Todos concordam quanto à importância do Facebook, mas sua natureza
ainda é mal compreendida. Para saber como, exatamente, ele impacta a sociedade
e a economia, deveríamos começar conhecendo melhor os usuários do serviço, os
grupos em que se dividem, o que fazem na rede social e o que dela esperam.
Estatísticas demográficas, sociais e econômicas a este respeito começam a ser
produzidas e estão disponíveis na Internet. Mas encontrei pouca informação sobre
o que os usuários fazem e o que esperam receber ao digitar comentários, curtir
ou comentar posts. Proponho, então,
lançar algumas hipóteses a partir, sobretudo, de minha experiência.
Sendo eu um recém-chegado a esse mundo, a classificação funcional que apresento a seguir, assim
como a descrição das características principais de cada grupo de usuários, é
extremamente preliminar. Ficarei grato aos leitores que sugerirem
aperfeiçoamentos.
1.
Auto-ajuda
Uma
parte das pessoas usa o Facebook para publicar pensamentos, máximas e palavras
de ordem, quase sempre, alheios. A oferta de frases feitas já é abundante; vários
sites na internet produzem material dessa natureza, frequentemente, adornado
com belas ilustrações ou fotos. Proponho chamar este o “Grupo da Auto-ajuda”.
Seus integrantes não creem que irão
mudar o mundo, mas, por via das dúvidas, dão sua contribuição. Mais importante
é que eles se consideram recompensados ao colher comentários (sempre numerosos
e, invariavelmente, favoráveis) de seus “amigos”. Podem, aos poucos, firmar uma
reputação de pessoas sábias, responsáveis, prudentes, inteligentes, num círculo
muito maior do que seriam capazes de formar em contatos diretos, não virtuais.
2.
Ka-ka-ka
A turma do Ka-ka-ka parece ser, em regra, composta por adolescentes. Eles
usam o FB como um meio de comunicação, mas se conhecem e interagem também fora
da internet. Geralmente, os assuntos são mundanos e se referem aos interesses e
aspirações do dia-a-dia dessas pessoas. A recompensa pela participação na rede
está neste dar e receber informações valiosas de amigos e “amigos”.
O grupo criou um dialeto próprio, com novas palavras [kkk, uuu, hehehe...]
e símbolos especiais [ (=: e outros].
Mesmo quando os participantes da turma têm educação formal, ela pouco
influencia sua maneira de falar. Não há mais pontuação, concordância ou emprego
adequado de maiúsculas e minúsculas. É a facilidade de digitação que determina
a linguagem: para escrever uuuuuuuuuuuu,
por exemplo, basta apertar uma tecla e mantê-la pressionada. Machado de Assis
não poderia querer mais.
3.
Fórum de
intelectuais
Algumas pessoas (claramente, sou uma
delas) usam o Facebook como um fórum de intelectuais. Postam artigos e peças de
ficção literária, fazem críticas cinematográficas, expressam opiniões
políticas, leem jornais, revistas e blogs selecionados. Já fazíamos isso antes via
jornais, revistas, diários íntimos, etc, mas de forma menos eficiente. Hoje, mesmo
quando publicamos alguma coisa em mídias tradicionais, achamos importante
oferecer um link na rede social, por onde é mais fácil e provável receber
comentários, aferir repercussões.
Em última análise, temos motivações
semelhantes às do grupo da auto-ajuda: adoramos sustentar uma conversa que
julgamos inteligente com pessoas a quem respeitamos e, sobretudo, nos delicia
receber comentários favoráveis às nossas postagens. Infelizmente, com
frequência, somos considerados animais estranhos, ou indivíduos pernósticos,
pelos que integram os demais grupos. Uuu, kkk.
4.
Colunáveis
Há aqueles – talvez, a maioria dos
usuários do Facebook – que publicam regularmente sua vida pessoal e familiar,
documentada em infindável quantidade de fotos. O serviço é gratuito, aberto a
todos, e as imagens são reproduzidas em alta qualidade. Como esta democratização
de oportunidades só passou a existir muito recentemente, é natural que ainda
estejamos tentando entender o que ela significa.
Uma total renúncia à privacidade? De
certa forma, sim. Mas, será algo novo? Colunas sociais em jornais sempre
fizeram isso, publicar fotos e se imiscuir na vida privada dos notáveis. Só que
nem todo mundo podia sair nas colunas. Agora, pode. A recompensa obtida pelos
integrantes do grupo é que, de repente, todos eles se tornaram “colunáveis”. Não
é que, lamentavelmente, as pessoas
tenham perdido a privacidade, mas sim que, felizmente,
isso aconteceu.
5.
Noticiosos
Jornalistas comunicam seus blogs
pessoais com o Facebook; jornais e revistas tradicionalmente editadas em papel,
também. Em conjunto, podem ser considerados personagens no mundo das redes
sociais: os noticiosos. Os jornalistas, considerados individualmente, em
particular, interagem muito com os intelectuais. E vice-versa.
Para quem vive de ser lido, o Facebook
proporciona uma oportunidade preciosa, imperdível. A recompensa desse povo é
esta: poder apresentar a si mesmos, aos seus chefes e eventuais patrocinadores atestados
de que estão sendo notados pelo resto da humanidade. E com isso, ganhar melhor
salário ou atrair mais anunciantes para seu blog pessoal.
6.
Políticos e
empresas
Também há grupos de políticos e de
empresas. Estão juntos porque ambos vivem da propaganda. Dos políticos, alguns
noticiam cada passo que dão (“agora estou no mercado, ouvindo o povo”...),
outros informam o estado atual de suas ideias (“sempre fui a favor de não ser
contra nada”...) Um deles, de projeção nacional, foi pioneiro em outra rede, o
Twitter, que bem poderia ser chamada a reinvenção do telégrafo. Se tudo isso
der votos, melhor; se não, pelo menos, é de graça.
Aparentemente, é uma redundância, pois
essas coisas já eram feitas nos sites tradicionais, mas as empresas descobriram
as redes sociais como mais um canal de propaganda e comunicação com seus
clientes. Como podem montar suas páginas gratuitamente no Facebook, está ainda
mais explicada sua presença ali.
7.
Interesses
específicos
As redes sociais também têm sido
utilizadas por grupos com interesses específicos: “Adoro cachaça”, “Fanzocas do
Justin Bieber”... Os exemplos mais impactantes foram proporcionados pela
chamada Primavera Árabe (que derrubou vários ditadores, ora sendo substituídos
por outros), mas houve muitos casos anteriores de grandes mobilizações organizadas
e coordenadas via Facebook.
O artigo de Tom Hayes, citado nas
referências, chama a atenção para uma das muitas e extraordinárias implicações
dessa circunstância inteiramente nova: os sindicatos de trabalhadores podem se
tornar obsoletos. Já é muito mais prático e eficiente organizar greves via
redes sociais do que pelos meios clássicos – e os líderes produzidos pelo
Facebook não são, necessariamente, os mesmos que ganhariam as eleições
sindicais.
8.
Uma nota final
Muitos outros grupos devem existir.
Espero que os leitores me ajudem a identificá-los. Afinal, mobilizar trabalho
alheio a custo zero é uma das grandes possibilidades do Facebook. Supera os
sonhos dos mais ardentes escravocratas.
Escravos precisam ser alimentados:
“amigos”, não.
Gustavo Maia Gomes
Gustavo Maia Gomes
REFERÊNCIAS (Para quem quiser ir às fontes)
Delloite, “Measuring Facebook´s
economic impact in Europe”, January 2012, Link: http://www.deloitte.com/view/en_GB/uk/industries/tmt/media-industry/df1889a865f05310VgnVCM2000001b56f00aRCRD.htm
Center for Digital Innovation, Technology and Strategy (University of
Maryland), “The Facebook App Economy”, September 2011. Link: http://www.rhsmith.umd.edu/digits/pdfs_docs/research/2011/AppEconomyImpact091911.pdf
Tom Hayes, “Will Facebook
Replace Labor Unions?” February 2011. Link: http://www.huffingtonpost.com/tom-hayes/will-facebook-replace-lab_b_828900.html
Facebook Statistics by country.
Link: http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/
Brazil Facebook Statistics. Link: http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/brazil
Este
artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (28/02/2012)