Gustavo Maia
Gomes
Durante dez anos (1743-53), um grupo de bandeirantes vagou pelos sertões da Bahia em busca das lendárias Minas de Prata do Muribeca, alcunha de Robério Dias, que as teria descoberto mais de um século antes. Consta que Muribeca havia prometido ao Rei de Espanha e Portugal (era a época da União Ibérica, 1580-1640) revelar a localização das minas, em troca de um título de marquês. Como não o conseguiu, fechou a boca e morreu na prisão.
Apesar de todo
o esforço, as minas jamais foram encontradas pelos bandeirantes do século 18,
mas, no último ano de suas andanças, um deles, ou alguém conhecedor da expedição, escreveu carta a uma autoridade do Rio de Janeiro. Este documento – que viria a
ser conhecido como Manuscrito 512 – contava a descoberta de uma cidade mais antiga que a chegada dos portugueses. Ficou esquecido durante anos até que, em 1838, foi
encontrado na então Biblioteca da Corte, hoje Biblioteca Nacional.
Reproduzido no
primeiro número (1839) da revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), a “Relação histórica de uma oculta e grande povoação antiquíssima,
sem moradores, que se descobriu no ano de 1753” suscitou enorme curiosidade. O
Instituto, cujo patrono era Pedro II (1825-91), ainda não entronizado, decidiu, então,
investigar se o relato tinha veracidade. Na época, havia a urgência de descobrir
ou inventar um passado grandioso para o Brasil, algo capaz de dar legitimidade
ao país recém fundado, que ainda lutava para se afirmar como nação.
Para tanto, o Manuscrito
512, se suas afirmações fossem comprovadas, poderia ser de grande ajuda. Seu anônimo
autor descreve um conjunto de edificações cujas ruínas ele teria descoberto
em local imprecisamente definido. O achado tinha características de uma cidade clássica romana,
com pórticos, imponentes edifícios, templos majestosos e estátuas de heróis em
poses dignificantes. Algo incomparável com a pobreza arquitetônica de tudo o
que se conhecia sobre o Brasil pré-cabraliano.
O cônego que terminou louco
Dois anos
depois de publicada a “Relação histórica” (portanto, em 1841), o cônego Benigno José da Carvalho e Cunha (?-1852), que morava na Bahia e era sócio correspondente do IHGB,
candidatou-se ou foi convidado a verificar se a tal povoação "antiquíssima",
realmente, existia. Para tanto, ele precisava de financiamento. O Instituto
não tinha dinheiro, mas seu patrono, sim. Encaminhado o pedido, Dom Pedro II, já
então em pleno exercício do imperial poder, prontamente o deferiu. Dois contos
de reis, valor alto para a época.
O Cônego Benigno
se embrenhou nas matas da Chapada Diamantina, próximo à Serra do Sincorá, onde ele
imaginou que a cidade fabulosa se encontraria, mas nunca achou coisa nenhuma. Por
quase uma década, andou pela região, estranhamente, gastando parte de seu
dinheiro na construção de pontes e estradas. Escreveu ao Instituto umas tantas cartas
com poucas informações confiáveis e muitos pedidos de mais dinheiro, como se fora um
empreiteiro da era petista, até ser esquecido. Há versões de que enlouqueceu,
mas sabe-se apenas que veio a morrer na cidade da Bahia, em 1852.
O fracasso da
expedição de Benigno Carvalho gerou constrangimento, obrigando o Instituto Histórico
e Geográfico a ser mais cauteloso em patrocinar empreitadas
semelhantes. Nenhuma ação concreta (exceto publicar o material que lhe fora
enviado) foi tomada pela direção do IHGB quando, por exemplo, em 1848, um desconhecido
major Manoel Rodrigues de Oliveira lhe remeteu longo documento argumentando que
a cidade perdida, realmente, existia, mas estava sendo procurada no lugar
errado. Que ficasse perdida e esquecida, pareceu dizer o Instituto.
Esquecida, não ficaria por muito tempo. Em 1862, José de Alencar (1829-77) – já então um
escritor famoso – começou a publicar, em folhetos, seu romance As Minas de
Prata, apresentado como continuação de O Guarani e que tinha entre os
personagens principais o notório Robério Dias. Mas Alencar, ao contrário de outros
escritores indianistas como Gonçalves de Magalhães (1811-82; A
Confederação dos Tamoios), Gonçalves Dias (1823-64, “Minha terra tem
palmeiras, onde canta o sabiá...”), Joaquim Manoel de Macedo (1820-82, A
Moreninha), não tinha ligações com o IHGB. Talvez por isso, além dos receios derivados do fracasso anterior, seu romance não
tenha suscitado novas excursões em busca da cidade perdida.
A história se torna
internacional: Burton e Fawcett
É, mais ou
menos, no final dos anos 1860 que outro personagem extraordinário entra na nossa história.
Richard Francis Burton (1821-90) foi o maior explorador e aventureiro ocidental do século
19. Mas também tinha empregos convencionais. Entre 1865 e 1869, foi cônsul da
Inglaterra em Santos (SP). Viajou pelo país, como fazia sempre, e escreveu um
livro, (Explorations of the Highlands of Brazil, 1869), como sempre fazia. Além do quê, traduziu para o inglês e fez publicar o Manuscrito 512.
Mais novo que
Burton, também inglês, igualmente irrequieto, o coronel Percy Harrison Fawcett (1867-1925) leu o documento e ficou fascinado pela cidade perdida que - agora estamos no começo do século
20 - já se acreditava ficar bem mais a oeste, possivelmente, em território do
Mato Grosso. Fawcett passou dez anos viajando pelos interiores amazônicos, ganhou
fama mundial, publicou livros, mas não achou a cidade. Em compensação, inspirou a criação do personagem Indiana Jones, levado ao cinema por George
Lucas e Steve Spielberg e interpretado por Harrison Ford.
Na sua última
tentativa, em 1925, Fawcett embrenhou-se nas matas, na direção da Serra do
Roncador, acompanhado do filho e de outro inglês. Os três desapareceram, para
sempre. Devido à sua celebridade e ao fato de ele estar em missão científica
oficial, muitas expedições foram organizadas para tentar resgatá-lo e a seus
acompanhantes. A Wikipedia me conta, sem citar a fonte, que, nas décadas
seguintes, mais de cem pessoas morreram na tentativa de saber o que havia
acontecido ao coronel. Nenhuma conseguiu.
A incrível chegada de Lampião
ao Mato Grosso
Tudo isso dito acima é
bastante conhecido. O que vou acrescentar, agora, não é. Em minhas pesquisas
recentes, deparei com a seguinte notícia, publicada no jornal A Província, do
Recife, em 13 de maio de 1932 (pág. 2):
EM VEZ DE ESCLARECÊ-LO, O
EXPLORADOR INGLÊS CAPITÃO A. M. MORRIS COMPLICA AINDA MAIS O JÁ MISTERIOSO CASO
DO CORONEL FAWCETT
Lampião [Virgulino Ferreira da Silva, 1898-1938, o cangaceiro
nordestino] teria sido visto no sertão mato grossense trazendo consigo as armas
do famoso desaparecido.
(...)
Conta Morris que, estando
certa vez numa povoação perdida nos confins matogrossenses salvou da morte um
homem que pertencia a um grupo de outros, chegado pouco antes à localidade. Conquistou,
dessa maneira, as simpatias dos rudes sertanejos.
Deste ponto em diante,
deixemos ao próprio Morris a tarefa de contar sua singular aventura.
Fixei fortemente a minha
atenção no homem moreno de óculos. Notei que conduzia um compasso prismático em
cuja cobertura se viam as iniciais P. H. F. e um revólver cuja bolsa de couro era
do tipo militar britânico. Do outro lado, uma cartucheira. Aquelas iniciais P. H.
F. me bailaram na cabeça: P. H. Fawcett!
-- Desculpe, senhor, disse,
quebrando o silêncio --. Ainda não tive a honra de saber o seu nome.
-- Lampião –- respondeu ele,
com simplicidade, mas com uma certa ponta de orgulho.
Tive um choque. Aquele
pacato tipo não era outro senão o bandido feroz cuja fama corre de um extremo
ao outro do continente. Ele tinha cem mortes nas costas e, invariavelmente, cortava
as orelhas dos cadáveres de suas vítimas.
Ele ficou satisfeito com
minha surpresa.
-- Sim, sou eu mesmo esse
homem. Peça o que quiser em recompensa por ter salvo a vida de meu irmão.
Imediatamente, excitou-se a
minha imaginação. As armas são preciosidades nas florestas brasileiras. Daria o
famoso bandoleiro suas armas? Eu precisava daquele revólver e daquele compasso.
-- Nunca podia imaginar –- comecei em tom cortês –- que me fosse dada tão grande honra. O seu nome é, na
verdade, tão famoso em Montevidéu como em Lima. Congratulo-me de lhe ter
prestado um pequeno favor.
Lampião sorriu. O padre
chegou para avisar que a comida estava pronta. Enquanto comíamos, meu
pensamento estava cheio de conjeturas. Teria Lampião morto o coronel Fawcett? Estariam
as orelhas do coronel fazendo parte de sua coleção? Ofereci-lhe a minha bolsa
de fumo. E enquanto ele enrolava o cigarro, decidi me aventurar:
-- Diga-me, senhor, como obteve
esse revólver e este compasso? Eles devem ter uma história interessante.
O relato d'A Província continua. Lampião teria dado os objetos ao Capitão Morris, que deixou o local o
mais rápido possível. Não há notícias do que as armas tenham sido, jamais,
mostradas ao público, como provas de que Fawcett tinha, de fato, morrido. Talvez,
assassinado por Lampião. De fato, a presença do cangaceiro nordestino em terras
tão distantes é altamente improvável e, tanto quanto eu saiba, jamais foi
registrada por outro testemunho.
Epílogo
Em 1952, os
irmãos Claudio e Orlando Villas Boas, seguindo pistas contadas por índios da
região onde Fawcett havia andado, encontraram corpos que eles identificaram
como sendo os do coronel e seus acompanhantes. Havia, no mesmo lugar, objetos que poderiam ser dos exploradores ingleses. A prova definitiva, entretanto, não foi conseguida, pela aparente razão de que os descendentes do explorador inglês
não têm permitido que seja feito o exame de DNA.
O fato é que a
Cidade Perdida da Bahia nunca foi encontrada. Já não se acredita, hoje, que ela
possa existir. Mas a lenda continua.