domingo, 14 de janeiro de 2024

As cem páginas seguintes

Gustavo Maia Gomes

Continuo a ler Geração D, de Sérgio C. Buarque (2023). É uma saga dos homens e mulheres brasileiros de classe média, parte deles estudantes universitários e todos moradores de grandes cidades, que tinham mais ou menos vinte anos em 1964. Como é o caso de quem escreveu o romance. E o meu. Em 8/1/2024, cometi a imprudência de publicar no Facebook uma “Resenha muitíssimo prematura” do livro, quando havia lido apenas cem páginas do mesmo. Agora reincido, falando sobre as cem páginas seguintes, que é até onde cheguei, na leitura, neste momento.

Mais personagens são introduzidos nos capítulos 14 a 26, de que trato neste texto. Cada uma traz à tona um tema específico. Olga, por exemplo, (este é um livro em que – com o meu apoio entusiástico – as mulheres ofuscam os homens, ao menos até aqui), entra no enredo pelo caminho da militância de esquerda: partidária, revolucionária, marxista. Nessa corrente, a atuação política objetivava promover a revolução do proletariado, considerada a única via eficaz para esmagar o capitalismo e substituí-lo pelo socialismo, vestíbulo do paraíso terrestre prometido por Marx. (Se os proletários haviam sido informados de seu destino manifesto ou de sua responsabilidade tamanhamente ímpar na história universal é uma pergunta que nem se podia fazer; o que os jovens de classe média teriam a ganhar com aquilo tudo, ainda menos. Mas, o que eles teriam a perder – como perderam – era bastante óbvio.)

Acontece que Olga foi presa e, quando saiu da cadeia, após curta estada, estava confusa, duvidando das certezas que tinha antes. Indo passar uns dias com a família na sua pequena cidade de Minas Gerais, ali conheceu outros jovens e terminou se interessando pelas ideias alternativas de uma das novas amigas. As duas, insatisfeitas com o estado atual e as perspectivas futuras da sociedade em que viviam, juntaram duas dúzias de homens e mulheres e foram morar no campo, isolados, onde criaram uma comunidade hippie. Já que não podiam derrubar o capitalismo, que vivessem à margem dele, autossuficientes, plantando o próprio alimento, consumindo muito pouco, além disso. Elas implementam o plano, mas a libertação que obtém é ilusória: sua revolução substituta se instala numa terra cedida pelo pai de Olga, o grupo toma empréstimos bancários para financiar a entressafra e vende no mercado mais próximo seus excedentes de produção, a fim de comprar os artigos que necessitam consumir, mas não produzem. (A maconha devia ser um deles, embora Sérgio não deixe isso explícito.)

Não sei como a experiência hippie de Olga terminará, pois o livro tem mais 300 páginas, além das já lidas por mim. Mas vejo que, na comunidade a que chamam, sintomaticamente, Walden (Acorda, Thoreau!), não existiam apenas alfaces e batatas. Também havia carnes, ou melhor, amores carnais. Não sei se foi isto o que Sérgio Buarque nos quis dizer, mas passei a sentir, depois da leitura dessa parte do Geração D, que, mesmo no paraíso socialista, seja ele do tipo “científico”, como o do partido repudiado pela personagem, ou “utópico”, como o da comunidade rural de Olga e suas amigas, a natureza humana não nos abandonará. Traições, intrigas, manobras, paixões amorosas arrebatadoras, homens que gostam de homens, mulheres que gostam de mulheres, ou que gostariam de gostar. Ainda não existia nos anos sessenta esta riqueza letrerária do século 21 – LGBTQIA+ – mas, o que tínhamos nós, então, mesmo num diminuto ajuntamento de pessoas no interior mineiro, já dava para preparar a feijoada.

Outro assunto trazido à nossa lembrança por Geração D é o feminismo, então uma novidade (no Brasil, pelo menos), mais particularmente o feminismo relacionado à luta contra as agressões físicas dos homens sobre as mulheres. Agora, já estou falando de Helena, igualmente, presa e depois solta por suspeita de ter cometido crimes políticos. Na casa da tia Julieta, onde vai morar, por imposição do pai, ela percebe que a empregada doméstica apanha rotineiramente do marido. Apanha e não reage: “ele me ama”, justifica-se; a tia sabe, mas contemporiza: “você acha que ela pode sustentar três filhos sozinha, sem o marido?” (pág. 120). Levado o motivo de sua revolta ao conhecimento dos mentores políticos (com cujo partido ela continuava a se relacionar), Helena ouve de um deles esta obra prima do pensamento teleguiado:

– Desculpe, companheira, mas eu não acho que o partido deva se envolver nesse assunto, pelo menos não ainda. Temos que concentrar todas as forças na luta contra a ditadura e na organização da classe trabalhadora. É ingenuidade e visão pequeno-burguesa pensar na condição da mulher como um fenômeno separado da exploração capitalista (pág. 121).

Moça dotada de personalidade forte, Helena não se intimidou. Com a ajuda de amigas e, mais tarde, de uma deputada do partido oposicionista (ou do passava por isso, naqueles tempos sombrios), ela fundou a “Fêmea, uma organização civil de defesa dos direitos das mulheres contra a discriminação do machismo, para prestar assessoria a mulheres vítimas de violência” (pág. 124). Era um lugar só de mulheres, com a única missão de socorrer outras mulheres. As coisas estavam até indo bem e assim poderiam ter continuado, não tivesse um homem entrado no enredo. Ele começa com uma namorada, Norma, mas a troca por outra, a Helena de quem estou falando. Tudo acontecendo no âmbito da Fêmea – e não sei se aqui devo escrever essa palavra com letra inicial maiúscula ou minúscula –, de modo que, presumivelmente, o jogo embolou no meio de campo e os transcendentes princípios da iniciativa se viram obliterados pelos imanentes desejos de Helena e de Norma.

Neste ponto, eu quero inserir uns pensamentos próprios, pois à geração D também pertenço. A esquerda tradicional, ortodoxa – essa que era a única, até recentemente – só tinha um inimigo: o capitalismo, definido pela oposição entre a classe burguesa, exploradora, que detinha o monopólio dos meios de produção (máquinas, equipamentos, terras), e a classe proletária, explorada, dona apenas da sua força de trabalho e, portanto, obrigada pela necessidade a alugá-la aos capitalistas. Nessa visão do mundo, o capitalismo era tudo de ruim, mas havia um Éden, um Nirvana, um Céu na Terra, para onde a humanidade infalivelmente caminhava (no caso brasileiro, com a ajuda da ALN, da VAR-Palmares e do PCdoB): o socialismo e, em seguida, o comunismo. Em contraste com o inferno capitalista, o socialismo era tudo de bom. E nesse “tudo de bom” estava incluído o fim da violência contra as mulheres que, entretanto, somente poderia se tornar realidade após a revolução.

Como sabemos, essa ideologia tradicional, ortodoxa (dominante nos anos 1960-70, focados nesta parte de Geração D) se não morreu – cadáveres quase nunca morrem completamente –, foi muito abalada com a queda do Muro de Berlim (1989) e o desmoronamento da União Soviética (1991). Quando a cortina de ferro sumiu e as fronteiras foram abertas, tornou-se evidente que o socialismo, onde ele havia sido experimentado, tinha sido econômica, política, ambiental e socialmente um fracasso. E aí ficou difícil manter o discurso de uma nota só: a revolução ou nada.

Nessas novas circunstâncias, o que fazer? (Lênin, uma vez, perguntou isso mesmo.) Para os ideólogos da esquerda, dar uma volta completa e reconhecer o absurdo de suas teses estava fora de cogitação. Mas, também, não era mais viável basear a ação política apenas ou sequer principalmente nelas. Tornou-se preciso encontrar novas bandeiras, algo que eles conseguiram em pouco tempo. Tudo o que havia disponível no mercado foi incorporado ao ideário e ao movimentário da esquerda. Temos problemas de poluição? Defender o ambiente passou a ser uma bandeira da esquerda. (Não era, antes; ao contrário, o conservacionismo ambiental tinha sido, até então, uma ideologia tida como reacionária.) A distribuição dos rendimentos piorou? Criticar a distribuição de renda, sem condicionar a melhoria dela à derrubada do capitalismo, passou a ser uma bandeira da esquerda. Há preconceito racial? Defender a igualdade entre as raças passou a ser uma bandeira da esquerda. Os gays e lésbicas são oprimidos? Defender a igualdade de gêneros passou a ser uma bandeira da esquerda. O marido da empregada bate nela todo dia? Então a luta contra a violência dos homens sobre as mulheres passou a ser uma bandeira da esquerda. Nada disso tinha mais que esperar pelo socialismo. E assim, a luta de classes, ou a velha oposição entre capitalistas e proletários, a única que mereceria a atenção da esquerda no tempo em que a geração D tinha vinte anos, foi para o brejo.

Por fim, como não poderia deixar de ser, a tortura dos presos políticos no tempo da ditadura é um dos temas abordados por Sérgio Buarque. No livro, explícita ou implicitamente, todos os personagens presos pelo regime foram torturados. Uns mais, outros menos. Uns resistiram bravamente, sem entregar os companheiros (mas, às vezes, desmoronando psicologicamente, como Maurício, o marido de Renata, sobre quem falei na “Resenha muitíssimo prematura”). Outros, entregaram tudo o que sabiam para se livrar da dor física (a exemplo de Eliane, a mulher com quem o mesmo Maurício se envolveu, nos seus tempos de clandestinidade, já sem ter contato com Renata). Todos, enfim, no livro, sofreram as sequelas da tortura. Pode não ter sido assim que as coisas se passaram, na realidade, mas o provável exagero do autor se justifica como um recurso dramático. É o que penso. De todo modo, se a esquerda promoveu a violência, quando uma parte dela optou pela luta armada contra a ditadura, recebeu desta um troco mais do que proporcional. Nenhum dos lados saiu ganhando com aquilo, uma reflexão que, mais uma vez (pelo menos, na parte que já li de Geração D), não é de Sérgio Buarque, mas minha. Embora pareça estar no espírito de seu relato como, provavelmente, confirmarei com a continuação da leitura.

Chego ao fim desta segunda resenha prematura. Mas, não sem dizer que sou um leitor atento. Até pequenas falhas, normalmente, não me passam despercebidas. Erros de Português, por exemplo, abundam no livro comentado. São graves? Não. Há quem ache que isto – “erros de Português” – nem existe mais, tamanha a licenciosidade cultural a que chegamos. Na verdade, para os que se contentam com comunicações imprecisas e mensagens truncadas, nunca existiram. Não é o meu caso, nem o de Sérgio. Além disso, alguns personagens poderiam ter sido mais bem apresentados, quando de sua primeira aparição. Duas ou três palavras inseridas no texto resolveriam o problema. Isso tudo – dos descuidos idiomáticos à insuficiente descrição de personagens – pode ser corrigido com facilidade na segunda edição que, certamente, haverá. Geração D (e o digo após chegar quase à metade da sua leitura) mais do que merece esses cuidados e carinhos. Mesmo sem eles, é um livro extraordinário.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

A VIAGEM

Gustavo Maia Gomes
 
Desde menina, Antuérpia mantinha os cabelos em perfeita forma. Alinhava-os com pentes de tartaruga; lavava-os com xampus comprados na Índia. Ou, se não na Índia, em Catolé do Rocha, Jordão de Baixo, Brasília Teimosa. O brilho era dado pela infusão do doutor Silvana; a maciez, pelo Xarope X-9, cuja fórmula secreta lhe fora ensinada por uma cigana de circo.
 
Aos quinze anos de idade, aqueles cabelos já tinham se tornado famosos. A sua dona nem era tão bonita, mas a cabeleira vasta e bem arrumada compensava essa deficiência. E assim Antuérpia ia tocando a vida. Estudando pouco, namorando um tanto e cuidando da aparência capilar o resto do tempo. Quando se casou com Espremildo, seus cabelos chegavam à altura dos joelhos. Jamais tinham sido cortados; jamais seriam, assegurava a quem lhe perguntasse.
 
Quarenta anos depois — Antuérpia já tinha netos e seus cabelos se estendiam pelo chão —, surgiu a moda das perucas. Moda é pouco, obsessão. Então, um dia, alguém chegou à casa da viúva (Espremildo, coitado, não durara mais do que três pentes) querendo comprar-lhe a cabeleira. A mulher bateu-lhe a porta na cara sem sequer saber quanto o homem estava disposto a pagar.
 
Pois essa — quanto ele queria pagar? — foi, justamente, a primeira pergunta feita a Antuérpia pela filha Jucileide, a mais velha e infeliz das três, pois o marido a traía com uma bezerra holandesa. Ficou revoltada porque a mãe despachara o visitante sem lhe permitir falar em dinheiro. Assim como Jucileide, suas irmãs Jucicleide e Setembrina também demonstraram descontentamento.
 
Tinham razão. Pois os cabelos de Antuérpia valiam uma fortuna. Por essa razão, houve grande expectativa quando outro corretor deixou vazar a notícia de que iria procurar a viúva com uma proposta irrecusável. O encontro aconteceu e, depois dele, o moço disse, em entrevista coletiva, que as negociações tinham avançado.
 
Não tinham; era mentira dele. Mesmo após saber que poderia ganhar um milhão de reais, Antuérpia achara insultante a ideia de vender seus cabelos por cinquenta centavos cada fio, com deságio para os menos longos. Jucileide, Jucicleide e Outubrina (esqueci de dizer que o nome da terceira irmã mudava conforme o mês) ficaram injuriadas. A bezerra holandesa expressou sua revolta negando-se a fazer sexo com o amante casado.
 
Àquela altura, a recusa de Antuérpia em vender seus cabelos já causava prejuízos à economia nacional. Os institutos de pesquisas equivocadas e previsões estapafúrdias eram unânimes em anunciar a pior recessão dos últimos cinco anos. A bolsa despencava. A seleção brasileira de futebol perdeu por sete a um da Alemanha. Alguma coisa precisava ser feita. E foi.
 
Cachemiro Rosalvo (um grande vigarista, como se veio a saber, tardiamente) tinha um plano. Espalhou nas redes sociais que era o homem mais rico do mundo por haver inventado o café pequeno que se podia desadocicar mexendo a colher no sentido anti-horário. (Coisa muito útil para quem tem a mania de pôr açúcar demais na xícara.) Quando o assunto bombou — só se falava nisso no Euíter, no Tuíter e no Eleíter —, o falso milionário foi ter com Antuérpia.
 
Ela mal podia acreditar no que estava vendo. Cachemiro contou-lhe, então, sua história. Era rico, sim. Mas tinha uma frustração. Sua mulher perdera os cabelos depois de ser internada na urgência pediátrica e receber sangue doado por Leandro Karnal. Desde então, vivia na maior infelicidade. Queria ter uma peruca, pelo menos. Eis a razão por que Cachemiro estava ali. Pretendia comprar os cabelos de Antuérpia e os oferecer à esposa careca. Estava disposto a dar em troca dois apartamentos de quatro quartos à beira-mar.
 
Antuérpia ia dizer NÃO quando percebeu que Jucileide, Jucicleide e Novembrina estavam na sala e tinham ouvido toda a conversa. Pressionada pelos olhares fulminantes das filhas, ela cedeu. Cachemiro mostrou os documentos que atestavam ser ele o dono dos imóveis. Fez a mulher assinar o contrato ali mesmo. Com a tesoura que trouxera consigo, separou-a de seus cabelos. Deu-lhe, em troca, um endereço e um número. De lá, alguém a encaminharia aos seus apartamentos.
 
Antuérpia, as três filhas, o genro e a bezerra holandesa esperaram uma semana antes de ir ao endereço indicado pelo comprador dos cabelos. No lugar, havia um edifício vistoso com o nome NASA escrito na entrada principal. Antuérpia mostrou o número que lhe fora dado. A atendente foi ao computador e o reconheceu em poucos segundos. Perguntou à mulher se ela queria assento no corredor ou à janela.
 
Tratava-se, o número, da reserva de um lugar no voo para Marte. Partiria em poucas horas. Antuérpia vacilou. Descabelada, caíra em depressão. Não tinha ânimo para coisa alguma. Dezembrina tomou-lhe o lugar. Não se sabe se encontrou os apartamentos.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A medida do gosto: Belém, Recife, Brasil

Gustavo Maia Gomes

Em proporção à sua renda, os paraenses da capital consomem quase duas vezes mais arroz (0,95%) do que os pernambucanos do Recife (0,55%) e também mais do que os brasileiros que habitam as grandes cidades do país (0,74%). Em quantidades relevantes, o caldo do tucupi (0,02%) só é consumido em Belém, dentre os lugares mensalmente pesquisados para a elaboração do IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo.

Esse índice do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mede os valores de cestas de consumo representativas para famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e os municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís e Aracaju. A comparação entre os valores obtidos para dois meses sucessivos permite calcular a taxa de inflação no período em causa.

As cidades pesquisadas têm suas próprias cestas de consumo, cada uma composta de mais de 400 itens. Estudando os pesos com que esses itens entram no cálculo do IPCA nas diversas regiões, podemos visualizar as distintas preferências com respeito às despesas de alimentação, saúde, educação, cuidados pessoais e até hábitos de lazer. Neste texto, lidarei apenas com o Brasil, Belém e o Recife, por razões que deixo claras em sua conclusão. Fiz um sumário do que descobri. Alguns dados podem parecer apenas curiosos, mas a soma de todas as curiosidades poderia gerar uma tese de doutorado.

Os gastos com alimentação e bebidas pesam mais em Belém (26,90%) do que no Recife (23,18%) e no Brasil (20,70%). Feijão mulatinho é proporcionalmente à renda consumido no Recife (0,14%) muito mais do que no Brasil (0,02%); não é consumido em Belém. Já o feijão preto, consumido em Belém (0,14%) duas vezes mais intensamente do que no Brasil (0,07%); não entra nas panelas recifenses, exceto em quantidades muito pequenas. Com farinha de mandioca, os brasileiros gastam 0,10% de sua renda; os belenenses, sete vezes mais: 0,73%; no Recife, o valor correspondente é de 0,16%.

Na capital pernambucana, a cebola absorve 0,18% da renda de quem ganha até 40 salários mínimos. Mais do que no Brasil (0,12%) ou em Belém (0,09%). O coentro tem valoração no Recife (0,09%) nove vez maior do que no Brasil (0,01%). Não aparece em quantidade significativa em Belém. Em açúcares e derivados, os belenenses são campeões (0,70%). Estão acima da média brasileira (0,65%) e também da recifense (0,52%). Parece que essa diferença reflete a atração pelos doces: enquanto o consumo de açúcar cristal tem a mesma percentagem nas duas capitais (0,25%), o de açúcar refinado é muito maior em Belém (0,16%) do que no Recife (0,04%) ou no Brasil (0,09%).

As carnes consomem 4,96% das rendas em Belém, valor muito superior ao registrado no Recife (2,38%) ou no Brasil (2,79%). De frutas, entretanto, o consumo no Recife (1,07%) tem maior peso do que no Brasil (0,95%) ou em Belém (0,78%). Em pescados, como seria de esperar, os belenenses ganham a parada (1,09%). (Brasil, 0,22%; Recife, 0,32%.) Os paraenses são fãs de uma costela, o tipo de carne com maior peso no seu orçamento (0,75%). Logo depois vem a alcatra (0,74%). No Recife, o maior consumo, em valor relativo à renda local, é o da chã de dentro (0,53%).

Os caranguejos são grandemente apreciados na capital do Pará (0,07%). No Brasil e no Recife seu consumo entra com peso zero no IPCA. O gosto pelo café moído tem intensidade homogênea pelo país: Brasil, 0,29%; Belém, 0,28%; Recife, 0,26%. Já os gastos com alimentação fora do domicílio são surpreendentemente maiores no Recife (6,47% da renda) do que no Brasil (5,93%) e em Belém (5,46%)

Nas preferências por artigos de limpeza, não encontrei grande variância: Brasil (0,75%), Belém (0,76%), Recife (0,81%). Os belenenses, entretanto, parecem ter especial afeição pela água sanitária: Brasil (0,06%), Belém (0,09%), embora menos que os recifenses (0,11%). Os moradores da capital pernambucana gastam mais que os paraenses em detergentes e sabão em pó, mas empatam em sabão em barra (0,9%) e perdem por pouco em desinfetantes (0,08%) contra (0,09%).

Manter boa aparência parece ser um capricho dos habitantes de Belém, que gastam em cuidados pessoais 6,43% de sua renda. (Brasil, 3,96%; Recife, 5,18%). Entram nesta categoria produtos para cabelo, barba, pele e higiene bucal. Na compra de roupas, o mesmo padrão se repete: Belém, 4,31%; Recife, 3,74%; Brasil, 2,98%. Idem para perfume: Belém, 2,56%; Recife, 1,87%; Brasil, 1,07%. E para desodorante: Belém, 0,66%; Recife, 0,54%; Brasil, 0,45%. (Precisa ver o povinho cheiroso se amontoando no Círio de Nazaré.) Como se deveria esperar, em artigos de maquiagem, os belenenses também lideram, com 0,37% (Brasil, 0,17%; Recife, 0,21%.) Não sei se devo dizer isso, mas, os gastos com papel higiênico seguem uma ordem inversa: Brasil, 0,21%; Recife, 0,15%; Belém, 0,14%.

Com planos de saúde (Brasil, 4,03%; Belém, 1,74%; Recife, 4,23%) e com educação paga (Brasil, 6,06%; Belém, 3,45%, Recife, 6,07%), os recifenses estão acima das médias brasileiras; os belenenses, muito abaixo. Em compensação, em jogos de azar, eu deixo os números falarem sozinhos: Brasil, 0,52%; Belém, 0,76%; Recife, 0,59%.

É espantoso como esses números confirmam praticamente todas as generalizações que minha mulher belenense Lourdes Barbosa sempre me fez (baseadas em observações inteligentes, sim, mas não em pesquisa empírica rigorosamente conduzida) sobre as diferenças entre as culturas do Pará e, em especial, de Pernambuco. A oca – ou seja, a habitação coletiva dos índios – explica quase tudo, vive ela a me dizer. Parece ter acertado na mosca.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Marxismo tardio no Largo do São Francisco









Gustavo Maia Gomes[1]

10/12/2020

Sumário

1.      Introdução, 2

2.      Resumo da tese

3.      Pensamentos fora de lugar

4.      O “olhar de Karl Marx”

5.      Mercador de enganos

6.      O Estado

7.      Nacionalismo, racismo e, mais uma vez, marxismo

8.      A vez do cangaço

9.      Considerações finais

 

Tenho todas as razões do mundo para atender um pedido de meu amigo há sessenta anos VMF. Nove ou dez dias atrás, ele me enviou a seguinte mensagem, por e-mail, acompanhada de um arquivo: “Gustavo amigo. Este trabalho é de um nosso sobrinho. Universitário na Faculdade de Direito da USP [Universidade de São Paulo]. Apresentou uma tese que foi elogiada. Queria seu juízo crítico”.

Nem VMF nem eu imaginávamos que o “juízo crítico” se estendesse por mais de dois parágrafos. Eu terminei escrevendo o extenso comentário contido nas páginas seguintes. Por que o fiz? Em grande medida, porque vi nesse jovem autor, a quem não conheço pessoalmente, um pouco ou muito de mim mesmo, recuando meio século. Nunca fui marxista (leitor de Marx e de seus simpatizantes, sim), como LGM, talvez, pense que é, mas compartilhava de uma visão de mundo próxima à dele.

De certa forma, portanto, esta foi uma oportunidade de, ao fazer o juízo crítico que me fora pedido, dialogar não apenas com meu amigo e seu sobrinho, mas também, em certa medida, comigo mesmo enquanto jovem. Agradeço aos dois. Meus comentários se concentram nos capítulos iniciais, em que LGM fala de capitalismo e de estado, permitindo ao leitor vislumbrar a atmosfera intelectual – doutrinária de esquerda, marxista de origem, negativa em relação ao capitalismo e ao Estado democrático – que, se não domina, pelo menos, aparenta ter presença significativa na tradicionalíssima Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. O que ele tem a dizer sobre o cangaceirismo não está errado (a não ser na insistência em vincular aquela forma de banditismo à expansão do capitalismo no Brasil), mas despertou-me interesse menor.

1.           Introdução

Confesso a ignorância: apesar de ter sido professor universitário durante quarenta anos, não sabia o que era Tese de Láurea, nome adotado pela Faculdade de Direito da USP. A princípio, imaginei que fosse a tese de Laura, mas descobri que se trata de “Trabalho de Conclusão de Curso”. Ah, sim! O TCC, como ficou conhecido, é feito por estudantes de graduação, como última exigência para a obtenção do respectivo diploma.

Na minha opinião, “O Estado e o cangaço: A exceção que confirma a regra” satisfaz os padrões exigidos de um TCC. Pesquisa própria de fatos ou crítica de interpretações conflitantes não foi feita, nem se deveria esperar, mas há uma proposição central defendida com razoável competência. A proposição, em si, acho eu, faz pouco sentido, porém – e isso é precioso – o autor escreve bem, expõe suas ideias com clareza. Até mesmo as obscuras, tomadas de terceiros. Essas são muitas, mas LGM, com sua escrita afiada, quase conseguiu me fazer entendê-las.

No prosseguimento, os parágrafos com margem esquerda mais larga escritos em itálicos com caracteres de tamanho menor são citações da Tese de Láurea. Os demais são de minha lavra.

2.           Resumo da tese

A presente tese procurou demonstrar, sobretudo da perspectiva do Estado, que a instauração e consolidação do capitalismo no Brasil se deu com o fim do escravismo colonial, marcado pela abolição da escravidão, e após período de transição, que foi, aproximadamente, de 1890 a 1940. Esse período de transição, aliás, coincidiu com a irrupção do cangaceirismo na sua modalidade epidêmica e, assim, tentei demonstrar como o cangaço pode, também, ser compreendido como sintoma – e até como prova – desse período de transição. Ao mesmo tempo, procurei evidenciar os limites da transformação que tomem o Direito e o Estado como meio e fim. (Sem numeração de página.)

3.           Pensamentos fora de lugar

Nas partes introdutórias do trabalho, LGM insere reflexões que nada têm a ver com o seu assunto. São pensamentos, na minha opinião, desnecessários e fora de lugar, além de duvidosamente válidos. Destaco três:

Portanto, se há, por exemplo, uma reforma da previdência em pauta que pretende transferir o ônus de uma crise econômica à população pobre, torna-se imprescindível, além da mobilização nas ruas, toda ação judicial que vise derrubar a medida. (Pág. 9).

Seria bom lembrar que a proposta mais recente da reforma aludida foi aprovada em outubro de 2019. Portanto, já não estava mais “em pauta” no ano seguinte, quando essa tese foi apresentada. Além do mais, reduzir a reforma da previdência que vem sendo feita, aos pedaços, desde João Batista Figueiredo, 1979-85, passando por Fernando Henrique Cardoso, 1995-2002, e tendo tido um capítulo importante no primeiro governo Lula, 2003-06 a uma manobra para “transferir o ônus de uma crise econômica à população pobre” é, na melhor hipótese, pouco convincente.

Ao que tudo indica, parcela significativa da esquerda foi convencida por Francis Fukuyama, quando anunciou, no final do século XX, a vitória do capitalismo e o fim da História. (Pág. 10).

Como pude perceber, LGM e alguns de seus professores continuam firmes em suas crenças marxistas – que devem incluir a inevitável derrocada do capitalismo. Deduzo, então, que outra parcela significativa da esquerda não foi convencida por Fukuyama. Aliás, o próprio Francis, depois de curar a ressaca, reavaliou cuidadosamente seu pensamento anterior.

No que pese a condição financeira de classe média que me abriu as portas nesta capital [São Paulo] e a perda do meu sotaque pernambucano, minha família passou por dificuldades na terra dos Bandeirantes exclusivamente por ser nordestina. (Pág. 10).

Esse é um depoimento pessoal que eu respeito. Mas, gostaria de dizer que tal não foi a minha experiência. Também sou pernambucano. Provavelmente, com sotaque. Mudei-me para a capital paulista em 1971, para ali viver, inicialmente, como um simples estudante de mestrado na Universidade de São Paulo. Mais de metade da minha turma era de paulistanos formados pela mesma universidade. Depois, lecionei tanto na USP (1973-76) quanto na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em 1972-73. Trabalhei na Copersucar, a cooperativa de usineiros do Estado de São Paulo, à época (1973-76), a maior empresa brasileira em faturamento. Nunca sofri discriminação alguma. Ao contrário. Saí de lá para atender (1976) um convite da Universidade Federal de Pernambuco (onde me tornei, primeiro, professor visitante; depois, professor regular, concursado) que me prometia rápida liberação para o doutorado no Exterior, o que aconteceu. De São Paulo, só tenho lembranças boas (exceto as do trânsito). Alguns dos meus melhores amigos são paulistas. O único colega indiscutivelmente chato no mestrado era carioca, mas esse tinha problemas mentais de outra ordem.

Escrevo isso com a pretensão de, tendo muitos mais anos de vida do que o autor da tese comentada, transmitir-lhe uma opção intelectual oposta à que (me parece) ele tem preferido cultivar. Posso estar enganado, tomara que esteja, mas toda essa carga marxista – pesada, ultrapassada, inútil, mistificadora – que ele trouxe para seu texto se ajusta magnificamente a uma visão do mundo em que o culpado pelos nossos problemas é sempre o outro. Alguma entidade de índole má dedicada a explorar os trabalhadores (mas, que também lhes dá emprego e renda); a reformar a previdência para prejudicar os pobres (embora se saiba que, sem alguma reforma, o país jamais sairá da crise em que se meteu há meio século – e os pobres estão sendo os maiores prejudicados com esses anos todos de estagnação econômica); alguém ou alguma entidade de índole má cujo preconceito contra os nordestinos impede a esses de ter uma vida rica e feliz na cidade grande (mas não impediu a mim de ter excelentes empregos, impulsionar minha carreira profissional, ganhar um bom dinheiro e fazer amigos ali, nem impedirá a LGM de ter muito êxito em São Paulo).

4.           O “olhar de Karl Marx”

O “olhar de Karl Marx” é uma das grandes maldições da humanidade. Mas, isso eu fui aprendendo com o tempo, o estudo e a experiência. Na idade que tem hoje o autor da Tese de Láurea, as explicações fáceis (complicadas na aparência, para dar a impressão de serem profundas), agradáveis, transferidoras de responsabilidades, também me fascinavam, embora jamais ao ponto em que parecem fascinar alguns professores de Direito em São Paulo. E seus alunos.

Feitas essas breves considerações, o que se pretende neste primeiro ponto é, a partir da análise do cangaço, retomar a leitura da crítica do Estado a partir do olhar de Karl Marx [negritos acrescentados]. De forma apertada (sic), é, com base nas questões levantadas acima em torno do Estado, retornar ao diagnóstico de que é impossível realizar o combate e o enfrentamento das desigualdades de forma ampla tendo como meio e fim as estruturas de poder em vigor. (Pág. 10).

Será, mesmo, “impossível realizar o combate e o enfrentamento das desigualdades de forma ampla tendo como meio e fim as estruturas de poder em vigor”? Compare as desigualdades, a pobreza, as péssimas condições de trabalho da Inglaterra na segunda metade do século XIX (tão exploradas por Marx no Volume I de O Capital) com a situação da mesma Inglaterra hoje. É impossível negar que houve extraordinária melhoria. E essa melhoria foi conseguida sem que houvesse, no meio tempo, uma revolução social devastadora; foi conseguida “tendo como meio e fim as estruturas de poder em vigor”. Seria a Inglaterra uma notável exceção? Pois então que se fale da França, Alemanha, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Japão...

Ou até mesmo do Brasil. Ainda temos desigualdades terríveis, mas muito progresso foi feito também aqui. Nem sempre isso é reconhecido. O número de crianças nascidas vivas no Brasil que morrem antes de completar um ano de idade despencou de 123 por mil em 1970 para 31 por mil em 2000. Continuou a cair, desde então. No mesmo período, a expectativa de vida dos brasileiros subiu de 51 para 69 anos. É de 76 anos e meio, hoje (IBGE). É claro que os maiores beneficiados dessas mudanças foram os mais pobres, por razões óbvias.

Outro exemplo: a seca cearense de 1915 enxotou os flagelados do sertão para Fortaleza, onde os sobreviventes da caminhada viriam a morrer aos milhares de fome e doenças contagiosas em campos de concentração. (Tinham esse nome, sim.) Cem anos depois, a calamidade climática de 2012-17 foi a pior da história – do ponto de vista hídrico –, mas, desta vez, os que foram afetados pela falta de chuvas tinham bolsas-família, cisternas em casa, estradas à porta (de modo que o caminhão pipa sempre chegava em tempo de reabastecer as cisternas), atendimento do SUS na cidade mais próxima. Como resultado, sofreram muito menos do que seus ancestrais de um século antes. Eu poderia alinhar duzentos outros exemplos, não para negar que continuamos a ter, no Brasil, um problema sério de desigualdade (e, pior ainda, de pobreza), mas para demonstrar que houve, sim, progresso. E isso foi feito “tendo como meio e fim as estruturas de poder em vigor”, pois desconheço que alguma revolução marxista tenha jamais ocorrido em nosso país.

Modo de produção do escravismo colonial. (Pág. 12).

A literatura marxista, ou simpática ao marxismo, padece da estranha doença de complicar o que é simples, entre outras coisas, introduzindo uma terminologia própria, pretensiosa, que dificulta a compreensão do assunto tratado. LGM encontrou espaço para introduzir o “modo de produção do escravismo colonial” em sua tese. O que é isso?

Passo a palavra a um suposto especialista não citado por LGM: “Quando [Jacob] Gorender aborda o modo de produção escravista colonial, vigente no Brasil desde o início da colonização lusitana até a abolição da escravidão, está se referindo à plantagem escravista, que possuía quatro características (...) Em primeiro lugar era especializada na produção de gêneros comerciais destinados ao mercado externo; em segundo, era baseada no trabalho por equipe sob comando unificado; em terceiro lugar, se desenvolvia uma estrita conjugação de cultivo agrícola e de beneficiamento complexo em um mesmo estabelecimento; e, por fim, [combinava], também em um mesmo estabelecimento, [a] divisão do trabalho quantitativa e qualitativa”.[2]

Substituo essa lengalenga interminável pela seguinte frase: “até a abolição, o Brasil produzia artigos de exportação agrícolas ou agroindustriais utilizando escravos nas tarefas não especializadas e trabalhadores livres nas demais”. Perdeu-se alguma coisa? Não. Ao jogar no lixo o conceito de “modo de produção” não se perde absolutamente nada. Exceto, talvez, o emprego de algum intelectual diletante.

5.           Mercador de enganos

Marx em sua obra máxima, O Capital, parte da mercadoria para a análise do modo de produção capitalista, porque ele “aparece (erscheint) como uma ‘enorme coleção de mercadorias’, e a mercadoria individual, por sua vez, aparece como sua forma elementar”. (Pág. 14).

O volume I de O Capital, o único dos três que seu autor terminou e viu publicado, não é um livro péssimo. Apenas, muito ruim. Exceto pelo primeiro capítulo que, realmente, não tem salvação. Além de confuso, terrivelmente extenso, tortura as evidências empíricas e a paciência do leitor na tentativa de demonstrar que, por trás das aparências, o trabalho usado para produzi-las é a única fonte de valor das mercadorias. O comentário mais óbvio que eu posso fazer aqui, a respeito disso, é este: que diabos tem a ver a “enorme coleção de mercadorias” com Lampião e Maria Bonita? A resposta: nada. Invocá-la, antes dificulta do que nos ajuda a compreender o cangaceirismo no Nordeste, se há essa intenção. Mas o autor da tese a invoca, de modo que eu deveria emitir algum juízo crítico sobre isso.

Não deveria me estender muito sobre a proposição marxista (na verdade, copiada dos economistas clássicos ingleses que o precederam, especialmente, David Ricardo, 1817) de que “o trabalho usado para produzi-las é a única fonte de valor das mercadorias”. Meu professor de economia marxista em Illinois (sim, havia isso lá) equiparava essa frase (e outras parecidas) a uma definição, como se Marx tivesse dito, explicitamente, algo assim: “o trabalho é a única fonte de valor e estamos conversados; passemos para o próximo ponto”. Isso remete todo o Capítulo 1 de O Capital – fundamento (na própria visão do seu autor) dos demais – ao reino da metafísica. Na metafísica, não nos preocupamos com a veracidade empírica de coisa nenhuma, nem das proposições fundamentais, nem das derivadas. Podemos aceitar a mesma indiferença à verdade também na análise econômica?

Claramente, não. Os estudiosos da economia querem entender o mundo real (há exceções, reconheço), isso faz parte da profissão. Quais “partes do mundo real” querem eles entender quando falam (ou falavam, pois o termo saiu de moda) em valor? Valor de troca, valor de uso, valor-trabalho, etc. Depende. Os economistas que não creem na derrocada próxima e inevitável do capitalismo – e, portanto, não podem esperar que ela se apresente para começar a trabalhar – precisam oferecer explicações, entre outras coisas, para os preços. Por que um quilo de mandioca custa menos do que dois quilos de goiabada em calda? Por que subiu o preço da manteiga, mas não o de viagens à Europa? Para isso, a teoria marxista do valor não serve. Só fornece respostas erradas.

Para os economistas que, ao contrário, creem na derrocada inevitável e próxima do capitalismo, a teoria parece ter enorme serventia. Mas, também aqui, trata-se de ilusão. Ao postular que o trabalho – entendido apenas como aquele diretamente aplicado à produção de bens materiais, não de serviços – é a única fonte de valor, o autor de O Capital (embora não o confesse) estava interessado nas implicações éticas, morais e políticas dessa premissa. A mais óbvia delas é que, se existem outras formas de renda que não os salários ou a remuneração direta dos autônomos, ou seja, se existem lucros, dividendos, aluguéis, aposentadorias, ganhos financeiros – e como existem! –, então, alguém está roubando os trabalhadores. E se a essência do capitalismo é que existam lucros, então o capitalismo não passa de uma invenção dos ladrões para institucionalizar sua pilhagem.

Esse pecado original não pode ser extirpado nos quadros do regime econômico (e político) vigente – prossegue o sofisma. Só se realizará se os expropriados expropriarem os expropriadores, ou seja, se houver uma revolução proletária à qual se siga a socialização da propriedade dos meios de produção. E a expropriação virá, dizem os crentes; a revolução é demonstravelmente, cientificamente (argh!) inevitável.

Ora, tudo isso é falso. Nem sequer uma das afirmações feitas acima sobreviveu ao teste da realidade. Limito-me ao ponto fundamental: o trabalho é a única fonte de valor. Se se tratar de uma definição, a afirmativa não pode ser contestada. Mas precisaria ser útil, se a finalidade da teoria for ajudar-nos a compreender o mundo. Não é útil, atrapalha. Imagine o seguinte experimento hipotético: do dia para noite, os apertadores de parafusos da indústria automobilística e seus companheiros com ocupações semelhantes tomam o poder e passam a se apropriar integralmente do produto total da nação que, afinal, devia mesmo ser deles, o povo escolhido por Marx. Os operários, naturalmente, não veriam razões para dividir esse produto com as classes “improdutivas”, ou “exploradoras”. Portanto, todo o pessoal que cuida da administração das empresas seria posto na rua, sendo-lhes dito que, de hoje em diante, só os trabalhadores manuais terão direito a alguma renda. Também seriam demitidos os que escrevem os programas de computadores. E os que operam os sistemas informáticos. Iriam para a rua os advogados das empresas, LGM e seu tio VMF entre eles. Dos donos da fábrica (que estavam exatamente agora planejando ampliar seus negócios), nem se fala. Preciso prosseguir? Preciso dizer que, inevitavelmente, a essa sucessão de decisões absurdas respaldadas pela teoria marxista do valor-trabalho se seguiria uma catástrofe econômica de tamanhas proporções que os apertadores de parafusos e o resto do país se tornariam miseráveis?

Outro experimento hipotético: um homem sozinho em sua fazenda produz uma tonelada de soja por ano; dê-lhe um trator e a produção se elevará para mil toneladas. Não deveríamos concluir que o valor criado pelo trabalho é de uma tonelada, enquanto que o valor criado pelo trator é novecentas e noventa e nove vezes maior?

Já na Grécia Antiga, Aristóteles conseguiu achar qual era a substância de equivalência entre os diferentes objetos e que autoriza a troca: o trabalho contido neles. Dessa maneira, todas as coisas úteis passíveis de troca, tal como o sapato e o chapéu, também são qualitativamente iguais, ao passo que são produtos do trabalho. (Págs. 17-18).

Aristóteles tem seus méritos, nenhum deles derivado da contribuição que fez ao conhecimento econômico.

Como vimos, o que produz valor é o dispêndio de força de trabalho humano. Quando a força de trabalho assume a forma de mercadoria, ela aparece no mercado como uma mercadoria cuja característica principal e especial é criar valor. (Pág. 16).

Sobre isso, já comentei. Mas, como é fundamental, convém agregar mais algumas considerações.

(1) Só com muita ginástica mental, ou propósitos políticos óbvios, alguém pode sustentar a tese “o que produz valor é [exclusivamente] o dispêndio de força de trabalho”. E o trator da fazenda de soja? E o aparato jurídico e administrativo das empresas? E a cultura e normas legais que permitem a coordenação dos esforços produtivos individuais? Sabe qual foi a justificativa de Bill Gates para doar metade de sua fortuna a instituições filantrópicas ou de pesquisa científica? Mais ou menos, esta (cito de cabeça): “o que eu ganhei não se deveu apenas a mim, mas a todas as pessoas com suas habilidades e treinamento, ao ambiente cultural e às normas jurídicas – tudo isso que já existia nos Estados Unidos quando vim ao mundo. Imaginem se eu tivesse nascido [a adição é minha, GMG: na Somália], vocês acham que eu teria chegado onde cheguei?” Portanto, ao abdicar em parte da fortuna que conseguiu produzir, Gates reconheceu que aquele dinheiro todo não resultara apenas de sua inegável genialidade. É claro que alguém poderia dizer: as instituições, a organização, etc., foram criadas pelo trabalho humano. Não há dúvida. Só que: (a) não era isso que Marx tinha em mente ao dizer que só o trabalho cria valor; (b) uma vez criadas e mantidas pela cultura, as leis e a polícia, essas coisas todas passam, elas próprias, a produzir valor ou a serem imprescindíveis à produção de valores. São a diferença entre os Estados Unidos e a Somália. Bill Gates que o diga.

(2) A observação histórica de Marx (a força de trabalho se tornando mercadoria) é importante: já havia formas de trabalho assalariado até mesmo na Grécia Antiga, mas essas eram pouco significativas; sem dúvida é nos tempos mais recentes – os de formação e consolidação do capitalismo industrial, a partir do século 18 – que o trabalho assalariado ganha espaço cada vez maior. Nem tudo o que o alemão escreveu é inaproveitável; algumas de suas análises históricas ainda hoje merecem atenção.

(3) A pergunta que eu faço, mais uma vez, é a seguinte: o que tem isso tudo a ver com o cangaceirismo nordestino?

6.           O Estado

E é justamente através [da] relação jurídica do contrato de trabalho, que trata de forma igual as diferentes capacidades de trabalho, que se consolida a dominação no modo de produção capitalista. É precisamente nesse cenário que surge o Estado. [Negritos acrescentados.] É o Estado que impõe o direito e as relações jurídicas à toda a população contida no seu território, conferindo a todos a qualidade de sujeito de direito e garantindo a exploração da força de trabalho por meio do contrato. Como destaca Lênin: O direito burguês, no que concerne à repartição dos bens de consumo, pressupõe, evidentemente, um Estado burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho capaz de impor a observação de suas normas. (Pág. 18).

Não, o Estado não surgiu com o capitalismo, nem no Brasil, nem em canto nenhum. Vamos negar que houve “estados” no Egito antigo, na China imperial, na Antiguidade clássica greco-romana? No Brasil de Pedro II menor de idade? O que deu a Nero o poder de incendiar Roma? A Calígula, o de promover seu cavalo a cônsul? Até mesmo Lênin reconheceria que houve, sim estados que não eram frutos do capitalismo: note-se que na frase citada ele se refere ao “Estado burguês” e não ao Estado em geral.

No geral, esses instrumentos democráticos, tais quais representação e divisão de poderes, foram e são essenciais para impedir a manifestação da maioria. Apesar da alusão à liberdade e à igualdade, esses princípios são impossíveis de se realizar no capitalismo, que se apoia na desigualdade. Sob esse olhar, a democracia representativa liberal funcionou como uma forma de regulação e manutenção das relações de classes e nunca se consumou naquilo que havia prometido ser. (Pág. 21).

Essa é uma visão essencialmente depreciativa de sociedades democráticas (com ou sem aspas) como a nossa, com altos e baixos, tem sido. Vou por partes:

(1) Os “instrumentos democráticos, tais quais representação e divisão de poderes, foram e são essenciais para impedir a manifestação da maioria”. Que outros instrumentos, então, facilitariam, ao invés de impedir, a manifestação da maioria? A ditadura do proletariado, talvez? Mas as “ditaduras do proletariado” que a história registra – e são muitas – sempre foram ditaduras, nunca foram do proletariado. Pertenceram às elites dirigentes. Alguém acha que no regime político pós-revolução vagamente imaginado por Marx, ou na extinta União Soviética, ou na China pós-1949, ou em Cuba, ou na Coréia do Norte, a “maioria” poderia, pôde ou pode se manifestar? Não seria muito mais justo e correto reconhecer que, a despeito de suas falhas, a representação (assim como a ampla liberdade de opinar, a imprensa relativamente livre, um mínimo de garantia legal do cidadão contra perseguições do próprio Estado) permite, sim, em limites bastante razoáveis, a “manifestação da maioria”?

(2) “Esses princípios [liberdade, igualdade] são impossíveis de se realizar no capitalismo, que se apoia na desigualdade”. Pelo que nos mostra a história, os princípios de liberdade e igualdade têm sido impossíveis de se realizar completamente não só no capitalismo, mas no socialismo, nas monarquias, nas aristocracias, nos despotismos orientais, na Idade Média, na era moderna, na época contemporânea... Nunca existiu um agrupamento humano em que se tenha alcançado algo parecido com “igualdade” entre as pessoas que a compõem. Nem mesmo no “comunismo primitivo” dos selvagens caçadores e coletores (no Brasil, inclusive) que sempre viveram em condições supostamente idílicas, na verdade, miseráveis: o grupo tinha um chefe que era mais igual do que os outros; pajés ou feiticeiros cujos vínculos com as forças sobrenaturais os faziam credores de reconhecimento especial. E tinha, no lado negativo, as mulheres – nenhuma delas elegível à honrosa condição de guerreira –, cuja função era separar braços, pernas e vísceras dos inimigos aprisionados na última guerra, cevados durante meses, mortos a cacetadas e que agora iam virar churrasco. Quem preferir essa igualdade na miséria à desigualdade que temos sob o capitalismo, é só se apresentar numa dessas terras indígenas que estão por aí. Pode ir tranquilo: parece que eles deixaram de comer gente.

(3) Churchill tinha uma resposta pronta a alegações como esta: “A democracia representativa liberal funcionou como uma forma de regulação e manutenção das relações de classes...”. Ele diria o seguinte: a democracia é o pior dos regimes políticos, com exceção de todos os demais.

Segundo, há uma enorme burocracia para que se entre no Estado, que serve justamente para dificultar a participação popular nele. (Pág. 21).

Na época em que meu pai conseguiu seu primeiro emprego público, em Pernambuco, a burocracia para entrar no Estado era pouca: ajudava ser neto de senhor de engenho e, para galgar posições menos mal remuneradas, uma formatura em Direito vinha muito a calhar. Mas a condição essencial era ser apadrinhado por algum político poderoso. Hoje, para se entrar no serviço público de forma estável, é preciso passar num processo seletivo o que, em quase todos os casos, dada a concorrência, exige enorme esforço. Jamais me tinha ocorrido que os concursos públicos foram instituídos para dificultar a participação popular no Estado. Essa proposição é absurda.

O papel do Estado no capitalismo é essencial: a manutenção da ordem – garantia da liberdade e da igualdade formais e proteção da propriedade privada e do cumprimento dos contratos – e ‘internalização das múltiplas contradições’, seja pela coação física, seja por meio da produção de discursos ideológicos justificadores da dominação. (Citação de Silvio Almeida, pág. 22).[3]

Não é apenas no capitalismo que “o papel do Estado é essencial” para manter os fundamentos da sociedade, quaisquer que eles sejam, e para evitar que conflitos internos destruam a vida social. Isso tem sido assim sempre, não importa a época ou o lugar. O Estado existe em todas as sociedades humanas, com exceção daquelas mais rudimentares na técnica econômica, “mais pequenas” na dimensão demográfica, mais isoladas de outros grupos potencialmente inimigos. Em cada uma dessas sociedades com Estados haverá “discursos ideológicos justificadores da dominação” (sim, da dominação). Tais características não são específicas do capitalismo, estamos malhando o Judas errado. Mas, que a mensagem da esquerda – falaciosa, porém fácil de entender; demagógica, mas revestida de falsa erudição; destrutiva, embora se pretenda redentora – rende votos, disso não tenha dúvida.

7.           Nacionalismo, racismo e, mais uma vez, marxismo

Aconteceu uma coisa interessante com o discurso de inspiração marxista que ainda sobrevive em círculos intelectuais não apenas no Brasil, em boa parte do mundo: é que, desde a morte de Karl Marx, em 1883, a História se encarregou de desmoralizar cada uma de suas teses principais. Dele e de seus discípulos. Dou exemplos:

(1) Nunca houve uma revolução marxista no mundo, embora ela fosse um corolário “inevitável” do capitalismo industrial avançado. As que se valeram do linguajar marxista aconteceram em países ou com indústria incipiente (por exemplo, a Rússia, 1917) ou francamente agrários (por exemplo, a China, 1949). Dos outros, nem preciso falar.

(2) Nunca houve um empobrecimento relativo e, depois, absoluto, do proletariado em países capitalistas desenvolvidos. Ao contrário, a classe trabalhadora em lugares como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Japão, nos dias atuais, é muito rica, em comparação com a mesma classe, cem anos atrás. O mesmo se pode dizer do Brasil.

(3) Nunca houve uma concentração industrial irrefreável, ao fim da qual umas poucas companhias gigantescas dominariam todos os mercados.

(4) Nunca houve a superioridade do planejamento central sobre o mercado, uma tese sobre a qual Marx não falou muito, mas seus seguidores, sim.

(5) Nunca houve a necessidade imperiosa de os países capitalistas maiores terem colônias a quem vender seus excessos de produção, sob pena de mergulharem em crises terminais, como marxistas (Lênin, Rosa Luxemburgo e outros) acreditavam.

(6) Na verdade, nunca houve, sequer, um conflito inarredável entre capitalistas e trabalhadores assalariados. A crença de que tal conflito existe resultou, em grande medida, da doutrinação política perpetrada por ideólogos inspirados em Marx. E pelo próprio autor de O Capital, acima de todos.

Essa doutrinação aconteceu fortemente na Europa – onde encontrou campo fértil para prosperar – tendo sido capaz, sim, de influir no curso da História. Pode-se argumentar que, no Velho Continente, a ascensão do capitalismo industrial foi acompanhada de dores de parto associadas ao desmoronamento do velho mundo agrário. Homens, mulheres e crianças expulsos do campo e amontoados em cidades imundas e em fábricas insalubres tinham muito do que reclamar, mesmo que (como parece demonstrado por pesquisas históricas relativamente recentes; os nomes de Jeffrey Williamson e Peter Lindert vêm à mente) os salários reais médios desses trabalhadores tenham crescido durante a revolução industrial. Quando, na Europa ocidental, com a continuidade e consolidação do desenvolvimento capitalista, os trabalhadores puderam se beneficiar grandemente da acumulação de riqueza que estava acontecendo, eles já tinham assimilado uma visão do mundo que enxergava seus interesses como opostos aos dos seus empregadores. Daí a grande força política que partidos socialistas e comunistas chegaram a ter, em vários momentos, no continente.

Nos Estados Unidos, ao contrário, o surgimento da indústria moderna nada teve de traumático. Um dos maiores industriais americanos, Henry Ford, tinha como objetivo (e o alcançou) pagar tão bem aos operários que eles pudessem comprar os carros produzidos em suas fábricas, uma ideia revolucionária para a época. Mesmo que o caso de Ford tenha sido extremo, ganhos salariais expressivos acompanharam, desde o início, o desenvolvimento do capitalismo naquele país. Essa é a razão pela qual, ao contrário do que Marx pensava ter demonstrado que aconteceria inevitavelmente, nunca houve sequer ameaça longínqua de revolução comunista ou socialista ali. Embora disputas salariais existam, ninguém pensaria em descrever os Estados Unidos como um lugar rachado por conflitos entre capitalistas e proletários, cada um dos dois grupos perseguindo interesses opostos. Entre negros e brancos, até que sim, mas essa é outra história.

Acontece que a dicotomia entre os interesses essenciais de capitalistas e trabalhadores é a espinha dorsal de toda a doutrina marxista. À medida em que essa visão do mundo foi sendo desmoralizada pela História, os pensadores da esquerda se viram premidos a lhe fazer os remendos que pareceram possíveis e úteis, garantindo-lhes (aos pensadores de esquerda) a sobrevivência deles próprios e de suas doutrinas insustentáveis. Nesse sentido, eles inventaram recentemente uma ligação essencial entre o capitalismo e o racismo ou entre o capitalismo e o preconceito contra homossexuais. Tenho certeza de que Marx os chamaria de idiotas, se vivo fosse, mas isso não vem ao caso, aqui.

Conjuntamente, essa construção de uma identidade nacional esconde as relações antagônicas das classes dominantes e dominadas, criando a falsa impressão de um todo em prol do bem comum. (...) Dessa formação de uma identidade comum, que impõe e normaliza o padrão de determinado povo, cria-se uma etnicidade fictícia da qual deriva o racismo. (Pág. 23).

Isso significa que a relação entre Estado e sociedade não se apoia apenas no antagonismo de classes. Além do mencionado racismo, também temos as relações de gênero, exploração que se manifesta no aparelho estatal. A divisão social do trabalho ligada ao gênero foi essencial para o desenvolvimento do capitalismo. A divisão dos gêneros em dois, expressa nas relações familiares, também atuou como forma essencial de preencher a lacuna de pertencimento dos indivíduos – e foi igualmente fundamental na formação das opressões contra a população LGBTQIA+. (Pág. 23).

É uma salada de frutas. E tem mais:

O racismo, de acordo com esta posição, é uma manifestação das estruturas do capitalismo, que foram forjadas pela escravidão. Isso significa dizer que a desigualdade racial é um elemento constitutivo das relações mercantis e das relações de classe. (Pág. 27, citando Silvio Almeida).

Então “o racismo (...) é uma manifestação das estruturas do capitalismo”. Mas, Aristóteles já dizia (em Política), mais de trezentos anos antes de Cristo, que alguns seres humanos são, por natureza, feitos para serem escravos; outros, para donos de escravos. Os judeus sefardistas foram expulsos da Espanha em 1492; quatro anos depois, obrigados a se converter ou a ir embora de Portugal. Podemos chamar a convicção de Aristóteles ou a hostilidade aos judeus de racismo? Sem dúvida. Mas, então, há algum racismo que nada tem a ver com o capitalismo. Será que algum tem?

Minha avó Josefa Bahia, alagoana da região canavieira, não era lá muito branca, mas se decepcionou quando seu filho único – meu pai – nasceu com os cabelos encaracolados e a tez muito morena. Aplicava-lhe um grude nos cabelos para os espichar e pó de arroz na pele de Mauro, para ver se ela ficava branca. Não funcionou. Josefa era racista? Certamente, sim e isso não a diferenciava das mulheres e homens (oficialmente) brancos de então. Agora, fosse eu lhe dizer que ela era racista por causa da ascensão do capitalismo que era bem capaz de minha avó me responder assim:

– Seu pai é preto, mas é inteligente; você é preto e burro.

Entre nós, o preconceito contra pessoas de cor tem óbvia relação histórica com a escravidão, não com o capitalismo. A maneira como feita a abolição não ajudou nada os negros a encontrar ou construir para si uma posição econômica e socialmente digna no Brasil pós-1888. Eles deixaram de ser escravos legais, mas foram, por assim dizer, simplesmente, largados na rua. (Contrariando os projetos, por exemplo, de Joaquim Nabuco.) Quem precisa de capitalismo para explicar que, ainda hoje, os negros sejam em grande maioria pobres e, por essas duas razões – pobreza e cor da pele – sujeitos ao preconceito por parte dos (relativamente) ricos e (relativamente) brancos?

8.           A vez do cangaço

Demora, mas LGM termina chegando ao cangaço. Nesta parte de sua tese, ele apenas segue os passos de estudos anteriores, particularmente, Guerreiros do Sol, de Frederico Pernambucano de Mello, um livro excelente. A tentativa de vincular o advento do auge do cangaço à implantação do capitalismo no Brasil é inconvincente. Houve, sim, uma coincidência de datas, nada mais do que isso. Começo com um parágrafo inserido pelo autor nas primeiras páginas do seu trabalho:

O cangaço (...) foi um movimento social que marcou a construção do imaginário do nordestino. Com todas as contradições que o movimento carregou, que vão da crueldade desmedida à associação com coronéis, os cangaceiros foram, nada obstante, elevados em diversas oportunidades à categoria de Robin Hood do sertão. (Págs. 10-11).

O próprio LGM reconhece mais adiante que os gestos à Robin Hood dos cangaceiros eram raros. Na verdade, em todos os casos importantes, o cangaço era um meio de vida permitido por características peculiares do lugar e da época em que ele se desenvolveu, como a incipiente presença do Estado, o alto custo e ineficiência dos transportes e comunicações, e a onipresença de uma economia de baixíssima produtividade e sujeita a oscilações drásticas no sertão nordestino. Cangaceiros eram bandidos, como hoje são bandidos os assaltantes de bancos, os sequestradores, os hackers. Nunca houve nem há ideologia em nada nisso, nem propósitos humanitários ou sociais, nem relação direta com o capitalismo. Só bandidagem embora, como todas, sociologicamente explicável.

Perseguidos pelas forças policiais e taxados de criminosos sanguinários, não deixavam de contar com a admiração de parcela significativa da população. Nesse sentido, Lampião, que de certa forma centraliza na sua imagem o movimento, foi homenageado em 1991, mais de 50 anos após sua morte, com uma estátua em sua terra natal, Serra Talhada. (PE), após consulta em plebiscito com a população do município, aprovada com 76% dos votos, reforçando a narrativa que identifica o líder como herói do povo nordestino. (Págs. 10-11).

Passado meio século da morte do cangaceiro, a votação a favor de Lampião não me surpreende, mas também não prova nada. Quem mais Serra Talhada teria para eleger como herói? Inocêncio Oliveira (político nascido na cidade e que chegou a presidente da Câmara de Deputados, em Brasília) também terá, mais dia, menos dia, uma estátua erguida em praça pública de sua cidade natal. Se não já a tem.

Sobre esse aspecto, cabe destacar a forma como pretendo realizar essa interpretação: o cangaço será compreendido como sintoma do período de transição do escravismo colonial ao capitalismo. (Pág. 42).

O autor não formula nenhum argumento consistente para vincular os dois acontecimentos. Que houve uma coincidência no tempo entre eles, não há dúvida. Mas, coincidências não significam nada. Por exemplo, em 16 de junho de 1938, a seleção brasileira de futebol perdeu para a Itália, na Copa do Mundo, e foi desclassificada; apenas quarenta dias depois, Lampião foi assassinado em Sergipe. O que teve uma coisa a ver com outra, além do fato de que ambas aconteceram no mesmo ano?

A região do Cariri, por exemplo, de 1920 a 1950 tinha uma densidade de 34 habitantes por metro quadrado (sic) e teve um aumento de 200% da população. (Pág. 47).

Há um erro aqui, resultado, claro, de descuido. Trinta e quatro habitantes por metro quadrado são um espanto! Os nove municípios da atual Região Metropolitana do Cariri cearense têm uma superfície total de 5.460 km2 (IBGE), ou 5.460.000.000 m2. Se a densidade fosse mesmo de 34 hab/m2, em 1920-50, a população vivendo ali alcançaria 185,6 bilhões de pessoas. Padre Cícero ia achar muito bom, mas teria dificuldade de abrigar tanta gente no Juazeiro.

Tanto assim, que um dos tipos de cangaceirismo que será conceitualizado pelo historiador é o cangaço de vingança, que, de forma simples, abarcava aqueles que ingressaram na vida bandoleira para efetuar alguma vingança – sendo Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira seus principais representantes. (Pág. 52).

Até quem, no início, só queria se vingar de seus inimigos tinha de comer. Era difícil voltar a uma vida normal, pacata, de agricultor, após perpetrar a vingança. Portanto, o cangaço, mesmo quando começava assim, terminava virando meio de vida.

A vingança também exercerá papel crucial naquele que seria o segundo tipo de bandoleiros: o cangaço de refúgio. Tipo de menor relevância entre os três que serão expostos, este se caracteriza por ser um cangaço de defesa. Basicamente, é aquele que recorre ao cangaço para se blindar de possíveis consequência de uma vingança executada. (...) Por último, a terceira e última modalidade dessa divisão foi nomeada cangaço-meio de vida, sendo aquela de maior relevância. (Pág. 53).

Lampião se enquadra nessa última categoria, como ele próprio admite. (Pág. 53).

Não quero que fique a impressão equivocada de que os cangaceiros representaram um desafio ao poder dominante no sertão. Nesse sentido, eles apenas se articularam dentro dessa disputa de poder, o que incluiu tudo que foi descrito acima. (Pág. 64).

O cangaceirismo não foi um movimento político, nem os cangaceiros eram Robin Hoods ou algo assim. Foi apenas uma atividade criminosa regular. É compreensível que cangaceiros e coronéis tenham estabelecido, em alguns casos, relações de cumplicidade e mútua dependência. Afinal, havia muitas maneiras de um grupo ajudar o outro. E, quanto menos eles brigassem entre si, melhor para os dois.

Apesar da afeição da população pelos cangaceiros, também havia ali um duplo sentimento. Ao mesmo tempo, são conhecidas outras ocasiões em que os cangaceiros faziam pequenos gestos para a população, como a doação de alguns materiais de valor, mas nada perto de justificar a fama de Robin Hood de que os bandoleiros viriam a gozar. (Pág. 65).

Essa “fama de Robin Hood” é uma criação recente do pensamento de esquerda; não me parece haver nenhuma evidência de que o povo sertanejo na época considerasse os cangaceiros gente boa. Muito comodamente, os autores do mito esperaram oitenta anos desde a morte de Lampião e de seu bando para enaltecê-los. Queria ver se algum professor da Faculdade de Direito de São Paulo que morasse em Mossoró (RN) em 1927 – quando a cidade foi atacada pelos criminosos – teria dormido tranquilo com a certeza de que aqueles rapazes não iriam fazer mal a gente pobre como ele.

Partindo do ponto de que foram superadas as razões de explosão do cangaceirismo – vinculadas ao momento de franca desarticulação social, típica do momento de transição –, quero terminar apresentando as conclusões a que este estudo me levou: os motivos pelos quais a solidificação do capitalismo no país como forma social hegemônica foi, também, a alcova do cangaço. (Págs. 70-71).

Os “momentos de franca desarticulação social” no sertão nordestino, entre 1888 (abolição da escravidão) e 1938 (assassinato de Lampião e de seu bando) estão relacionados às secas que, periodicamente, transformavam agricultores mal nutridos em flagelados famintos. Não têm nada a ver (exceto pela coincidência no tempo) com a transição para o capitalismo. Até porque, nesse período, o sertão não estava transitando para lugar nenhum, muito menos para o capitalismo.

Eu, de modo algum, divergirei quanto aos motivos da queda dos cangaceiros. Apenas preferirei chamar esse conjunto de razões de capitalismo e, mais especificamente, Estado. Sendo essa a conclusão maior desta tese, passo a demonstrar como a consolidação do capitalismo como forma de organização social soberana no Brasil foi determinante para o remate desse fenômeno, associando-a ao soerguimento do Estado. (Pág. 74).

O cangaceirismo morre, ou muda drasticamente de forma, em resultado de fatores como a melhoria dos transportes e comunicações (construção de rodovias, ferrovias, difusão do rádio e do telégrafo), o fortalecimento do poder central (dos estados, antes mesmo que do país), os acordos políticos que permitem à polícia de um estado atravessar as fronteiras com outro durante a perseguição aos bandidos. Chamar esse “conjunto de razões” de “capitalismo e, mais especificamente, Estado” não acrescenta nada ao entendimento do assunto.

Por fim, tem-se o progresso tecnológico como grande elemento para o extermínio do cangaceirismo. (Pág. 76).

Quem precisa recorrer à consolidação do capitalismo no Brasil se é tão mais simples dizer isso que está escrito acima?

9.           Considerações finais

Volto ao ponto de partida. Esses comentários suscitados pela tese de LGM também podem ser vistos como os que o Gustavo maduro – instruído por seis décadas de leituras, reflexões diárias sobre a realidade brasileira e mundial, estudos sistemáticos e passagens pelos governos municipal, estadual e federal – dirige ao Gustavo jovem, estudante de economia nos anos 1967-70, revoltado com a situação política em nosso país e, sobretudo, com o espetáculo de pobreza generalizada que, mais ainda do que hoje, se escancarava diante de todos em Pernambuco e no Brasil.

Como não ser mordido pela mosca azul dos diagnósticos fáceis e das soluções mágicas, que sempre foram a marca distintiva do pensamento esquerdista? “O problema da pobreza é político”; “só a revolução social redimirá o país”; “o Brasil é pobre porque o capital imperialista nos subtrai as riquezas”; “reforma agrária na lei ou na marra; “o lucro é o roubo” – e tantas outras. Pois eu fui atraído por esse discurso, embora, desde os tempos mais remotos, tenha também me defendido das crenças sectárias, evitado filiações partidárias que me tolhessem a liberdade intelectual, aprendido a lição de Bertrand Russell segundo a qual mais importante que a vontade de crer é a coragem de duvidar.

Vou pôr a questão em termos mais amplos. Nos anos sessenta do século passado – são os que me interessam, no momento, mas o que irei dizer não se restringe a eles – duas ideologias político-econômicas respeitáveis, com graus diferentes de elaboração, competiam (não apenas) no Brasil. Uma delas, de raízes marxistas, enfeitiçava a esquerda, os que queriam respostas rápidas e vigorosas contra as mazelas do mundo. Todas as frases-manifesto relembradas no parágrafo anterior faziam parte dessa visão de mundo. Se a gente só pudesse usar uma palavra para descrevê-la, essa palavra seria “revolução”. Se duas, “reformas radicais”.

A outra grande ideologia, cujos fundamentos filosóficos são dispersos, reconhecia a existência de mazelas. Seus defensores compartilhavam com os adversários o desejo de resolvê-las, mas reconheciam a dificuldade inerente a isso. Preferiam abordagens passo-a-passo a rompimentos; argumentavam que o problema da pobreza não era político, mas econômico; que a revolução social, ao invés de salvar o país, o arruinaria, beneficiando apenas os grupos que viessem a se apoderar do Estado; que o Brasil não estava em má situação econômica por causa do capital estrangeiro, ao contrário, precisava dele para sair da pobreza; que fazer a reforma agrária na lei ou na marra, como um ato de rebeldia e desafio, provocaria o colapso da produção agrícola, com graves prejuízos para todos; que, ao invés de ser moralmente condenável, o lucro era o que movia os empresários a aumentar a produção, expandir o emprego, gerar, enfim, as condições necessárias para a superação da miséria. É difícil resumir isso tudo em uma ou duas palavras, porém não seria errado dar o rótulo “desenvolvimento” ou “gradualismo como método” a essa visão.

A segunda maneira de ver o mundo e de transformá-lo, já se vê, não tinha a mínima possibilidade de vencer o debate intelectual que então se travava, exceto, talvez, em círculos muito restritos. Faltava-lhe (ainda hoje falta) o discreto charme das teses dicotômicas e das promessas mirabolantes. O texto de LGM ecoa algumas dessas palavras de ordem que a esquerda jogava na cara dos que defendiam o discurso gradualista. Aquela frase dele, que eu comentei (“Esse princípios [liberdade, igualdade] são impossíveis de se realizar no capitalismo, que se apoia na desigualdade”) era aplicada em diversas variações para desacreditar tudo o que o gradualismo como método, a direita respeitável, propunha. E com que efeitos! (Usei o adjetivo “respeitável”, para diferenciar essa direita da outra simplesmente reacionária, quando não fascista, mas é bom lembrar que havia também uma esquerda “não respeitável” que, em vez de lutar por ideias, assaltava bancos e explodia bombas em aeroportos.)

Esse foi o quadro do embate ideológico com que o jovem estudante de economia (e, paralelamente, jornalista profissional, cobrindo a área política para o Jornal do Commercio do Recife), leitor assíduo de livros, jornais e revistas desde criança, se deparou nos anos sessenta do século passado. Com as ressalvas já mencionadas, eu era, francamente, “de esquerda” ao defender reformas radicais, embora desconfiasse da revolução. E assim continuei por um bom tempo depois de formado: essa opção político-intelectual marcou, por exemplo, minha tese de Ph.D. defendida em dezembro de 1983, nos Estados Unidos. Não se trata de uma tese ruim, longe disso. Tanto que foi aprovada sem problemas e selecionada para publicação comercial na forma de livro por uma editora de Nova York (1986). Hoje, entretanto, eu não a aprecio, exatamente, pelo ranço esquerdista que dela emana.

Mas, quando minha opção intelectual migrou da esquerda tudo-ou-nada para a direita respeitável? Não aconteceu num piscar de olhos. A mudança foi construída aos poucos, pela reflexão sobre acontecimentos marcantes, alguns deles anteriores até mesmo à entrada na universidade. Destaco a revelação das atrocidades de Stálin (a partir de 1956); o banho de sangue que se seguiu à revolução cubana (1959); a construção do muro de Berlim (1961); os erros graves da interpretação esquerdista da realidade brasileira, que facilitaram a derrocada de 1964; o indefensável governo João Goulart (1961-64); as conversas com meu tio Hermano Cardoso Pedrosa, professor nas faculdades de Engenharia e de Economia em Maceió, gradualista, sim, uma das influências mais estimulantes que tive na vida; o aprendizado da boa macroeconomia com Affonso Celso Pastore, durante o mestrado em São Paulo (1971-72); a leitura do livro Brasil 2001, de Mário Henrique Simonsen (1972); (pelo lado negativo, o contato com livros dogmáticos, horrorosos – um dos quais sobre a história do pensamento econômico – editados pela Academia de Ciências da União Soviética e traduzidos para o português); o estudo da teoria neoclássica dos preços em livros como os de Charles Ferguson, Robert Dorfman e Robert Heilbroner (1973-76); o acompanhamento à distância (eu morava, nessa época, na Inglaterra) da elaboração da Constituição brasileira (1988), um monumento à irracionalidade que deu um nó indesatável no desenvolvimento de nosso país; a vivência próxima, em Cambridge, dos atos do governo Thatcher (1979-90); a revelação das políticas alucinadas de Mao Zedhong na China (1958-62; 1966-76) que mataram de fome cerca de cem milhões de pessoas; a implantação do capitalismo naquele país, após a morte de Mao, no início, com Deng Xiaoping à frente (desde 1979); o reconhecimento de que Ronald Reagan foi um grande presidente dos Estados Unidos (1981-89); os esforços desesperados e frustrados de Mickail Gorbachev (1985-91) de reformar econômica e politicamente o comunismo em seu país; a queda o muro de Berlim e a constatação de que as pessoas, sem exceção, queriam sair do “paraíso socialista” para o “inferno burguês” e não o contrário; a derrocada do império russo e do socialismo, primeiro, nos países satélites e, por fim, na própria União Soviética (1989-91).

Cada um desses fatores minou um pouco minhas convicções esquerdistas, até que não havia mais nada para salvar. Houve outros, pois – mais no resto do mundo do que no Brasil – o gradualismo, ou seja, a recusa à revolução ou às reformas radicais como método, acumulou um ponderável saldo de realizações positivas: um quarto de século de crescimento econômico firme e a concomitante construção do Estado de Bem Estar na Europa ocidental (1946-70); a reabilitação econômica da Grã Bretanha durante e após o governo Thatcher; a vitória dos Estados Unidos na guerra fria e na competição econômica com a antiga União Soviética (1991); o espetacular êxito desde 1979 da China economicamente capitalista e, começando antes disso, o surto de prosperidade também capitalista dos “tigres asiáticos”; a consolidação da União Europeia, especialmente, após Maastricht (1993).

Enfim, a experiência que vivi, desde os anos 1960, pode ser descrita, à maneira de síntese, desta maneira: o capitalismo – que se fez acompanhar na Europa ocidental, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e outros países, pela democracia liberal – construiu a melhor sociedade que a espécie humana já teve, desde que os primeiros homo Sapiens deixaram a África. A mais rica. A mais politicamente livre. Desigual, como todas, mas com distâncias econômicas sociais toleráveis entre seus integrantes, muito menores do que havia sido a norma anterior. Em contraste, os regimes socialistas ou comunistas – tão ao agrado da esquerda – produziram a estagnação econômica, crises severas de fome e ditaduras ferozes. Não há comparação.

Sei que dificilmente LGM irá se convencer disso, agora. Algum dia, no futuro, talvez.



[1] Ph.D. em economia.

[2] Bruno A. Picoli, “Jacob Gorender, o escravismo colonial e um debate ainda atual”, s/d, sem identificação de local onde possa ter sido publicado, disponível na internet.

[3] Sílvio Almeida, conforme me informa a Tese de Láurea, é professor de Direito na Faculdade em que se formou LGM. O que pode, parcialmente, explicar a insistência do aluno em repetir chavões agradáveis ao pensamento da esquerda (afinal, ele queria ter seu trabalho aprovado), mas desastrosos como instrumentos para se enxergar e entender a realidade.