domingo, 5 de fevereiro de 2017

Um certo coronel Basiliano


Construção da Praça Basiliano Sarmento, União dos Palmares (AL), 1940. (Foto colhida em
http://www.jmarcelofotos.com/2014/09/1940-construcao-da-praca-basiliano.html, Blog J. Marcelo Fotos, que as recolheu do acervo de Maria Mariá)




















Reconto a seguir, tendo-as ouvido primeiro de Arnoldo Gomes de Barros, três histórias envolvendo Basiliano Sarmento, o riquíssimo coronel de União dos Palmares (AL), que viveu entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX.

MACONDO EM UNIÃO

Macondo é uma cidade inventada por Gabriel Garcia Marquez. Ali, os Buendía viveram sua saga, sempre tendo como referência a casa mandada construir pela matriarca Úrsula, no começo da história, casa essa que sobrevive a cem anos. Cem Anos de Solidão. União dos Palmares é um município alagoano. Ali se instalou, nos anos 1600, o Quilombo dos Palmares, onde viveu e morreu Zumbi. Ali está Anhumas, a fazenda pertencente aos Padilha Maia Gomes, com sua Casa Grande mais que centenária. 

Entretanto, naquilo que vou contar, não são as casas que unem os dois lugares. São santos de barro, em Macondo, e botijas, em União, que guardavam fortunas, defendidas com zelo por Úrsula Buendía e pelo coronel Basiliano Sarmento.

Em Cem Anos de Solidão, viajantes deixam dois santos de barro na casa de Úrsula Buendía. Pedem para que ela os guarde; logo voltariam para apanhá-los. Mas, nunca regressam. Durante anos, esperando a volta dos donos, os santos ficam na sala. Certo dia, alguém, acidentalmente, quebra um deles, que se revela cheio de moedas de ouro. A cobiça, imediatamente, toma conta dos Buendía, mas Úrsula não permite a ninguém por a mão nas moedas. Enterra os santos em lugar que nunca iria revelar.

Morta Úrsula, um de seus netos se põe, alucinadamente, a escavar a casa e os arredores, em busca dos santos de barro recheados de ouro. Faz o maior estrago, mas não os encontra. Eles só aparecem no final da história, por obra do acaso.

Em União dos Palmares, Basiliano Sarmento, o coronel cheio de dinheiro, vivia sozinho em seu solar. Não tinha mulher, nem filhos. Quando morreu, sua fortuna em terras, escravos e imóveis foi apropriada por gente que seria acusada de fazer tramoias legais. Antonio Silvestre, um nome que acabo de inventar, não era rico, mas vendeu tudo o que tinha e achou um jeito de adquirir o solar do coronel. Tinha certeza de que, em algum lugar da casa, havia botijas cheias de ouro.

Durante meses, anos, Silvestre escavou o casarão, em busca do tesouro que jamais achou. Cinquenta anos depois, um escritor colombiano que, certamente, jamais ouvira falar em Basiliano Sarmento, inventou história igual e a botou num livro. "Num livro" é pouco. Em Cem Anos de Solidão, publicado pela primeira vez em 1967, e sucesso absoluto de vendas, desde então, em todo o mundo. 

Foi, portanto, Gabriel Garcia Marquez quem fez Macondo parecer União dos Palmares.

A MALA DA SORTE (OU DO AZAR?)

Homem muito rico, Basiliano, ao sentir que estava para morrer, encheu uma mala de dinheiro e a escondeu em seu solar. Isso deve ter acontecido por volta de 1920. Tempos depois, ele, efetivamente, morreu. Alguém na cidade soube do dinheiro empacotado. Certa madrugada, esse homem forçou a fechadura e entrou no casarão. Encontrou a mala. Para facilitar a fuga, levou-a até o fundo do terreno e a jogou por cima do muro, num terreno baldio que ali havia. O plano, claro, era ir apanhá-la logo em seguida.

Deu errado. Para infelicidade do ladrão, Antonio Ribeiro, homem pobre, estava no mesmo terreno, de cócoras, a satisfazer suas necessidades fisiológicas quando, do nada, lhe apareceu aquele dinheiro todo. Sem, sequer, suspender as calças, apanhou a mala e desapareceu. Quando o autor do roubo chegou, em lugar de dinheiro, só havia cocô. Antonio Ribeiro ficou rico da noite para o dia e fez questão que o povo de União soubesse disso. Ocultou apenas o local onde havia ocorrido o milagre, mas não que seu dinheiro caíra do Céu. 

Deus, finalmente, havia atendido aos seus pedidos.

E O TREM ATRASOU...

Basiliano Sarmento foi um comerciante que enriqueceu nos anos 1910-20 e se tornou dono de grande patrimônio em União dos Palmares (AL). Não tinha herdeiros. Quando morreu, seus bens reverteram para o Estado, que os levou a leilão. Na data marcada para esse, muita gente abastada de Maceió decidiu comparecer, certa de que arremataria alguma coisa valiosa pagando pouco.

Nessa época, a única maneira de viajar da capital alagoana para União dos Palmares era de trem. Acontece que, na cidade onde Basiliano fizera fortuna, havia um certo Lira (não devia ser parente dos Liras atuais) que estava de olho nos bens do comerciante. Numa competição em que aparecessem muitos participantes mais ricos, entretanto, ele teria poucas chances de sair vitorioso. Como fazer? Lira concebeu e executou o plano de bloquear a estrada de ferro em vários pontos, para atrasar a chegada a União do trem com os ricos de Maceió. 

Foi o que fez, com êxito. Na hora marcada, o leiloeiro iniciou a venda dos bens de Basiliano. Concorrente único, Lira levou todos a preços extremamente baixos. Quando o trem, finalmente, chegou, já era tarde demais. E assim, Lira ficou rico da noite para o dia, por uma bagatela.


(***)

Essas histórias (exceto por alguns detalhes de minha lavra, acrescentados para preencher lacunas e, talvez, animar um pouco a narrativa) me foram contadas por Arnoldo Gomes de Barros, um primo a quem eu e meu irmão Ivan, lamentavelmente, somente vimos a conhecer no dia 31 de janeiro de 2017, com um atraso de 69 anos. 

União dos Palmares (assim como Branquinha, Murici e São José da Laje, todas na zona canavieira de Alagoas) é uma das cidades onde viveu boa parte dos Maia Gomes, até a segunda metade do século XX. Por isso, tenho ouvido muitas histórias de lá, algumas delas com personagens que não foram meus parentes. Nem eu nem minhas fontes garantimos a autenticidade integral desses relatos, transmitidos oralmente de geração a geração. Mas, que eles têm, pelo menos, um fundo de verdade, isso têm.



3 comentários:

  1. Meu avô, como primo do Basiliano, herdou sua fortuna. Mas, os advogados, sabidos, roubou grande parte. O nome do meu avô era João Pureza. E, em seu livro, Oseas Cardoso relata o roubo.

    ResponderExcluir
  2. Meu avô, João Pureza, herdou a fortuna do Basiliano. Mas os advogados que estavam no processo, roubaram grande parte.

    ResponderExcluir