Gustavo Maia Gomes
“No princípio, era o verbo”, diz
a Bíblia, descrevendo a criação do mundo; “no princípio, era a verba”, dizem os políticos, justificando
a ocupação dos ministérios. Já os economistas, se quisessem produzir uma frase comparável,
talvez dissessem: “no princípio, era o PIB”. No princípio, talvez; hoje, não
mais. Pois temos o PIB, o IGP, o IPC, o IDH... Com três letras, explicamos o
mundo.
– Ah, tem um com quatro: o IFDM...
– Como assim, IFDM?
É o Índice Firjan de
Desenvolvimento Municipal. Com um número para cada município, ficamos sabendo
tudo sobre ele. Esta semana, foram divulgados os resultados de 2009. Deu na TV
Globo e em todos os jornais. Um sucesso. Firjan, para quem não sabe, é a
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Ela nos informa que o
IFDM acompanha três áreas de
desenvolvimento: Emprego&Renda, Educação e Saúde e utiliza-se exclusivamente
de estatísticas públicas oficiais. Sua leitura é simples, o índice varia de 0 a
1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade.
– Entendi.
REFERÊNCIA
Segundo a Firjan, seu índice de
quatro letras está “consolidado como referência para o acompanhamento do
desenvolvimento socioeconômico brasileiro”. Deve ser verdade, embora um
distraído perguntasse como é que o “desenvolvimento socioeconômico brasileiro” poderia
ser “acompanhado” sem qualquer informação sobre insegurança pública, níveis de
corrupção, intolerância com minorias, práticas antidemocráticas, restrições à
informação, exposição à imbecilidade cultural, entre outras.
Na verdade, o índice Firjan “utiliza-se
exclusivamente” das estatísticas que abrangem todos os municípios e são divulgadas
anualmente. Não são muitas. Esta é a chave para entender a exclusão de tantos
aspectos, obviamente, relevantes para “acompanhar o desenvolvimento
socioeconômico dos municípios brasileiros”. Nada contra a Firjan calcular seu
índice de quatro letras; mas ele deveria ser apresentado como mais uma informação, possivelmente
interessante, sobre a situação dos municípios. Referência de nada.
DIVIDIDO EM DOIS
Olhando desde um prisma regional,
qual foi a grande descoberta do IFDM? De acordo com seus próprios autores, esta:
Os níveis de desenvolvimento
encontrados nos 5.564 municípios brasileiros em 2009 continuam dividindo o
Brasil em dois. Por um lado, as regiões Sul e Sudeste — que juntas possuem 51%
dos municípios brasileiros — mantiveram a maciça predominância entre os 500
maiores IFDMs com 91,2% de participação em 2009. Por outro lado, Norte e
Nordeste — onde estão 40% dos municípios brasileiros — permaneceram dominantes
entre os 500 menores, com participação de 94,4% nessa faixa do ranking.
Por um lado, ótimo; confirma o
que já sabíamos. Por outro, é uma informação preocupante. Pois, se o Brasil tem
cinco regiões e, quando ele é dividido em dois, uma delas desaparece, ficamos
sem saber se o Centro-Oeste já declarou a independência ou se, apenas, a Firjan
se esqueceu de contá-lo como parte do país.
Felizmente, não foi uma coisa,
nem outra:
Nesse cenário, destaca-se a
movimentação do Centro-Oeste que, além de ter conquistado alguns lugares entre
os 500 maiores IFDMs, se consolidou como um novo Sudeste ao apresentar distribuição
dos municípios por grau de desenvolvimento similar a essa região.
Ou seja, a Firjan sabe que o
Centro-Oeste existe e até que se “movimentou” direito. Foi, talvez, por causa
de tanta movimentação que o IFDM não o achou em canto nenhum, quando dividiu o
Brasil em dois pedaços.
AGORA, FALANDO SÉRIO...
Qualquer instituição tem todo o
direito de produzir seus índices e, se as pretensões forem mantidas em limites
razoáveis, tais exercícios podem, sim, contribuir para nosso conhecimento do
mundo. Mas, em última análise, o problema com esses indicadores – e o divulgadíssmo
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU) merece a mesma crítica – é sua
arbitrariedade.
Educação, saúde, renda são
aspectos importantes do bem-estar ou mal-estar social, mas se eu inventar um
índice que multiplica a renda pela raiz quadrada da saúde e pelo quadrado da
educação terei, no fim, um número, mas não um significado. Porque não o
quadrado da renda somado com o logaritmo da educação e multiplicado pelo cubo
da saúde?
No fim das contas, o conhecimento
que se dane. Três letras juntas, como IDH, ou quatro, como IFDM, são vendidas à
opinião pública para promover seus criadores. Nisso, sim, são um sucesso.
Referências:
Firjan, “IFDM: Índice de Desenvolvimento Municipal, 2009”, Rio de
Janeiro, 2011. Disponível em http://www.firjan.org.br/IFDM/download/IFDM_2009.pdf
(As citações são das páginas 1 e 2)
(Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com, 6 nov 2011)
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