domingo, 4 de junho de 2017

Murici, Branquinha e o açúcar em Alagoas (1931)

Gustavo Maia Gomes



Berço da família Maia Gomes, Murici (que, então, incluía Branquinha), era sede de cinco usinas de açúcar, em 1931. Onze anos antes (1920) seu produto interno bruto – uma medida da criação anual de riqueza – equivalia a quase sete por cento do PIB total de Alagoas. Desde então, o declínio foi abrupto: em 2010, a mesma relação não alcançava um por cento. Murici e Branquinha foram municípios prósperos na era da cana e do açúcar. Hoje, praticamente, já não se planta cana por ali. Nem outra coisa qualquer. 

Mas isso é apenas uma introdução para um assunto mais amplo. Um site de grande valor para os interessados é História de Alagoas (www.historiadealagoas.com.br). Nele descobri a obra Alagoas em 1931. Trata-se de uma descrição quantitativa – enriquecida por análise dos dados – da demografia, economia, vida administrativa e financeira do Estado, naquele ano específico. Análise lúcida e ainda válida, mesmo passado todo este tempo.

Conforme esclarece o site mencionado, “com a apresentação do interventor, capitão Tasso de Oliveira Tinoco, que governou Alagoas entre 31 de outubro de 1931 e 25 de outubro de 1932, o livro Alagoas em 1931 é um dos grandes trabalhos do historiador Craveiro Costa, que à época era o Diretor do Serviço de Estatística do Estado de Alagoas, cargo que assumiu em 12 de setembro de 1931. O livro (...) foi lançado no final do ano seguinte e recebeu muitos elogios pela qualidade das informações ali publicadas”. (http://www.historiadealagoas.com.br/alagoas-em-1931-de-craveiro-costa.html)

As usinas de Alagoas em 1931

Ao apresentar suas informações e análises sobre a agroindústria canavieiro-açucareira em Alagoas, Craveiro Costa se baseia fortemente em monografia inédita de Evaristo Leitão, chefe da Inspetoria Agrícola do Estado. Uma informação preciosa está na página 77 do livro: a relação das usinas existentes em Alagoas no ano de 1931, distribuídas pelos municípios onde ficavam e indicados os seus proprietários. Reproduzo abaixo a informação coligida por Craveiro Costa.

Usinas de açúcar em Alagoas, 1931


Usina

Município

Proprietário
1
Brasileiro
Atalaia
Vandesmet & Cia.
2
Ouricuri
Atalaia
M. Tenório de Albuquerque Lins
3
Rio Branco
Atalaia
União Agrícola S/A
4
Uruba
Atalaia
C. Açucareira Alagoana S/A
5
Capricho
Capela
Clovis Tenório
6
João de Deus
Capela
José Otavio
7
Coruripe
Coruripe
Usina Coruripe S/A
8
Santa Felisberta
Maragogi
Dr. Jorge de Sales
9
Alegria
Murici
Pedro Cansanção & Cia.
10
Campo Verde
Murici
Usina Campo Verde S/A
11
Esperança
Murici
Esperança Agrícola S/A
12
Mucuri
Murici
Pedro Cansanção & Cia.
13
São Semeão
Murici
Lopes Omena & Cia.
14
Água Comprida
Camaragibe
José H. Fernandes
15
Bom Jesus
Camaragibe
L. Paturi & Cia.
16
Camaragibe
Camaragibe
Luís de Mascarenhas
17
Central Leão
Santa Luzia do Norte
Leão Irmãos
18
Pau Amarelo
Santa Luzia do Norte
The Geo L. Squier Inf. Co.
19
Apolinário
São José da Lage
Carlos Lira & Cia.
20
Serra Grande
São José da Lage
Carlos Lira & Cia.
21
Conceição do Peixe
São Luís de Quitunde
Dr. Enéas Pontes
22
Pindoba
São Luís de Quitunde
João P. da Costa Pinto
23
Santo Antonio
São Luís de Quitunde
S. Pragana & Cia.
24
Terra Nova
Pilar
Dr. Eusínio Medeiros
25
Laginha
União
Usina Laginha S/A
26
Porto Rico
Leopoldina
Ezequiel Siqueira Campos
27
Cansanção do Sinimbu
São Miguel dos Campos
Cia. Cansanção do Sinimbu S/A

Das 27 usinas (onde aparecem a Campo Verde, dos irmãos Maia Gomes, e a Uruba, à época pertencente ao meu avô materno Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa e seus irmãos), três não moeram na safra 1930/31: as Rio Branco, Pau Amarelo e Laginha. A produção de cada uma das demais, em ordem decrescente, também foi fornecida por Craveiro Costa (Pág. 78). Branquinha ainda era um distrito de Murici. Neste município havia cinco usinas instaladas: Alegria, Campo Verde, Esperança, Mucuri e São Semeão. Todas em atividade.

Usinas de açúcar em Alagoas e respectiva produção (Sacos de 60kg; safra 1930/31)


Usina

Produção (sacos)
1
Central Leão
234.000
2
Serra Grande e Apolinário
183.015
3
Brasileiro
90.000
4
Cansanção do Sinimbu
47.173
5
Uruba
44.000
6
Coruripe
43.000
7
Esperança
36.160
8
Alegria e Mucuri
30.000
9
São Semeão
29.270
10
Ouricuri
22.000
11
Campo Verde
20.161
12
João de Deus
19.000
13
Santo Antonio
15.000
14
Conceição do Peixe
15.000
15
Capricho
14.600
16
Camaragibe
7.500
17
Água Comprida
6.500
18
Bom Jesus
6.000
19
Porto Rico
6.000
20
Pindoba
1.960
21
Santa Felisberta
1.920
22
Terra Nova
1.916

TOTAL
873.175

Além das usinas, continuavam a existir os engenhos banguês. Cito Craveiro Costa: “funcionam no Estado cerca de 1.000 engenhos, aproximadamente, que fabricam açúcar e rapadura, em quase todos os municípios. Desses engenhos, 618 estão situados na zona propriamente açucareira, distribuídos pelos seguintes municípios”.

Engenhos de açúcar em Alagoas: distribuição por municípios (Safra 1930/31)

Alagoas [Marechal Deodoro]

7
Anadia
32
Atalaia
70
Camaragibe
61
Capela
50
Coruripe
14
Leopoldina
13
Limoeiro
13
Maceió
17
Murici
42
Maragogi
23
Porto Calvo
55
Porto de Pedras
18
Pilar
29
São Luís de Quitunde
56
São José da Laje
11
São Miguel dos Campos
34
Santa Luzia do Norte
29
União [dos Palmares]
42
Viçosa
10

Ainda de acordo com o livro Alagoas em 1931, “Desses engenhos cerca de 40% estão de fogo morto, isto é, não fabricam açúcar, limitando-se à cultura da cana para fornecimento às usinas que lhes ficam próximas. A produção de açúcares inferiores produzidos nos engenhos banguês pode ser avaliada em 400.000 sacos, dos quais cerca de 300.000 deram entrada nos armazéns e trapiches do Jaraguá para, devidamente beneficiados, serem exportados com a denominação comercial de mascavado”.

Ou seja, iniciada a terceira década do século XX, ainda havia grande quantidade de engenhos em Alagoas os quais, em conjunto, produziam quase metade da quantidade física de açúcar saído das usinas.

Declínio das exportações

Para mostrar que, numa visão de longo prazo, as usinas tinham se expandido muito, o autor cita “o inquérito industrial de 1907, o primeiro que se realizou no país, por iniciativa do Centro Industrial do Brasil [que] apurou a existência de 6 usinas açucareiras em Alagoas. 828 trabalhadores”. Treze anos depois, “em 1920, o número de usinas [se havia elevado para] 15, com 941 trabalhadores. Em 1931, [as usinas] eram 27 e havia 6.284 operários”.

Apesar desses números, a agroindústria alagoana do açúcar não estava vivendo um momento favorável, naquele ano, em virtude, sobretudo, da crise externa, que prejudicava as exportações de todos os produtos brasileiros. “As cifras ultimamente divulgadas pelo Monitor Mercantil, que se publica no Rio de Janeiro”, escreveu Craveiro Costa, “demonstram a decadência da exportação de açúcar brasileiro para os diferentes países estrangeiros que outrora se abasteciam do produto nacional. O pouco que ainda se encaminha para fora do país representa grande sacrifício para os cofres públicos em consequência da isenção de impostos, isenção que permite a saída a preços vis, a fim de que se valorizem os estoques internos”. (Pág. 79)

A consequência disso era que se podia “considerar perdido para o nosso açúcar [brasileiro e, consequentemente, alagoano] o mercado estrangeiro”. Como resultado, “o produto de Alagoas se encaminha para o Sul [designação que, à época, englobava o atual Sudeste], especialmente, o Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul”. Havia um problema à vista, entretanto, pois, “São Paulo procura libertar-se, desenvolvendo a sua produção, que já é superior à  nossa. Quando nos faltar este mercado, que faremos do excesso de nossa produção?”

Craveiro Costa recomendava uma maior diversificação agrícola de Alagoas, embora negasse, com números, que o Estado era monocultor de cana-de-açúcar, pois também tinha produção apreciável de milho, o algodão e a mamona, que poderiam ser mais desenvolvidos. A pecuária também deveria merecer maiores cuidados, como forma de reduzir os impactos da possível perda também do mercado interno de açúcar para os concorrentes paulistas.

Alfredo de Maya e as tarifas ferroviárias

Um dos problemas do açúcar se devia às tarifas cobradas pela empresa ferroviária que controlava o transporte do açúcar (em alguns casos, também da cana), a inglesa Great Western. Cito Craveiro Costa: “A lavoura da cana e a indústria do açúcar são rudemente alcançadas pela exorbitância das tarifas e taxas da Great Western of Brazil Railway Co. Ltd., que traz na sua dependência os destinos econômicos de Alagoas, Pernambuco, grande parte da Paraíba e Rio Grande do Norte, em virtude do seu tráfego de 1.628 quilômetros de vias férreas”.

Em consequência, não seria, portanto, para esses Estados, uma realidade o “conceito de que as estradas de ferro são um fator de desenvolvimento agrícola, comercial e industrial dos povos, porque proporcionam transporte rápido e barato, facilitam a circulação dos produtos e aumentam a capacidade produtiva do homem”, porque a Great Western apresenta efeitos inteiramente opostos a esse conceito, como documentalmente demonstrou, em recente trabalho, o sr. dr. Alfredo de Maia [sic].

Alfredo de Maya (pai de Maria Emília, que se casou com Manuel Maia Gomes) era uma pessoa de grande destaque no Estado de Alagoas naquele tempo. Foi o primeiro Secretário da Fazenda de Alagoas em seguida à Revolução de 1930, ocupou a presidência do Banco Agrícola e assumiu também, depois disso, a presidência da Usina Campo Verde S/A, de acordo com depoimento escrito em 1944 por Benon Maia Gomes.

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