quinta-feira, 31 de maio de 2012

A briga PT versus PT, no Recife

Gustavo Maia Gomes

Até ontem, o Partido dos Trabalhadores tinha dois pré-candidatos a prefeito do Recife: Maurício Rands (deputado federal; secretário de Governo de Pernambuco) e João da Costa (atual prefeito). Sem se entenderem, os dois foram às prévias, no dia 20/5. Venceu João da Costa. Venceu, mas não levou. As prévias foram anuladas pelo partido, em São Paulo.

A direção do PT a
legou quatro razões para não acatar os resultados do Recife: a) indefinição do colégio eleitoral; b) falhas na votação – mas não fraude; c) recursos (das duas partes) ao Judiciário; d) sistema de votação em desacordo com resolução do Diretório Nacional.

Ninguém foi punido. (“Não houve fraude”). Portanto, no momento em que um dos dois contendores desistiu (como Rands o fez, ontem), o natural é que o outro fosse aceito como candidato. Isso não aconteceu: o PT nacional insiste que o atual prefeito renuncie à sua pré-candidatura. Só não tem coragem de dizer por quê, deixando claro existir algo de podre no reino da Dinamarca.

Veio-me à lembrança uma frase célebre: “na guerra, a primeira vítima é a verdade”.

Na política, também.


(Publicado no Facebook, 31 de maio de 2012)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Espelho, espelho meu. Existe alguém mais Pinóquio do que eu?


Gustavo Maia Gomes
Uma intrigante peça teatral está sendo encenada no Brasil. Contrariamente às telenovelas, ela é realista e terá desfecho rápido. Os dois primeiros atos já foram encenados. Aguarda-se, agora, o último.
PRIMEIRO ATO
Na edição distribuída sábado, 26 de maio, a revista Veja publica o seguinte:
Há um mês, o ministro Gilmar Mendes, do STF, foi convidado para uma conversa com Lula. O encontro foi realizado no escritório do ex-ministro [do STF, da Defesa e da Justiça] Nelson Jobim. Depois de algumas amenidades, Lula disse a Gilmar: “É inconveniente julgar esse processo [do mensalão] agora”.
A matéria continua:
Depois de afirmar que detém o controle político da CPI do Cachoeira, Lula ofereceu proteção a Gilmar Mendes, dizendo que ele não teria motivo para preocupação com as investigações. O recado foi decodificado. Se Gilmar aceitasse ajudar os mensaleiros, ele seria blindado na CPI.
A reação do assediado corrobora essa interpretação:
“Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”, disse Gilmar Mendes a Veja.
Cai o pano.
SEGUNDO ATO
Em um dos blogs do jornal O Globo, às 16:20 do mesmo dia 26, Jorge Bastos Moreno postou a seguinte informação sobre o assunto:
Acabo de falar com o anfitrião. Jobim confirma o encontro, mas nega seu conteúdo. [Ele disse:] “não houve nada disso do que a Veja, segundo me informaram, está publicando”.
Se a trapalhada terminasse aqui, seria apenas um caso de declarações falsamente atribuídas (pela Veja) a Gilmar Mendes. Mas Jorge Moreno acrescentou outra informação:
Amiga minha, de Diamantino (MT), terra de Gilmar Mendes, a meu pedido, localiza Gilmar. E se atreve a perguntar se era tudo verdade: “Claro que é! Eu mesmo confirmei tudo à revista”.
Cai o pano; aumentam as emoções.
TERCEIRO ATO
Este ainda não começou, mas os espectadores esperam um final infeliz, pois, de uma das seguintes possibilidades, o autor dificilmente poderá fugir:
HIPÓTESE 1: A Veja mentiu sobre as declarações de Gilmar Mendes. Mas, então, (a) ou Jorge Moreno também mentiu, ao atribuir ao ministro do STF a confirmação do que a revista publicou, ou (b) Gilmar Mendes faltou com a verdade, ao confirmar que dissera o que não tinha dito. Excluída a última possibilidade (forte demais, mesmo para o contexto surrealista da peça), neste cenário, ficariam bem Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Lula. Sairiam como mentirosos a Veja e o blogueiro de O Globo.
HIPÓTESE 2: A Veja reproduziu corretamente as declarações de Gilmar Mendes, mas ele desmente isso, depois de tê-lo confirmado. Não teriam problemas a revista e o repórter Jorge Moreno. Já Gilmar Mendes e Nelson Jobim passariam a ser mentirosos e Lula, para dizer o mínimo, teria sido flagrado em uma manobra não-republicana.
HIPÓTESE 3: A Veja disse a verdade e Gilmar Mendes confirma isso diretamente. Salvar-se-iam-se a revista, o repórter Jorge Bastos Moreno e Gilmar Mendes. Nelson Jobim passaria a ser o mentiroso e Lula seria culpado de tentar direcionar o comportamento de um ministro do STF usando de ameaças nada sutis.
O QUE DIRÁ A CRÍTICA?
Nenhum desses cenários é agradável. No primeiro, seria péssimo saber que nossa revista de maior circulação publica como fatos coisas que nunca existiram. No segundo, seria intolerável admitir que um ministro do Supremo Tribunal Federal e um ex-ministro da Justiça são mentirosos e que um ex-presidente da República foi flagrado em comportamento criminoso. No terceiro cenário, a Veja e Gilmar Mendes não teriam problemas, porém Nelson Jobim e Lula ficariam muito mal.
Mas, quem sabe, o autor guarde em segredo uma saída bem brasileira para o drama: o PT negocia com o PSDB (“Perillo é amigo do Cascatinha; Cachoeira, ele nunca viu”), que negocia com o PMDB (“Cabral, tu és nosso e nós somos teu”), que negocia com o PQP (frase impublicável), que negocia com o PT (“Agnelo, dorme em paz”) -– e não se fala mais do assunto. Lula, Gilmar e Jobim cada um fica na sua, fingindo que nada aconteceu. E o público sai resignado: mais uma vez, terá feito o papel de bobo.
REFERÊNCIAS
As citações de Veja estão em Rodrigo Rangel e Otávio Cabral, “Um ex defende seu legado”. Veja n. 2271, 30 de maio de 2012, págs. 62-67. As citações de Jorge Bastos Moreno estão em http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2012/05/26/um-fato-duas-versoes-gilmar-jobim-447411.asp

Este artigo está sendo publicado, simultaneamente, em
(28/05/2012)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Congresso Nacional entre a reforma tributária e a lei que institui o Dia Nacional do Quilo



Gustavo Maia Gomes
O que é o que é?
Todo mundo diz querer
Ninguém consegue fazer

“FHC defende reforma tributária”; “Lula defende votar reforma tributária em 2008”; “Dilma se comprometeu com a reforma tributária”. Todo mundo diz querer. FHC não fez; Lula não fez; e “Dilma descarta reforma tributária ampla”. Ninguém consegue fazer. Por que? Até ontem, eu não sabia. Mas, impressionado com a leitura do documento abaixo, acho que agora sei.

É que o Congresso Nacional está assoberbado. Somente nos primeiros quatro meses e meio deste ano, os deputados e senadores já “decretaram” 62 leis.
Algumas são, inegavelmente, importantes.
Lei 12.618
Institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo
Lei 12.650
Altera o Código Penal, com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes
Lei 12.587
Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana
Uma parte das demais é do tipo “Dia Nacional do Quilo”.

Lei 12.644
Institui o Dia Nacional da Umbanda
Lei 12.638
Institui o Dia Nacional do Jogo Limpo e de Combate ao Doping nos Esportes
Lei 12.630
Institui o Dia Nacional do Reggae
Outra parte homenageia pessoas e distribui confetes.

Lei 12.615
Inscreve o nome de Anita Garibaldi no Livro dos Heróis da Pátria
Lei 12.611
Denomina Avenida Hamid Afif o trecho urbano da rodovia BR-491 que cruza a cidade de Varginha, no Estado de Minas Gerais
Lei 12.596
Confere ao Município de Maravilha, no Estado de Santa Catarina, o título de Cidade das Crianças
Ainda outra parte (mais perigosa) cria cargos, varas, etc

Lei 12.617
Dispõe sobre a criação de Varas do Trabalho na jurisdição do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região
Lei 12.600
Cria os cargos de Juiz-Auditor e Juiz-Auditor Substituto para a 2a Auditoria da 11a Circunscrição Judiciária Militar, no âmbito da Justiça Militar da União
Lei 12.589
Dispõe sobre a criação de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, destinados ao Ministério do Esporte

Nada contra, se a produção dessas perfumarias fosse quantitativamente irrelevante, em comparação com a das leis que os mortais comuns considerariam importantes. Para verificar se é assim, defini dez tipos de leis, relacionadas na primeira coluna da tabela seguinte. As duas outras colunas indicam as quantidades (absolutas e relativas) de cada categoria no esforço legislativo do ano em curso. O gráfico que acompanha o texto dá a mesma informação de forma mais eloqüente.
Leis federais aprovadas e sancionadas em 2012, por assunto tratado
(Período 01/01 a 17/05)

Números absolutos
Percentagem do total
Adições ao Código Penal
1
1,6
Adições ao Código Civil
1
1,6
Adições à CLT
3
4,8
Assuntos do OGU, PPA e créditos extraordinários
4
6,5
Funcionalismo público (Previdência complementar)
1
1,6
Medidas tributárias isoladas
4
6,5
Medidas de política monetária
1
1,6
Políticas de cidadania e educação
3
4,8
Criação de cargos, varas, etc
5
8,1
Leis tipo Dia Nacional do Quilo e outras
39
62,9
TOTAL
62
100,0
Fonte: classificação própria, a partir das leis coligidas pela Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/_leis2012.htm



Para concluir: das 62 leis que o Congresso Nacional decretou até 17 de maio de 2012, 39 (62,9% do total) instituem dias nacionais disso e daquilo, dão nomes a ruas ou elegem o município das crianças como uma maravilha. Se adicionarmos a essa perfumaria a criação de cargos, varas e pranchetas, (5 leis, 8,1% do total), concluiremos que 71% do esforço legislativo do Congresso Nacional, neste ano, foram dedicados à produção de perfumarias – ou dinamite.

Está explicado por que todo mundo quer a reforma tributária e ela nunca acontece.

REFERÊNCIAS
“FHC defende reforma tributária”, Folha Online, 13/12/07
“Lula defende votar reforma tributária em 2008”, FolhaNews, 03/12/08
“Dilma se comprometeu com a reforma tributária”, O Globo, 25/5/10
“Dilma descarta reforma tributária ampla”, Valor Econômico, via PB Agora, 15/5/2012

Este artigo está sendo publicado, simultaneamente, em
(21/05/2012)