[iii]
Podia ou não
ser ele, mas o estilo é parecido, como veremos. Teria Osvaldo Moreno fugido de
Alagoas e vindo para Pernambuco, somente em seguida se passando para o Ceará?
Talvez. Uma das lições que aprendi seguindo as pistas do falso parente foi que,
no seu ramo de negócios, mobilidade é fundamental.
A notícia
seguinte é aquela do “louco ou chantagista”. Mas, o tempo não para, nem as
peripécias do falso Bahia iriam terminar tão cedo. Em 17 de fevereiro de 1948
(curiosa essa fixação com o dia 17; é a terceira vez que ele aparece), o Diário de Pernambuco estampou a longa
matéria “Tuberculoso detido há 64 dias na D.I.C. [Delegacia de Investigações e
Capturas]” Transcrevo partes dela:
A história de Osvaldo Brandão Vilela Bahia, menor de 17 anos, é
bem triste, conforme o repórter policial do Diário
teve ocasião de saber. (...) Natural de Alagoas, filho de Francisco da Costa
Bahia e Alice Brandão Vilela Bahia, fugiu de casa, no interior daquele Estado,
há cerca de dois anos, depois de uma série de irregularidades que cometeu.
Levou no bolso Cr$ 6.000,00 [equivalentes a 16 salários mínimos da época], produto
da venda de seis novilhas “surrupiadas” ao próprio pai e adquiridas por um
amigo deste, graças à falcatrua que Osvaldo planejou e levou a bom termo para
negociar as “crias”.[iv]
A reportagem
prossegue informando que, em seguida, Osvaldo foi para Fortaleza, no Estado do
Ceará, e dali rumou a um dos municípios próximos, “onde se empregou no barracão
da propriedade do maior comerciante de cera de carnaúba conhecido pelas
redondezas. Depois de namorar uma das filhas de seu patrão, seduziu-a e
terminou casando com a mesma, a despeito da oposição do pai”. Continua a
matéria, sempre baseada nas informações fornecidas pelo falso Osvaldo Brandão
Vilela Bahia:
Finalmente, graças ao mau caminho tomado pela sogra de Osvaldo,
que se deixou seduzir por um tenente da Polícia do Ceará, Osvaldo fugiu deste
Estado e levou consigo enorme comitiva: a esposa, a sogra, o namorado desta,
que então dera “baixa”, dois cunhados e uma cunhada, num total de sete pessoas,
ele, inclusive.
O repórter
não considerou estranho que o namoro clandestino da sogra de Osvaldo com um
tenente da polícia provocasse tamanha debandada de cearenses, estranhamente
comandados por um menino alagoano de 17 anos que não tinha mais no bolso sequer
um tostão dos que havia furtado do pai (tudo, segundo sua própria história).
Mas, como “furtado do pai”? Francisco da Costa Bahia já estava morto há 26
anos, quando esses eventos, alegadamente, ocorreram! O relato prossegue:
Em menos tempo do que se esperava, Osvaldo Brandão & Cia.
deram fim aos Cr$ 50.000,00 [130 salários mínimos da época!] que sua sogra
levou, em dinheiro, produto de suas economias. A esse tempo, estavam todos no
interior de Pernambuco, e sem tostão, quando Osvaldo planejou, para ganhar
dinheiro, “estabelecer-se” com um negócio de baixo espiritismo e enganou muita
gente, até o ponto de pessoas e autoridades deixarem-se enganar pelo rapaz na
questão de saber dos dois candidatos em luta qual seria o [próximo] governador
do Estado.
O negócio ia
bem, sugere o Diário, mas deve ter
suscitado inveja, pois, um dia, a polícia chegou:
Fartos de todos os truques de Osvaldo Brandão Vilela, decidiram
prendê-lo sob acusação de “scroqueria” (sic), professador de falsas doutrinas e
outros pretextos arranjados para cassar-lhe os meios fáceis de vida a que se
entregara, para sustentar seis pessoas com ele, pois, a esta altura, o
ex-tenente abandonara a amante.
Prenderam-no e soltaram-no quatro vezes seguidas e, até a ida do
sr. Alarico Bezerra para a Secretaria de Segurança, Osvaldo passou alguns dias
em paz. Uma vez, porém, que assumiu o poder o “senhor de engenho”, Osvaldo
Brandão não teve mais sossego. (...) Da sala de permanência (banco dos detidos)
às várias dependências do xadrez da Secretaria [está sempre] mal alimentado,
passando, às vezes, fome e dormindo mal, no chão úmido de água atirada
propositadamente.
As consequências
Boa coisa não
sairia daquilo tudo.
Osvaldo contraiu forte resfriado. A moléstia foi minando-lhe o
organismo e, de algumas semanas para cá, deu para ter crises horríveis, ao fim
das quais lhe aparecem ataques de hemorragia, deitando muito sangue. Há 64 dias
detido na sala de permanência do D. I. C., sem que seu caso se resolva, e onde
já esteve à disposição da polícia de Alagoas, Osvaldo Brandão Bahia foi presa
de várias crises de sangue. Afinal, na última quinta-feira, chamado o médico
para examiná-lo, deu-o como tuberculoso.
Desconfio que
o falso Bahia enganou não apenas o médico como o repórter, pois nenhuma outra
notícia de tuberculose jamais apareceu nas passagens posteriores dele em tantas
cidades. Não importa. Usando o Diário,
ele conseguiu tornar pública sua história. Aproveitou para dizer que “a sogra,
os dois cunhados e uma cunhada se encontram passando privações na Seção de
Repressão à Mendicância e Vadiagem, na rua Visconde de Goiana [Recife]”. Nesse
ponto, o jornalista, decididamente, comprou sua história e se revoltou por ele:
O rapaz não tem crime algum, nenhuma culpa formada contra ele e,
tão pouco, está sujeito a quaisquer averiguações policiais. Não obstante isso,
permanece naquele departamento de polícia, o que é um crime, pois sua presença
ali é um foco de contágio para outros detidos.
Que o
soltassem, portanto, pois, quando deu a entrevista, “o rapaz [estava] já com as
faces macilentas e tossindo muito”. Dando voz ativa ao entrevistado, o repórter
transcreveu suas palavras: “Osvaldo Brandão Vilela Bahia, detido há 64 dias na
permanência da D. I. C., não se encontra à disposição de ninguém, exceto da
tuberculose”. Brilhante, sem dúvida, a figura que o meliante criou: “não estou
à disposição de ninguém [nem mesmo da polícia de Alagoas]; apenas, da
tuberculose”. Deu certo. No dia seguinte, o mesmo Diário de Pernambuco dava a notícia:
Afinal, resolvida a situação do
tuberculoso e sua família. À noite de
ontem, Osvaldo Brandão Vilela Bahia procurou-nos para agradecer-nos a caridade
que lhe tínhamos feito. [Ele fora libertado.] (...) Desse modo, com as pessoas
por quem, espontaneamente, se responsabilizou durante tanto tempo, aquele pobre
rapaz detido de maneira injusta e criminosa viajará para Fortaleza, onde seu
sogro já tomou todas as providências.[v]
Tudo indica que ele nem “recolheu a família” e nem voltou para
Fortaleza coisíssima nenhuma. Sua próxima aparição em jornais, das que consegui
recuperar, é de maio de 1950 e já o dava como instalado há meses em São Paulo,
onde foi preso, devido aos golpes que aplicara na cidade. Uma das notícias
então veiculadas relata pedido de informações da polícia de São Paulo à de
Alagoas, a respeito dos antecedentes de Osvaldo Moreno. E a resposta vinda de
Maceió dizia que ele voltara do Recife para Maceió (não para alguma cidade do
Ceará, portanto), fizera suas traquinagens por lá, fora pego e internado em
dois hospitais de alienados, de um dos quais havia saído “há pouco tempo”.
Ainda não
terminei, porém, com o caso do “tuberculoso injustamente detido no Recife”.
Novos elementos sobre “Osvaldo Brandão Vilela Bahia” seriam acrescentados,
apenas três dias depois da primeira notícia (ou seja, em 21/2/1948), pelo então
bispo de Petrolina (PE), Avelar Brandão Vilela, em carta ao Diário de Pernambuco.
O bispo conhecia Osvaldo
Dom Avelar
sempre teve fama de moderado, discreto. Numa fase posterior da vida, já feito
cardeal da Igreja Católica, enquanto seu irmão e senador Teotônio estava todo
dia nos jornais, protestando contra o regime militar, ele se manteve em
silêncio. Foi criticado por sua neutralidade política, numa época de intensa
mobilização. Em 1948, entretanto, nada disso havia, ainda, acontecido. Uma
certa manhã, imagino eu, o bispo de Petrolina pegou os jornais do Recife para
ler e se deparou com a reportagem sobre o pretenso Osvaldo Brandão Vilela
Bahia. Transtornado, escreveu uma longa carta ao repórter policial do Diário de Pernambuco. Logo após a
introdução necessária (“acabo de ler a reportagem que v. s. apresentou ao
público pernambucano, relativamente a um rapaz etc.”), foi ao assunto:
Lendo sua reportagem, senti a necessidade de fornecer-lhe algumas
indispensáveis informações acerca desse jovem [o pretenso Osvaldo Brandão
Vilela Bahia] cuja situação física e moral profundamente lamentamos.
Estava eu na cidade de Alagoa Grande (Paraíba), [em] dezembro de
1947, quando o vigário geral da Diocese [de Petrolina, suponho, GMG], mons.
Angelo Sampaio, recebeu do Crato [Osvaldo no Crato!], do sr. bispo diocesano,
um telegrama dizendo-lhe que pessoas de minha família aguardavam instruções
para seguirem viagem a Petrolina. Tudo ignorando, mons. Angelo respondeu que o
bispo diocesano [ele, Avelar] estava ausente e nada podia acrescentar.[vi]
No dia
seguinte, prossegue Avelar Brandão Vilela, “novo telegrama surge, afirmando que
as ditas pessoas viajaram misteriosamente, ficando provado serem trapaceiros”.
Então,
Voltando à Diocese [de Petrolina], tive conhecimento do fato. Nova
saída tive de fazer, na direção de Salgueiro [PE]. Ao retornar à sede
episcopal, aguardavam-me dois telegramas procedentes do Ceará, um do sr.
Arcebispo de Fortaleza e outro de um padre do interior, apresentando-me
pêsames. Fiquei sem entender o motivo das condolências, pois ninguém da minha
família falecera, naqueles dias.
Algum tempo depois, recebi de Recife, assinado por frei Manoel, do
Convento do Carmo, um telegrama dizendo-me que Manoel Vilela, inculcando-se meu
irmão, estivera com ele, afirmando trazer minha mãe a Petrolina, com mil
dificuldades, uma vez que, em Alagoas, por questões políticas, morreram
assassinados por adversários meu pai e meu irmão.
Diante disso, pedia auxílio para a longa viagem empreendida. No
dia seguinte, do juiz de Menores, dr. Rodolfo Aureliano, recebi telegrama
perguntando-me se possuía um irmão de nome Osvaldo Brandão Vilela que conduzia
minha mãe a Petrolina.
Só então Dom
Avelar compreendeu o enredo da história, o motivo das mensagens de pêsames
provenientes do Ceará. Enviou um telegrama para a família dele “que, realmente,
reside em Alagoas” comunicando o fato e perguntando se os parentes podiam
informar algo sobre o assunto. Volto a citar literalmente a carta:
A resposta da casa situou bem a questão. Tratava-se de um moço –
Osvaldo Moreno – criado, desde pequeno, pela viúva d. Alice Bahia, moço que,
desde cedo, revelou tendências pronunciadas para o furto e dezenas de
semelhantes habilidades. Fugira da residência de d. Alice, senhora pertencente
a uma das famílias mais destacadas de Assembleia [ou seja, Viçosa, explico em
seguida, GMG] e entregara-se, de corpo e alma, a toda espécie de falcatruas.
“Vila de
Assembleia” foi um dos primeiros nomes de Viçosa (AL). Entre 1943 e 1949, a
cidade retomou a denominação de Assembleia. Como explica a Wikipedia, em 1943, Getúlio Vargas proibiu que se usasse o mesmo
nome para mais de uma cidades. “Como no estado de Minas Gerais já havia Viçosa,
com o nome mais antigo, a Viçosa de Alagoas voltou a se chamar Assembleia. Em
17 de setembro de 1949, [entretanto], após várias reivindicações, o então
município de Assembleia [recuperaria o nome] Viçosa”.
Novamente, o
relato de dom Avelar Brandão Vilela:
Depois de preso pela polícia, solto, [Osvaldo Moreno] continuou a
mesma história, em Alagoas, até que penetrou em outros Estados (Ceará e Pernambuco)
com as mesmas tendências e defeitos, acrescentando a todos eles, mais um: a
exploração de meu nome e de minha família. Dizendo-se meu irmão, por onde
passava, certamente, com o fim de arranjar dinheiro com mais facilidade,
contando esse imaginário episódio de mortes e quejandas invencionices, além de
outras já divulgadas pela imprensa, o pobre do Osvaldo estava a merecer de
minha parte uma denúncia ao sr. Secretário de Segurança.
As denúncias
– mais de uma, sim – foram feitas e repetidas. Telegramas foram enviados ao
secretário de Segurança, Alarico Bezerra, mas tiveram pouco efeito, reclama
Avelar Brandão. E continua:
Além do mais, esse Osvaldo não podia usar o nome de minha família
– Brandão Vilela – porque nenhum parentesco tem conosco. Apenas, fora criado na
casa de d. Alice Bahia, cuja filha se casara com o meu irmão mais velho. E só.
De modo que,
adverte o bispo de Petrolina ao repórter policial do Diário, que se mostrara tão simpático ao “injustiçado” rapaz detido
há 64 dias na Delegacia de Investigações e Capturas,
Apesar de [ele, dom Avelar] não ter sido tão bem tratado pelo sr.
Alarico Bezerra [que lhe ignorara os telegramas, nada fazendo a respeito das
queixas ali formuladas], devo dizer-lhe [ao repórter] que [o secretário] tinha
razões sobejas para prender o rapaz.
Mas, àquela
altura, Osvaldo Moreno estava, apenas, iniciando a carreira de vigarista. Novos
episódios eletrizantes (que lhe levaram a uma internação forçada em manicômio,
embora os detalhes disso me sejam desconhecidos) seriam por ele protagonizados
no ano seguinte (1949) em Alagoas e, em 1950, em São Paulo.
“Alagoano das Arábias”
Liberado pela
polícia pernambucana, Osvaldo Moreno retornou a Alagoas. Certamente, não tinha
razões para voltar a Fortaleza, em companhia da sogra infiel, e se sujeitar à
ira do velho cornudo. (Admitindo que aquela história não fosse toda falsa, que
houvesse, sim, no início dos tempos, um chifre bem colocado por um tenente e
uma menina bem comida por ele, Osvaldo.) A notícia seguinte que localizei
(17/5/1950 – mais uma vez, o 17!) tem origem em São Paulo e traz o título
“Pedida a prisão preventiva do estelionatário Osvaldo Soares Bahia”. O texto
não deixa dúvidas de que se tratava do mesmo Osvaldo Moreno que agora assumia o
sobrenome “Soares Bahia”, igual ao de Alice, sua alegada mãe, que não era
Brandão Vilela coisa nenhuma.
Concluiu a Delegacia de Vigilância e Capturas o inquérito que
instalou sobre as atividades do estelionatário Osvaldo Soares Bahia, que usa
ainda os nomes de Aluízio Brandão Bahia, Carlos Brandão, Osvaldo Moreira e
Antônio dos Santos. Refinado malandro, senhor de habilidade e audácia
espantosas, faz pouco tempo, Osvaldo Soares Bahia rumou de Maceió, onde nasceu,
para esta capital [São Paulo], aqui se apresentando como “político influente e
vítima da perseguição do governo alagoano”.[vii]
A matéria
continua afirmando que o estelionatário, em curto espaço de tempo, conseguiu
granjear simpatia e confiança de autoridades administrativas e eclesiásticas de
São Paulo, “formando ambiente propício à execução de seus ‘golpes’ habituais”.
Dizia-se prefeito de Maceió e usava o nome do chefe do Executivo
municipal da capital alagoana, sr. Aluízio Brandão Bahia. [Também se dizia]
candidato ao governo no mencionado Estado por uma coligação de partidos da oposição
atual. Osvaldo Soares Bahia ainda se apresentava como irmão do bispo de
Petrolina e como tal aqui procurou vários dignatários da Igreja,
prejudicando-os, também, com os expedientes escusos a que se dá.
Com sua
conversa envolvente, o alagoano conseguiu tirar dinheiro do vigário da igreja
da Consolação e de um monge beneditino. Ao ser preso, estava na companhia “de
uma menor de quem se tornara namorado e com quem fugira. Desta última vítima,
Osvaldo Soares Bahia furtou 2.300 cruzeiros, que pertenciam à tia da jovem”.
O alagoano
foi detido e, logo depois, solto, mas processado judicialmente. Outra notícia,
da mesma época, também vinda de São Paulo e publicada no Diário de Pernambuco já se referia ao vigarista como “Osvaldo
Moreira”, mais um disfarce vestido por ele para despistar a polícia. Os mesmos
crimes são, novamente, relacionados, com a adição de um detalhe: Osvaldo
dizia-se possuidor de grande fortuna em Alagoas. Além disso,
Passou procuração ao advogado José Cândido de Oliveira Costa, ao
qual autorizou a retirar do Banco do Brasil, no Rio [de Janeiro], a quantia de
350 mil cruzeiros, que não possuía. Enquanto o advogado viajava para o Rio, em
busca desse dinheiro, a Polícia, atendendo a uma denúncia, prendeu Osvaldo em
Santos [agora ele estava em Santos! Mobilidade é tudo], onde se encontrava em
companhia de uma menor. Depois de
prestar declarações em cartório, Osvaldo foi posto em liberdade. Foi instaurado
inquérito, tendo sido pedida a prisão preventiva de Osvaldo.[viii]
Dois dias
depois, apareciam “novos detalhes sobre as proezas do jovem estelionatário
alagoano”. Agora, além de Aluísio Brandão Bahia, Osvaldo Soares Bahia, e
Osvaldo Moreira, os investigadores descobriram que ele também assumira o nome
de Carlos Brandão Bahia. Mas, a polícia paulista foi esperta: buscou
informações sobre o homem no seu Estado de origem. Em resposta, veio o informe
de Alfredo Monteiro Quintela, secretário do Interior e Educação do Estado de
Alagoas.
Conforme comunicado desse Secretário de Estado, (...) o verdadeiro
nome do malandro é Osvaldo Moreno, filho de Jinas [Jonas?] Moreno e Olímpia da
Silva Moreno. (...) [Ele], até há pouco, estivera internado em dois hospitais
de alienados, em Alagoas. Do último, obteve alta faz poucos meses,
dedicando-se, desde então, a expedientes escusos, alcançando sempre êxito
graças à sua astúcia e à educação fina que lhe deram seus pais. Sabe-se, por
último, que elementos do governo alagoano foram lesados por Osvaldo Moreno,
circunstância que o obrigou a deixar Maceió, rumando para São Paulo.[ix]
De todo modo,
essa estadia em Maceió, entre 1948 e 1950, parece ter impulsionado a carreira
do vigarista. Nessa ocasião, pela primeira vez, ele aparece dando golpes em
autoridades (“elementos do governo alagoano”). Antes, seus alvos mais ilustres
tinham sido figuras da igreja, conforme o relato de Dom Avelar Brandão. A
atuação subsequente dele em São Paulo – inclusive a de 1950, mas, sobretudo, a
dos anos 1953-55 – iria se dar, cada vez mais, nos meios políticos.
Volto à ordem
cronológica. Como resultado dos seus crimes em 1950, Osvaldo Moreno foi
condenado pela Justiça de São Paulo. Ficou preso durante três anos e dois meses
e, ao ser preso novamente, em dezembro de 1953, estava em liberdade
condicional.[x]
Na edição de
5/12/1953, o Diário da Noite (do Rio)
publicou esta notícia, vinda de São Paulo. Ela dá uma ideia geral do que a
polícia paulista já sabia sobre o vigarista, até aquele momento. Não era muito.
Há cerca de quatro anos apareceu em São Paulo um alagoano de nome
Osvaldo Soares Bahia ou José Malta [mais um nome falso]. Indivíduo bem falante
e inteligente, deu para se imiscuir em assuntos políticos, dizendo-se prefeito
de Maceió, perseguido pelos políticos de que fugira. E mais: que é sobrinho
(sic) do bispo de Petrolina. Com tais “credenciais” o espertalhão começou a
viver no meio de pessoas de alta categoria, às quais ia tomando dinheiro
“emprestado”.
Certo dia, Osvaldo deu um pulo mais alto e ludibriou um frade, de
quem conseguiu apanhar 50 mil cruzeiros. Mas o golpe foi pressentido e a vítima
deu parte à polícia, sendo o “vigarista” preso e condenado a três meses de
prisão, de onde saiu há pouco tempo. [xi]
Outro golpe
foi relatado na mesma matéria: “Osvaldo seguiu para Santo André [SP]. Ali se passava
por presidente da Câmara de Viçosa, em Alagoas, e inventou as histórias mais
interessantes para agir. Dizia-se vítima dos políticos e assim conseguiu
enganar outros, até que foi novamente parar na polícia, que o está
processando.”
Nem tudo isso
junto, entretanto, fazia jus ao trabalho do alagoano em terras paulistas. Ou a
polícia ainda não sabia da missa um terço, ou a obra continuava a ser produzida
e, cada vez mais, aperfeiçoada. Em meados de 1954, o jornal A Noite (mais uma vez, do Rio. O que
fazia a imprensa de São Paulo, nesse tempo?) produziu uma síntese do que já se
conhecia, até então, das peripécias de Osvaldo Moreno. O título da matéria, bem
significativo, foi “Alagoano das Arábias...”.
São Paulo (Da sucursal de A
Noite). Singular história de um chantagista e paranoico foi dada a conhecer
ontem, na Delegacia de Falsificações, onde se achava detido um alagoano sobre
cuja identidade, apesar de seus múltiplos nomes, paira certa dúvida. Trata-se
de Osvaldo Soares Bahia, ou Osvaldo Moreira, Carlos Brandão, Carlos Vilela,
Aluízio Brandão Bahia ou ainda outros batismos.
Egresso da Penitenciária do Estado [SP], onde cumpriu pena de três
anos e dois meses por crime de estelionato, é liberado condicional. Sua prisão
ocorreu ontem [mais uma: lembremo-nos de que, em São Paulo, ele já fora detido
em 1950 e em dezembro de 1953; no segundo caso, após ter deixado a
Penitenciária em liberdade condicional], face à denúncia de estar usando,
indevidamente, [os] nomes de inúmeros parlamentares, entre os quais o do
deputado federal Aliomar Baleeiro, com objetivos de locupletar-se.
Assim
prosseguia a reportagem: “Singular criminoso. A vida pregressa do alagoano,
atualmente com 23 anos, casado domingo último (era viúvo), é amplamente
conhecida em Alagoas”. (Note-se a coerência de Osvaldo quanto a esse ponto:
estar com 23 anos em 1954 implicava em ter ele nascido em 1931, como havia dito
ao Diário de Pernambuco, seis anos
antes. Mas, e a mulher cearense? Havia morrido? Muito pouco provável.) Ainda
com a palavra o jornalista de São Paulo:
Esses fatos foram conhecidos das autoridades bandeirantes quando
ele aqui delinquiu, sendo condenado por estelionato. Ludibriou várias pessoas,
intitulando-se “prefeito de Maceió” e perseguido político do Sr. Silvestre
[Péricles] de Gois Monteiro. Narrava, então, sua odisseia, na qual pormenorizava
o assassinato dos pais e irmãos. Quando foi preso por tais artifícios, tinha
lesado [os dois religiosos já mencionados e a namorada]. Recolhido ao presídio
para cumprir a pena que lhe foi imposta, tudo parecia terminado.[xii]
Não estava.
Outros desdobramentos da atividade de Osvaldo Moreno em São Paulo ainda iriam
ocorrer ou ser conhecidos. E lhe faltava, claro, culminar a carreira com o
episódio inigualável da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No caso
específico descrito pela reportagem ora sendo resumida, entretanto, dos
trabalhos policiais desenvolvidos resultaram, “além da prisão do indicado, a
apreensão, no município de Presidente Prudente, na residência de um cidadão de
nome Jacinto Ferreira, de duas cartas rascunhadas, as quais figuravam ser destinadas
ao deputado udenista Aliomar Baleeiro”.
O repórter
esclarecia, em seu texto, que Jacinto Ferreira, de boa-fé, hospedara o
vigarista, “certo de que estava sendo o anfitrião de um personagem de escol”
(sic). Ou seja, o falso Bahia, alagoano de Viçosa, tinha passado, também, em
Presidente Prudente, uma então pequena cidade do interior de São Paulo,
distante 560 km da capital. As cartas, naturalmente, eram obra de Osvaldo
Moreno, embora ele tenha negado isso à polícia, e deveriam servir para
impressionar o ingênuo Jacinto Ferreira, de quem o alagoano, certamente,
esperava conseguir tirar algum dinheiro.
Quanto às cartas, assinadas por “Antonio Malta”, nome pelo qual
deveria o chantagista ser ali conhecido, mencionava ele ao pseudo destinatário:
“do amigo e cunhado”. O teor da missiva referia-se a uma reunião, questões de
dinheiro, entremeada de pedido de remessa de gado, partida de açúcar de sua
usina em Alagoas e outras “farolagens”. [xiii]
“Enganou até o governador Adhemar
de Barros”
Interventor
federal em São Paulo (1938-41), governador do Estado (1947-51; voltaria a sê-lo
em 1963-66), prefeito da capital (1957-61), Adhemar de Barros poderia ser tudo,
menos ingênuo. Tampouco, parece ter sido o mais honesto dos políticos. A ele é
atribuída a frase “rouba, mas faz”; sobre ele, corria a anedota de que ao
bradar, durante comício na Praça da Sé, que “neste bolso [batendo com força e
repetidamente na calça] nunca entrou um tostão de dinheiro público”, ouviu
alguém na multidão replicar, a plenos pulmões: “estreando roupa nova,
governador?”.
Não, Adhemar
de Barros não era um alagoano do interior. Chegou a ser, por duas vezes,
candidato a presidente da República (1955 e 1960) e poderia ter ganho. Osvaldo
Moreno, em contraste, era um alagoano do interior. Pois foi ele quem levou
Adhemar no bico, não o contrário. Era a polícia descobrindo as coisas, à medida
que as investigações sobre o falso Bahia iam avançando. Agora irei citar uma
reportagem de 22/11/1954, divulgada em muitos jornais dos Diários Associados, a
rede que, então, pertencia ao notório Assis Chateaubriand.
No Diário da Tarde, de Curitiba, por
exemplo, a matéria ganhou o título “O vigarista fazia ponto na Assembleia
Legislativa”. Em O Jornal, do Rio de
Janeiro, “Deputados, prefeitos, comerciantes e políticos lesados pelo hábil
‘scroc’”.
Trata-se de Osvaldo Soares Bahia, que foi desmascarado
inicialmente logo no início (sic) de 1950, foi processado e a Justiça
interditou-o recolhendo ao Manicômio Judiciário [a matéria anterior falava em
Penitenciária estadual].[xiv]
“Osvaldo
Soares Bahia surgiu inesperadamente nesta capital”, prossegue o relato, “e procurou
o então governador Adhemar de Barros, no Palácio dos Campos Elísios. (...)
Contou-lhe que tinha fugido de Alagoas, onde era deputado estadual e presidente
da Assembleia Legislativa, dadas as perseguições que lhe movia o governador.
Fora obrigado até a matar duas pessoas”. (Esta foi a mentira mais importante e
bem na linha de como se fazia política em Alagoas, naquele tempo. Talvez, ainda
hoje?) “Pedia asilo em São Paulo e esperava mesmo o amparo necessário para não
cair nas garras de vários capangas que tinham sido colocados em seu encalço,
com ordem de matá-lo”.
Continua a
matéria:
O Sr. Adhemar de Barros mandou colocá-lo num Hospital, sob severa
vigilância de elementos do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], ao
mesmo tempo em que lhe fornecia até dinheiro, para completa substituição de seu
guarda roupa, já bastante desfalcado, dada a pressa com que fora obrigado a
fugir.
Pouco depois
disso, o DOPS (um setor da polícia estadual) fez uma consulta a Maceió e foi
informado de que Osvaldo Soares Bahia “nunca fora elemento político, não
exercera mandato e era um refinadíssimo estelionatário”. Apesar de tão retumbantes
revelações, o assunto não teve prosseguimento, nem foi Osvaldo processado,
naquela ocasião, “porque, afinal de contas, a vítima tinha sido o próprio
governador e não ficava bem ele aparecer no inquérito policial”.
Cena de faroeste na Assembleia
Superado o
episódio com o governador, o alagoano passou a percorrer o interior de São
Paulo, visitando os políticos de cada cidade, onde passou a se apresentar como
prefeito de Maceió. Numa dessas, foi pego (novamente). Não esmoreceu, todavia,
apenas mudou de área de atuação: do Executivo para o Legislativo.
Insinuante como é, falando pausadamente, apontando o governador
Arnon de Melo como autor das perseguições, Bahia escolheu a Assembleia
Legislativa como lugar ideal para manter um estranho escritório de estelionatos
[!]. Em pouco tempo, fez amizade com quase todos os deputados e ali aparecia
diariamente. A fórmula empregada para arrancar dinheiro dos representantes do
povo [era] a mais variada possível pois, [ora] Osvaldo se apresentava como
usineiro [ora] como industrial. A conveniência ditava a sua posição.
O repórter
prossegue: “por mais incrível que pareça, não é ele [Osvaldo] um tipo de
inteligência invulgar, não tem personalidade, convencendo tão somente pela
maneira pausada de falar e [pelo fato de se vestir] decentemente. Provoca
comiseração e é o que ele deseja, para o melhor êxito de seus golpes”. (Mais
uma vez, um repórter idiota é engabelado pelas pessoas a quem entrevista: foram
os deputados que lhe disseram isso, a fim de que a mensagem fosse publicada no
jornal. Inteligentes eram eles, os políticos que caíram na conversa do
alagoano; esse, que os enganou, era, somente, digno de pena!)
Pois foi
Osvaldo Moreno, com sua pouca inteligência quem arrancou apenas com a conversa
quase uma fortuna do inteligentíssimo deputado Athié Jorge Coury, figura muito
conhecida por ter sido, também, presidente do Santos Futebol Clube, de 1945 a
1971, período que cobre os anos mais gloriosos do clube de Pelé. Continuo a
citar a mesma reportagem:
A última vítima de Osvaldo Soares Bahia foi o deputado Athié Jorge
Coury. Conversaram demoradamente e o deputado paulista resolveu levá-lo para
seu domicílio na cidade praiana [Santos]. Depois, o sr. Athié, atendendo
proposta vantajosa (sic), entregou-lhe 60 mil cruzeiros, prometendo fazer a
entrega de mais 40 mil cruzeiros na tarde de ontem.
Aconteceu
que, logo ao chegar a São Paulo, no dia seguinte, o deputado ficou sabendo que
Osvaldo Soares Bahia era um estelionatário e, imediatamente, se comunicou [com
o Departamento de Investigações] pedindo a prisão do acusado. Desconhecendo
esses fatos, Osvaldo chegou à Assembleia antes da polícia e se dirigiu ao
gabinete do deputado Athié, a fim de receber os 40 mil cruzeiros que este lhe
havia prometido. Quando lá chegou,
O sr. Athié perdeu completamente a calma. Sacou do revólver que
levava à cintura e investiu furiosamente contra o homem que fora seu hóspede.
-- Ou você me devolve o dinheiro ou eu lhe mato!
(Bem, a frase
publicada foi: “Ou você me devolve o dinheiro ou eu lhe bato”. Das duas, uma: ou o linotipista que compôs a matéria na
oficina do jornal trocou o “m” pelo “b”, ou o repórter, decididamente, estava
de má fé e deturpou a frase, para proteger o deputado. Alguém que se descobrisse
roubado iria jamais apontar um revólver para o vigarista e lhe dizer: “Ou você
me devolve o dinheiro ou eu lhe bato”? Não parece coisa de criança? Tenha
paciência.) Continuo:
Justamente nesse momento, o delegado interveio, impedindo o
estravagamento (sic) do parlamentar. Preso, Bahia foi levado para o
Departamento de Investigações, realizando a polícia várias diligências para a
apreensão do dinheiro.
Somente uma
parte foi recuperada, como seria de esperar.
A matéria se
encerra dando a relação de vítimas do vigarista. Além de vários outros
deputados, aparece Jânio Quadros, que ainda viria a ser governador do Estado e
presidente do Brasil. Mas o caso mais interessante foi o do deputado Porfírio
da Paz, que havia escrito uma carta para o vigarista “com dizeres categóricos,
como prova de amizade”, documento utilizado pelo alagoano de Viçosa “para lesar
importantes firmas desta capital”.
Todo mundo
era inteligente, na Assembleia Legislativa de São Paulo. O único burro foi
aquele que enganou as sumidades.
Apogeu de uma carreira
Justiça se
lhe faça: Osvaldo Moreno não fugia ao trabalho, nem se dobrava após ocasionais
insucessos. Preso em São Paulo, em novembro de 1954, no rumoroso caso da
Assembleia Legislativa, o meliante foi, logo em seguida, solto e já em abril de
1955 estava pronto para dar o mais vistoso golpe de sua carreira. Tinha de ser
em outra cidade (Mobilidade é tudo!), entretanto, e ele escolheu Niterói, a
capital do Estado do Rio de Janeiro. Desta vez, as vítimas seriam os
(possivelmente, inteligentes) deputados estaduais.
Ao chegar no
recinto da Assembleia, Osvaldo informou na portaria ser um deputado alagoano.
Ato contínuo, sua entrada foi não apenas permitida como logo se formou uma
comitiva de parlamentares com o fim de levá-lo ao plenário, onde sua presença
foi anunciada. Um deputado de seu (alegado) partido, depois de conversar poucos
minutos com o visitante, saudou-o publicamente.
Depois, subindo à tribuna, o homenageado proferiu discurso que foi
uma sensacional narrativa de assassínios cometidos em pessoas de sua família
por inimigos políticos: seu pai, sua esposa, sua filha, seu irmão... Só ele
vinha escapando à sanha dos adversários.[xv]
O tema das
perseguições políticas e dos assassinatos em série de seus familiares vinha de
longe, como sabemos. Osvaldo acrescentou:
Agora, desejavam os seus correligionários da UDN fazê-lo candidato
ao governo do Estado; mas, embora tivesse sido eleito à Assembleia alagoana por
45 mil votos [53 mil, segundo outros jornais] e fosse homem de fibra, além de
rico – revelou que pesava 65 quilos, ao entrar na política, e não ter,
presentemente, mais de 45, e ser possuidor das duas maiores fábricas de tecidos
de Alagoas – não queria aceitar o cargo e viera para o Rio a fim de entender-se
com o sr. Tenório Cavalcante [notório político da Baixada Fluminense, alagoano
de nascimento] e outros próceres.[xvi]
A reportagem
acima foi publicada em 23 de abril, três dias depois de o evento ter
acontecido. Mas, a melhor cobertura do espetáculo proporcionado pelo alagoano
de Viçosa tinha sido dada já no dia anterior pelo Diário Carioca. Como a farsa, encenada à tarde, foi descoberta na
noite do mesmo dia (20/4), os jornais do dia 22/4 tiveram a oportunidade de
denunciar o ridículo a que o vigarista havia exposto os políticos. Somente o Diário Carioca explorou esse veio com o
sarcasmo devido. “Deputado alagoano deu show”, dizia o título da matéria. (Já
se sabia que Osvaldo Soares Malta, o nome, desta vez, adotado pelo vigarista,
não era deputado coisa nenhuma, mas o Diário
não perdeu a oportunidade de considerá-lo como tal, para recuperar o clima
da reunião do dia anterior.)
A Assembleia fluminense recebeu ontem (dia de pagamento de seus
deputados), com todas as honras de estilo, a visita do deputado alagoano sr.
Osvaldo Soares Malta, que foi saudado pelo seu correligionário naquela
Assembleia, deputado udenista, sr. Serpa Carvalho.[xvii]
Ocupando a tribuna para um discurso de agradecimento, o deputado
visitante, após se anunciar primo do senador Rui Palmeira, revelou ter sido
eleito por 53 mil votos [um terço do eleitorado total de Alagoas, à época!] em
seu pequeno Estado, cujo governador, sr. Arnon de Melo, ficara de lhe enviar
150 mil cruzeiros, através de um banco desta capital.
O sr. Osvaldo Soares Malta afirmou, perante os seus colegas
fluminenses, a seguir, que seria candidato ao governo de Alagoas por uma
coligação formada por todos os partidos daquele Estado, pois o deputado Tenório
Cavalcante, anteriormente indicado, recusara a indicação de seu nome, alegando
motivos políticos. O deputado, traçando a seguir o quadro da atual situação
política de Alagoas, afirmou ter sido a sua família praticamente dizimada por
inimigos políticos e acrescentou ser proprietário de duas fábricas de tecidos e
duas usinas.
Após a saída do deputado udenista alagoano, o líder da UDN na
Assembleia fluminense, deputado Saramago Pinheiro, estranhando o fato do sr.
Osvaldo Soares Malta ter sido eleito em Alagoas por tão apreciável soma de
votos, telefonou ao senador Rui Palmeira, para pedir confirmação, tendo sido
então informado de que o visitante da Assembleia não é seu parente,
conhecendo-o de fato ele, senador, mas apenas como escroque.
A matéria é
toda uma grande gozação (que diferença daqueles repórteres bobos ou desonestos
do Diário de Pernambuco – que comprou
sem crítica as fantasias de Osvaldo Moreno -- e dos Diários Associados, que
chamou o vigarista de burro para enaltecer a inteligência dos otários a quem
ele tinha enganado). A sátira começa com o “Deputado alagoano” sem aspas, ou
seja, fazendo de conta que se está levando a sério o título. Continua com a
inserção (“dia de pagamento dos srs. Deputados”) que seria inteiramente fora de
lugar se não conduzisse a mensagem de que o real propósito do falso deputado
era arrancar dinheiro de seus “colegas”.
Três dias
depois de ter ocorrido, a recepção oficial de Osvaldo Moreno (aliás, naquela
ocasião, Osvaldo Soares Malta) pelos deputados do Rio de Janeiro continuava
repercutindo na imprensa. Na edição de 24 de abril, O Fluminense, de Niterói acrescentou a importantíssima explicação
de como o vigarista alagoano tentou se valer de sua condição de “deputado” para
extorquir dinheiros de seus “colegas”.
Não foi o fato mais curioso da semana, o de um escroque haver sido
recebido na Assembleia na condição de deputado estadual em Alagoas, como
ocorreu quarta feira última, mas sim o fato mais curioso e sensacional de todos
os tempos na Assembleia Legislativa, pois jamais aconteceu tal coisa, nem mesmo
parecida.[xviii]
Em seguida a
este parágrafo introdutório, a matéria descreve o que se passou naquela tarde.
Menciona que o falso deputado foi recebido oficialmente, a ele foi oferecida
uma cadeira na Mesa Diretora dos trabalhos, houve a fala de saudação, à qual
Osvaldo respondeu proferindo “um discurso que bem poderia ser o de um
verdadeiro deputado”. Quando ele terminou, foi aplaudido e a sessão continuou
normalmente. É a partir daí que a tentativa de conseguir o almejado dinheiro
entra na sua fase “operacional”, por assim dizer.
Acontece, porém, que Malta, ao invés de se retirar
definitivamente, procurou o líder udenista, Sr. Saramago Pinheiro, em sua sala,
mantendo com este longa conversa, finda a qual (e aí começa o conto de
vigário!) declarou que estava esperando um dinheiro que lhe ia enviar o
governador de Alagoas pelo Banco do Brasil, mas não sabia onde estava
localizada a agência daquele estabelecimento em Niterói...
O líder Saramago, não entendendo até onde Malta pretendia chegar,
pôs à disposição seu secretário particular, a fim de levá-lo até o Banco do Brasil.
E lá foi o Malta até o Jardim São João, perguntando, na frente do referido
secretário, se o dinheiro a ele destinado havia chegado. A resposta, claro, só
podia ser uma: -- Não!
Malta, então, regressou à Assembleia – aí o ponto culminante – com
o objetivo de comunicar ao líder de sua correspondente bancada alagoana que,
não tendo chegado o dinheiro que lhe seria remetido pelo governador Arnon de
Melo, ele só tinha uma alternativa: sacar algum por conta dos “colegas”, a
título de adiantamento, que lhe seria devolvido horas depois.
Sendo dia de pagamento dos deputados (o que Malta deveria saber),
não seria difícil o golpe.
Infelizmente,
para o golpista, deu errado. Ao retornar o alagoano à Assembleia, Saramago não
pôde atendê-lo de imediato. Enquanto aguardava, o visitante foi interpelado
pelo chefe de segurança, que desconhecia sua condição de “deputado” e perguntou
quem era ele. Osvaldo teve medo de que a farsa houvesse sido descoberta e fugiu
sem levar um tostão. Para sua sorte, pois, pouco depois, por telefone, o
senador Rui Palmeira (o Senado Federal ficava, à época, do outro lado da Baía da
Guanabara) daria o serviço: “o Malta, além de doido, era, de fato, um
escroque”.
Depois de preso, quis se
regenerar
Frustrado o
golpe, Osvaldo rapidamente voltou para São Paulo, onde já era conhecido das
autoridades. Graças a uma foto sua publicada em jornal carioca, mas que também
circulava em outras cidades (o Diário da
Noite), a polícia paulista identificou o falso deputado Osvaldo Soares
Malta como sendo o mesmo Osvaldo Soares Bahia que tantos golpes aplicara nos
deputados desse Estado. Assim, menos de uma semana depois de ter encenado o
espetáculo no Rio de Janeiro, Moreno foi, novamente, preso. A polícia o
encontrou “escondido debaixo da cama”.
Cerca das 11 horas de domingo, na rua Quatro, 28, em Vila Lara
[São Paulo], um policial da Delegacia de Roubos efetivou a prisão de Osvaldo
Moreno. (...) Encontrava-se ele ao ser detido escondido embaixo de um colchão,
entre este e o estrado da cama. Conduzido ao Departamento de Investigações, foi
recolhido ao xadrez, à disposição da Delegacia de Roubos.[xix]
No mesmo dia
em que foi encontrado escondido embaixo do colchão, o vigarista falou à
imprensa para dizer que sua única intenção ao se passar por deputado no Rio de
Janeiro fora se divertir. Não sei se ficou, mesmo, preso, nem se respondeu a
processo. Sei que, em julho do mesmo ano, ele procurou um repórter dos Diários
Associados. “Queria dar uma entrevista para dizer que desejava um crédito de
confiança, pois iria se regenerar, isto é, trilhar o caminho do bem. Jurou de
dedo em cruz que não ludibriaria mais ninguém.”[xx]
Contou, então, Osvaldo Soares Bahia, que acabara de adquirir um
estabelecimento comercial por 400 mil cruzeiros, no Largo de Pinheiros [São
Paulo], conforme documentação que nos exibiu, estando pronto para iniciar suas
atividades como comerciante. Desistira de ser “deputado” e “exilado político de
Alagoas”.
Prosseguiu
dizendo que sua atitude foi motivada pelos conselhos recebidos do Juiz
Corregedor, “que o fez assinar um termo de bem viver”. Tendo o seu “mandato
cassado pela autoridade policial” (a expressão é do repórter), “Osvaldo quer
fazer jus ao arquivamento de suas queixas, razão pela qual nos procurou dizendo
que se encontrava disposto a iniciar nova vida”.
Em seguida, o conhecido “escroc” – agora, ex-“escroc” – teve
oportunidade de declarar que, em seus “golpes”, conseguira levantar a soma de
10 milhões de cruzeiros [4.167 salários mínimos daquele ano], sendo que possui
no momento, além do estabelecimento comercial a que se referiu, uma casa e um
terreno em Água Fria e um “Nash” [automóvel] 1951, tudo produto de sua ação
criminosa, que agora fará reverter em benefício de sua reabilitação perante a
sociedade.
Não sei se o
repórter acreditou. A mim me parece que ele estava, apenas, criando o clima
para aprontar mais uma. De qualquer modo, o fechamento da entrevista é
hilariante, parecendo uma maneira de o vigarista tripudiar sobre seus otários:
Minhas próprias vítimas afirmaram que devo aproveitar o dinheiro
que lhes extorqui dessa maneira. Diante disso, creio não haver mais nenhum
problema para a minha recuperação.
Depois disso,
só consegui localizar mais duas notícias sobre Osvaldo Moreno. Em outubro do
mesmo ano de 1955, ele anunciava ser candidato a vereador: “Embora envolvido em
numerosos processos, Osvaldo Soares Bahia (...) conseguiu que um partido o
inscrevesse à vereança. (...) Se deixou de viver desonestamente, não abandonou
a ideia de se tornar político. Caso não seja eleito, quem sabe, volte a dar
trabalho, pois o homem não sabe viver sem as ‘imunidades parlamentares’”.[xxi]
Finalmente,
em julho de 1957, a notícia final:
O “rei dos malandros” do Brasil, que por muitas razões tinha esse
título, foi assassinado há pouco, em Belém do Pará. Trata-se do marginal
Osvaldo Soares Bahia, “vigarista” com inúmeras passagens por todas as polícias
do Brasil.[xxii]
O redator
faz, em seguida, um resumo da obra de Osvaldo Moreno (aparentemente, a polícia
de São Paulo nunca registrou seu verdadeiro nome, apesar das notícias que
recebeu, em devido tempo, de Alagoas) dando destaque aos golpes dados por ele
nos deputados de São Paulo e à encenação teatral que protagonizou na Assembleia
do Rio de Janeiro. Concluiu desta forma:
Mas o vaso tanto vai à fonte que um dia se quebra. Já cansado de
aplicar golpes cá no Sul, Bahia voltou ao Norte. Lá, ficou noivo de uma jovem
de boa família e já estava com o casamento marcado quando a família da noiva
soube quem era o rapaz. Envergonhados por causa da situação, o pai e dois
irmãos da moça “costuraram” Bahia de facadas, em plena praça pública,
prostrando-o morto.
Terminou,
assim, a história de Osvaldo Moreno, ou Badu, o falso Bahia. A menos que ele
não tenha, de fato, morrido, mas apenas dado o golpe de mestre de inventar essa
história. Neste caso, pode ainda estar vivo, aos 87 anos, rindo de todos os que
acreditaram em sua morte.
Osvaldo Bahia,
aliás Osvaldo Brandão, aliás Aluísio Brandão Bahia, aliás Carlos Brandão Bahia,
aliás Osvaldo Soares Malta, aliás Osvaldo Soares Bahia, aliás Osvaldo Brandão
Vilela Bahia, aliás Manuel Vilela, aliás Antônio dos Santos, aliás Osvaldo
Moreira, aliás Antônio Malta, aliás Carlos Vilela, aliás “Malta”, aliás
“Rocha”, aliás José Malta, aliás Mário Bahia talvez não gostasse de saber que, pelo
menos a mim, seu “sobrinho-neto”, ele jamais enganou.
Recife, Alto
do Céu, 27/1/2018
[i] A Noite (Rio de Janeiro), 17/10/1947,
pág. 12, edição 12.698. (Todas as citações de jornais remetem à Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional, disponível na internet.),
[ii] Verbete
“Viçosa (Alagoas) na Wikipedia, em https://pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%A7osa_(Alagoas)
[iii] Diário de Pernambuco, 17/2/1945, pág. 2.
[iv] Todas as
citações seguintes, até aviso em contrário, são de “Tuberculoso detido há 64
dias no D. I. C.”, Diário de Pernambuco, 17/2/1948,
pág. 5.
[v] “Afinal,
resolvida a situação do tuberculoso e sua família”, Diário de Pernambuco, 18/2/1948, pág. 2.
[vi] Todas as
citações seguintes, até aviso em contrário, são de “Ainda em foco o caso
Brandão. Escreve ao Diário o bispo de
Petrolina, Dom Avelar Brandão Vilela”, Diário
de Pernambuco, 21/2/1948, pág. 5.
[vii] “Pedida a
prisão preventiva do estelionatário Osvaldo Soares Bahia”, Jornal de Notícias (SP), 17/5/1950, pág. 2. Todas as citações
seguintes, até aviso em contrário, são dessa matéria.
[viii] “Dizia-se
irmão do bispo de Petrolina”, Diário de
Pernambuco, 23/5/1950, pág. 12.
[ix] “Novos
detalhes sobre as proezas do jovem estelionatário alagoano”, Jornal de Notícias (SP), 25/5/1950, pág.
2.
[x] “Alagoano
das Arábias”, A Noite (RJ), 3/6/1954,
pág. 8.
[xi] “Vigarista
alagoano agindo em São Paulo”. Diário da
Noite (RJ), 5/12/1953, pág. 5.
[xii] “Alagoano
das Arábias”, A Noite (RJ), 3/6/1954,
pág. 8.
[xiii] “Alagoano
das Arábias”, A Noite (RJ), 3/6/1954,
pág. 8.
[xiv] “Deputados,
prefeitos, comerciantes e políticos lesados pelo hábil ‘scroc’”. O Jornal (RJ), 22/11/1954, pág. 6. As
citações seguintes são dessa mesma fonte, até menção em contrário.
[xv] “Recebeu
homenagens na Assembleia fluminense”, Diário
de Notícias (RJ), 23/4/1955, pág. 6.
[xvi] “Recebeu
homenagens na Assembleia fluminense”, Diário
de Notícias (RJ), 23/4/1955, pág. 6.
[xvii] “Deputado
alagoano deu show”. Diário Carioca
(RJ), 21/4/1955, pág. 1. As citações seguintes são dessa mesma fonte, até aviso
em contrário.
[xviii] “O
‘deputado’ tentou passar o ‘conto’ na Assembleia Legislativa”, O Fluminense (RJ), 24/4/1955, pág. 1. As
citações seguintes, até aviso em contrário, são da mesma fonte.
[xix] “Preso,
escondido debaixo da cama, o charlatão que ludibriou os parlamentares
fluminenses”. Diário da Noite (RJ),
26/4/1955, pág. 6.
[xx] “Famoso
vigarista quer se regenerar”. Diário da
Noite (RJ), 23/7/1955, pág. 5. As citações seguintes são dessa mesma fonte,
até aviso em contrário.
[xxi] “Preso, há
tempos, como falso deputado, agora é candidato autêntico”. Diário da Noite (RJ), 6/10/1955, pág. 6.
[xxii] “Deu um
santinho ao chefe, abençoou a guarda e sumiu”. A Noite (RJ), 8/7/1957, pág. 4. A citação seguinte tem a mesma
origem.