quinta-feira, 20 de junho de 2013

Gabriela e suas amigas também querem passeata

Gustavo Maia Gomes

Minha filha mais nova tem 16 anos. Cursa a terceira série do ensino médio. Algumas de suas colegas e amigas vêm aqui em casa com certa frequência, de modo que as conheço razoavelmente bem. Não existem muitas diferenças intelectuais entre elas. Mas há algumas. Gabriela, talvez única entre as companheiras, gosta de livros. Os de Harry Potter, que têm, em média, de 300 a 400 páginas, ela os leu há anos. Outras leituras se sucederam e sucedem, embora quase todas sejam romances adocicados. De todo modo, a despeito de minhas tentativas em contrário, seu interesse em temas políticos e sociais nunca foi perceptível. Nem o de suas amigas e colegas. Bem, elas ainda são adolescentes...
Mas, o que isso tem a ver com os protestos nas ruas que parecem não ter fim, neste junho de 2013? Muito. Há três dias, Gabriela puxou uma conversa comigo e Lourdes. Perguntou o que achávamos dessas manifestações; expressou o desejo de participar da que vai haver, hoje, no Recife; quis saber a que horas é transmitido o Jornal Nacional. Fiquei contente em ouvi-la. Afinal (assim pensei, num primeiro instante), aquilo era uma demonstração de crescimento intelectual. Não apenas dela. Segundo me revelou, o assunto todo tornou-se momentoso também entre suas colegas e amigas. Dei vivas à passeata, detonadora de tão grandes transformações na cabeça das meninas.
Será, mesmo? Tomara que sim,  mas não há como fugir a outra interpretação. No mundo de minha filha, assim como no nosso, o assunto “protestos de rua” entrou na pauta por avassaladoras razões midiáticas. Está todo mundo falando nisso, nas redes sociais, no colégio, e fora dele, quase sempre, em tom aprovativo. É um movimento com forte participação dos jovens. Gabriela e suas amigas não podem ficar de fora. O quê, mesmo, querem os manifestantes? Elas não sabem direito, mas consideram o protesto válido, necessário e oportuno.
É possível que Gabriela haja, realmente, começado a ter interesses e preocupações que transcendem os enredos de romances juvenis. Contudo, se minha filha adolescente e suas amigas e colegas forem, hoje, para as ruas, elas não irão porque se sentem moralmente compelidas a protestar contra a corrupção, o preço das passagens, ou a alta carga tributária, pois suas ideias sobre essas coisas ou são muito vagas ou completamente inexistentes. Elas irão para as ruas porque outras Gabrielas, com suas respectivas amigas e colegas, para as ruas irão. Não é muito diferente de se juntar a um carnaval fora de época.
Nada há de depreciativo nisso. Minha filha vive a idade dela. Seu interesse por livros denota curiosidades muito mais amplas que as de tantas outras pessoas. Virá o momento em que ela definirá seus objetivos de adulta e terá sucesso em alcançá-los, no que estará seguindo os passos de seus quatro irmãos. No devido tempo, Gabriela saberá muito sobre corrupção, preço de passagens, carga tributária -- e formará opiniões honestas e esclarecidas sobre cada uma dessas coisas. Isso não acontecerá com todo mundo, mas todo mundo irá para as passeatas, se passeatas houver e se o risco de delas participar for baixo.

Eis o que estou querendo dizer: no atual caso brasileiro, os protestos se multiplicam não devido à imperiosidade de alcançar os objetivos políticos ou morais que os jovens ou adultos resolveram assumir como seus, do dia para a noite. Longe de mim negar que sobrem motivos para indignação: nunca antes na história deste país os houve em tal abundância. Mas não me parece que as pessoas que estão indo às ruas saibam mesmo contra o quê estão protestando -- exceto, talvez, no caso das  passagens de ônibus. Na verdade, pouco importam os objetivos (vagos, difusos, sem foco), muito importa a festa. As manifestações assumiram uma endogenia irracional: a passeata de ontem é a razão de ser das passeatas de hoje e amanhã. 


Se não vier coisa pior por aí (e pode vir, dada a reincidência do vandalismo), tudo continuará a ser, apenas, pitoresco -- embora amedrontador, para os poderes vigentes. Vamos continuar vivendo naquele mundo do náufrago espanhol que, chegando a uma ilha perdida no meio do oceano, trava o seguinte diálogo com o primeiro selvagem que encontra:
-– Hay gobierno?
 -– Hay.
 -– Soy contra.

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